Ténis

A cantora Dayana Yastremska foi ao Open da Austrália reencaminhar uma viagem interrompida por acusações de doping e pela guerra

A cantora Dayana Yastremska foi ao Open da Austrália reencaminhar uma viagem interrompida por acusações de doping e pela guerra
Robert Prange/Getty
A ucraniana, que chegou a Melbourne na 96.ª posição do ranking WTA, está nas meias-finais do Grand Slam da Oceânia, tornando-se na primeira jogadora a fazê-lo vinda da fase de qualificação desde 1978. Cantora com um single publicado durante a pandemia, Yastremska ganhou, ainda adolescente, três títulos, mas essa ascensão viu-se abruptamente travada
A cantora Dayana Yastremska foi ao Open da Austrália reencaminhar uma viagem interrompida por acusações de doping e pela guerra

Pedro Barata

Jornalista

Quando a temporada de 2021 nasceu, Dayana Yastremska era uma das jovens com um percurso mais consolidado na elite do ténis. A ucraniana, então de 20 anos, entrou em janeiro na 29.ª posição do ranking WTA, somando já três títulos no circuito profissional feminino — Hong Kong 2018, Hua Hin e Estrasburgo 2019 — e tendo, por exemplo, atingido a quarta ronda de Wimbledon.

No entanto, na madrugada daquela época, Yastremska deu positivo num controlo anti-doping para mesterolona, uma substância proibida, o que lhe valeu uma suspensão provisória. Seis meses depois, a federação internacional de ténis ilibou-a, aceitando a justificação da ucraniana, que alegou ter sido contaminada através de “um beijo do namorado", dado horas antes do teste positivo.

Ainda assim, o semestre sem competir passou fatura à tenista. Caiu no ranking, saindo, primeiro, do top 50. Em novembro já era 100.º da hierarquia e os encontros vencidos em majors ou os troféus erguidos em torneios ficaram para trás.

O arranque do ano seguinte não trouxe melhores notícias. Bem pelo contrário.

Em fevereiro de 2022, quando a quebra de rendimento já a transformara em 120.ª do mundo, Yastremska foi acordada por um estrondo enquanto dormia em Odessa, onde nasceu. Eram bombardeamentos russos, no começo da invasão ao território ucraniano. Passou duas noites abrigada num parque de estacionamento subterrâneo e, juntamente com a irmã, conseguiu escapar para a Roménia. Os pais ficaram para trás.

No primeiro torneio depois da fuga, em Lyon, uma muito emocionada Dayana conseguiu chegar à final, o seu melhor resultado em dois anos, mas foi um oásis na tendência dos resultados da jogadora de leste. Vivendo longe do seu país — desde o começo da guerra está a maior parte do tempo, justamente, em Lyon —, os constrangimentos da paragem devido à acusação de dopagem e a fuga às bombas russas pareciam ter ditado o fim daquela jovem capaz de se assomar à elite do ténis. Jamais voltou às 70 primeiras do ranking e passou 12 Grand Slams seguidos sem superar, sequer, a primeira eliminatória.

Robert Prange/Getty

Mas, subitamente, a melhor versão reapareceu. Dayana chegou ao Open da Austrália na 96.ª posição da lista que hierarquiza as tenistas, pelo que teve de superar a qualificação, fase que, nos dois últimos majors de 2023, não conseguiu furar. Em Melbourne, atingiu o quadro principal, antes de lograr o impensável: venceu cinco encontros seguidos e está nas meias-finais, sendo a primeira qualifier a consegui-lo desde Christine Dorey, em 1978, até agora a única a logar semelhante façanha.

No sempre incerto e aberto mundo do WTA, a ucraniana bateu Marketa Vondrousova (7.ª do ranking), Varvara Gracheva (39.ª), Emma Navarro (26.ª), Victoria Azarenka (22.ª) e, finalmente, a adolescente checa Linda Noskova (50.ª). É a primeira ucraniana da história a estar entre as quatro melhores na Austrália e o seu invadido país não lhe sai do discurso: “Acho que estou aqui numa missão. Quero mostrar a todos os ucranianos que estou muito orgulhosa neles, merecem todos o nosso respeito. A Ucrânia está sempre no meu pensamento”, confessou, após os quartos-de-final.

No encontro de acesso à final, Yastremska defrontará (quinta, 10h00, Eurosport) a chinesa Qinwen Zheng (15.ª do ranking), tendo na mira igualar um recorde singularmente detido por Emma Raducanu, na viagem mágica da britânica no US Open 2021: vencer um major tendo partido da fase de qualificação.

Uma criança cheia de energia

Todos os relatos sobre a personalidade da ucraniana, nomeadamente na infância, realçam a vivacidade de Dayana. Antes de se dedicar totalmente ao ténis, praticou natação, dança ou ginástica, tendo também uma paixão por cantar.

Já como profissional da bola amarela, aproveitou a pandemia da Covid-19 para lançar um primeiro single, em maio de 2020, seguido de uma outra canção, em agosto.

Filha de um antigo jogador de voleibol, a irrequieta Yastremska foi levada pela primeira vez para uma aula de ténis aos cinco anos, pela mão do avô. No primeiro torneio que disputou, aos sete, foi terceira, apesar de competir contra adversárias mais velhas. Decidir-se-ia pelo ténis por ser “duro e bonito”, contou, numa entrevista à WTA.

O destaque que ganhou como adolescente chocou com alguma controvérsia quanto ao seu estilo. Comentadores e outras jogadoras acusaram-na de fingir lesões durante os encontros para pedir assistência médica, quebrando o ritmo a quem estava do outro lado da rede.

Andy Cheung/Getty

Em 2020, na segunda ronda do Open da Austrália, Caroline Wozniacki foi uma das mais vocais quanto a este aspeto da ucraniana. A dinamarquesa, após Dayana ter pedido auxílio médico várias vezes, disse “não achar que houvesse nada” de grave, alegando ser “um truque” para “travar a cadência da partida”.

Yastremska, que enfrentou acusações semelhantes depois da final em Hua In contra Ajla Tomljanović, em 2019, defendeu-se sempre, assegurando que só pede assistência quando a precisa.

Mas, nos últimos anos, Dayana raras vezes foi notícia por fingir problemas em finais ou em majors. A ucraniana, simplesmente, não chegava a esses momentos, atravessando uma longa travessia do deserto, agora interrompida por este ressurgir do outro lado do mundo.

Quando nasceu, os seus pés apontavam para dentro, tendo de fazer tratamento para corrigir esse problema. 23 anos depois, voltou a ter condicionamentos na sua jornada, mas, quando menos se esperava, está a fazer história na Austrália.


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