Uns minutos depois de os tenistas terem de lidar com mais uma derrota, que é quase sempre o desfecho num certo momento da semana, o telefone tem na garganta mensagens desavindas de gente que desconhecem. Há o ódio gratuito corriqueiro e agora, numa tendência emergente e que parece imparável, o desdém e desumanidade por parte de apostadores. Depois de tragar o veneno, o tenista, se não tiver a fortuna de ter alguém a tratar-lhe das redes sociais, mete os olhos nas palavras que ferem como facas.
Há poucos dias, depois de cair num torneio em Girona, João Sousa preferiu não fingir que lhe é indiferente esse tratamento, disse estar “exausto” e exigiu “respeito”. No texto que publicou nas redes sociais colou também algumas fotografias das mensagens. “Filho da p*$# de atrasado mental! Deixa de uma vez de jogar ténis!!! Não tens cérebro, sempre a perder contra gajos mais fracos! Deixa de jogar de vez, filho da p*$#. Conquistador? Já foste a espaços, agora és só uma merda que perde contra toda a gente.” O delírio mergulhado em fel é assombroso.
A seguir ao sorteio de mais uma edição do Estoril Open, no Slice Lounge, onde se bebem gin como se fosse água, a Tribuna Expresso pediu ao tenista Nuno Borges para refletir um pouco sobre esta temática. “É algo com que já tive de lidar e que constantemente todos os jogadores do circuito têm de lidar. Aliás, são poucos os que conheço que nunca tiveram este problema no ténis”, confirma.
Borges, o n.º 68 do ATP, revela que este é o lado negativo do ténis. “Em alguns momentos exatos pode ferir um bocadinho mais”, confessa. Afinal, “estamos aqui a dar o nosso melhor e depois recebemos mensagens daqueles… acho que ninguém gosta. Estamos a dar o litro. Depois de perder o jogo estamos chateados. O João alertou para esse lado que muita gente desconhece, mas que infelizmente é uma realidade no nosso desporto”.

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Este tenista português, de 26 anos, explica que “quanto maior o torneio, mais gente a apostar”, logo “maior probabilidade” de ser atingido com este tipo de mensagens nas redes sociais. “Normalmente, aparecem quando perdemos”, explica. É aí, por uma odd muitíssimo amigável ou por um favoritismo à distância, que o apostador perde o tino. Esta cultura dificilmente será mudada, teme, e por isso os atletas “aceitam um bocadinho”. Ou seja, como se fosse umas razoáveis regras do jogo numa jaula em que não se quis entrar. E é difícil gerir a tal questão de engolir o veneno da derrota e ainda receber apostadores no divã. “A não ser que ganhemos o torneio, vamos para casa com uma derrota e temos de aprender a lidar com isso. É desnecessário, tento não ler as mensagens, nunca faz bem. Às vezes, uma negativa pesa por cinco positivas”, detalha.
“Mas não é só isto”, apressa-se a dizer este tenista com apelido de poeta, revelando um jeito de viver sensato e humano. “Também temos muitas mensagens de apoio, gostamos muito disso. Faz-nos querer mais, andar mais motivados, continuar a trabalhar para marcar o exemplo.”
Lá atrás, no início de carreira, quando vinha a Portugal jogar nos futures, no verão, chegou a receber uma ou outra mensagem dessa categoria miserável. “Não foi nada preocupante”, diz antes de dizer o que realmente o atormenta. “O pior é quando começam a ameaçar, e vêm ameaçar fisicamente, quando dizem que vão ter connosco, que sabem onde estamos. Aí já é preciso alertar as autoridades”, explica, informando que nada assim tão grave aconteceu com ele.
“Não é difícil saber onde os jogadores estão, os hotéis são conhecidos. É preocupante nesse aspeto, assusta um bocadinho. Tento abstrair-me ao máximo e simplesmente preocupar-me em jogar ténis”, desabafa.
Sobre o torneio que se vai jogar no Estoril, ao lado da Escola de Hotelaria, Nuno Borges assume-se mui entusiasmado. “É uma semana especial, é o maior torneio em Portugal. Quero usar esse bichinho extra para correr mais um bocadinho e procurar mais um bocadinho do que em qualquer outro torneio e dar o meu melhor, só a isso é que estou obrigado, e é isso que vou fazer”, promete. De preferência, sem mensagens carregadas de amargura e rancor.