Perfil

Ténis

“Retira-te ou enforca-te”: depois de uma derrota, o “exausto” João Sousa denunciou os insultos de apostadores e exigiu respeito

A seguir à derrota com o argentino Mariano Navone, na segunda ronda do Challenger de Girona, o telemóvel de João Sousa encheu-se de mensagens de ódio por parte de apostadores – um deles desejou ao português uma lesão no joelho para ele saber o que é perder 700 euros. Sousa fartou-se e desabafou nas redes sociais: “Gostaria de expor perante todos uma realidade que muitos desconhecem, mas que, infelizmente, nós profissionais de ténis temos que lidar todas as semanas com ela”

Hugo Tavares da Silva

Ryan Pierse/ATP Tour

Partilhar

A linguagem deste artigo pode ferir a sensibilidade de alguns leitores.

João Sousa esteve 2h24 minutos a bater bolas, a tragar veneno, a tentar contrariar o ténis de Mariano Navone, um argentino que está 81 lugares abaixo do português. Jogava-se uma vaga nos oitavos de final do Challenger de Girona, em Espanha. No fim de contas, Sousa não agarrou a derradeira bola e caiu mais uma vez. Se a derrota já é por si só uma caminhada muda pelo inferno, quando chegou ao balneário e pegou no telemóvel deparou-se com um outro espetáculo, desprezível e desumano.

Depois de provar outro tipo de veneno, o tenista de Guimarães, que celebra o 34.º aniversário esta quinta-feira, deu usou ao telefone outra vez para denunciar o insulto e a conduta tóxica de seguidores de ténis que metem dinheiro em apostas e esperam um retorno. A linguagem que se segue pode impressionar alguns leitores. “Filho da puta de atrasado mental! Deixa de uma vez de jogar ténis!!! Não tens cérebro, sempre a perder contra gajos mais fracos! Deixa de jogar de vez filho da puta. Conquistador? Já foste a espaços, agora és só uma merda que perde contra toda a gente”, dizia uma das mensagens. O tenista não exibiu o autor, que aparece a seguir a comentar uma outra story no Instagram do atleta.

“Pareces uma gaja a servir, não tens nada na cabeça, sempre a reclamar de tudo quando tu é que és uma merda porque não consegues manter a concentração. Ridículo, deixa de jogar”, grita a segunda mensagem daquele utilizador. Antes de mostrar as provas dos ataques e insultos, João Sousa explicou porque o estava a fazer.

“Gostaria de expor perante todos uma realidade que muitos desconhecem, mas que, infelizmente, nós profissionais de ténis, temos que lidar todas as semanas com ela”, começa por escrever o português. “Já foram vários os meus companheiros de profissão que expuseram este problema e a grande maioria de nós já aprendeu a lidar com isso, no entanto, desta vez eu junto-me a eles. Estou exausto de receber mensagens de apostadores com ameaças, insultos, provocações e pouca noção daquilo que é preciso fazer e sacrificar para poder ser tenista profissional.”

Tim Clayton - Corbis

Duas das três provas cabais daquele comportamento inqualificável são em inglês. “Espero que escorregues e partas o tornozelo, que te lesiones nos ligamentos do joelho para que te retires”, pode ler-se noutra mensagem. “Meu Deus, o Navone fez de ti a puta dele.” A seguir surgem três parágrafos com comentários e lamúrios a momentos específicos da partida, apimentando a narrativa de ódio com insultos como “palhaço embaraçoso". Este utilizador, também ele não identificado pelo tenista português, defende que deseja todas aquelas lesões a João Sousa para que ele perceba o que é perder 700 euros numa aposta. “Não consigo perceber como eras o favorito.”

O último dos prints publicados pelo n.º 156 do ranking ATP conta com a identificação do agressor. “Espero que morras”, pode ler-se a certa altura. “Quão mau és tu, retira-te ou enforca-te”, acrescenta, acusando depois o português de combinar resultados e jogos.

O vimaranense reflete sobre o inflamar do clima tóxico e selvagem com o crescimento das apostas, cada vez mais fáceis e à distância de um clique. “Infelizmente o mundo das apostas, o qual tem todo o meu respeito, trouxe esse lado menos bom e essas pessoas esquecem-se de que o alvo dessas mensagens, para além de sermos profissionais de ténis, acima de tudo somos humanos! Humanos com sentimentos, emoções, dias menos bons como todos, que lidamos com os nossos próprios problemas e, acima de tudo, damos o nosso melhor todos os dias apesar da vitória ou da derrota. Não peço que me sigam ou que gostem de mim, simplesmente exijo respeito. Obrigado”, desabafou o atleta.

