Quando entra no court, Carlos Alcaraz acena como uma estrela mundial. É o que ele é, sem soberba ou vaidade, é um miúdo nas nuvens