A história em Girona ainda não acabou, já que João Sousa ainda está no torneio de pares. Ao lado de Francisco Cabral, o tenista vai enfrentar ou a dupla Trungelliti-Zekic ou Fayziev-Kalovelonis.

“Recebo pelo menos 25 ou 30 mensagens por jogo”

Tal como João Sousa escreve a certa altura da sua mensagem, vários jogadores têm denunciado este lado hediondo do desporto. Em outubro, a australiana Priscilla Hon (n.º 158 WTA) fez exatamente o mesmo que o português, expondo as mensagens. E a linguagem e o ódio são semelhantes.

“Espero sinceramente que morras de cancro, seu pedaço de merda”, lê-se numa mensagem. Noutra: “Seu pedaço de lixo. Por favor, ó por favor, não voltes a jogar ténis, sua merda sem valor”.

Andy Cheung

Na altura, numa entrevista ao “Daily Mail”, Hon revelou que aquelas mensagens faziam já parte dos circuitos. “Quando as vejo não sinto muita coisa, mas isso não o torna OK. É triste que a humanidade baixe a este nível só por perder uma aposta num jogo de ténis”, comentou.

O mesmo jornal deu conta de outra denúncia, desta vez de Jan Choinski (n.º 220 ATP), um tenista britânico. “Recebo pelo menos 25 ou 30 por jogo”, revelou numa entrevista ao “Metro”. “É muito devastador perder de qualquer forma, depois saber que tens de lidar com essas coisas, bem, é realmente aborrecido.”

Fabrice Martin, um francês que é o 27.º classificado do ranking, comentou sobre o mesmo tema em entrevista à “Vice”, em julho de 2016, revelando que as tais mensagens acontecem pelo menos uma vez por mês. “São sempre iguais: querem que tu morras porque perdeste, como é que perdeste quando estavas com um break de vantagem, devias abandonar o ténis, custaste-lhes milhares de euros, por isso eles vão matar-te a ti e a toda a tua família”, detalhou.

E acrescentou: “Isso acontece quando és o favorito e perdes, ou quando és o underdog e quase vences, por isso eles apostaram em ti. (...) Pensando nisto tudo, recebes mais mensagens de ódio e ameaças quando é suposto venceres. É um pouco duro às vezes, porque acontece normalmente depois do teu jogo e eles estão tão chateados quanto tu. Mas todos os jogadores percebem isto. Só tens de te rir…”

Mais recentemente, em dezembro, o norte-americano Taylor Fritz, o número 10 do mundo, deu conta exatamente do mesmo fenómeno. “Todos recebemos assédio das apostas. Recebemos 50 a 100 ameaças de morte depois de cada jogo que perdemos. Mensagens horríveis, com todo o ódio e o lado negativo das apostas, mas não recebemos nada da parte positiva. É injusto para nós”, refletiu.

  • João Sousa: “São 30 semanas de competição por ano, 300 torneios ao longo de 10 anos e as vezes em que não saímos derrotados são muito poucas”
    Expresso

    Mais do que a confiança que admite ter em alta, após vencer o quarto torneio ATP da carreira em Pune, na Índia, entre 11 finais “das quais as pessoas nunca se lembram”, João Sousa diz que, com este título, sobretudo “não surgem tantas dúvidas”. Porque, em entrevista à Tribuna Expresso, o tenista português, de 32 anos, também lembrou como as últimas duas épocas o massacraram com lesões e hesitações sobre a carreira. E garante que não vai relaxar, porque sabe como “o ténis é um bocadinho injusto” e “todas as semanas” coloca os jogadores “em cheque”

  • Temos de falar sobre a dor de João Sousa
    Ténis

    Ganhou três dos 11 jogos feitos em 2021. O ano passado, venceu um em 10. Mas, "se calhar", João Sousa "está melhor do que as pessoas pensam", diz quem o acompanha desde o início. A dias de regressar aos courts do Estoril Open (24 de abril a 2 de maio), o treinador Frederico Marques contou à Tribuna Expresso que vieram "alguns fantasmas à cabeça" devido à primeira lesão grave sofrida na carreira do tenista que "habituou as pessoas a jogar a um nível alto". E falou de dor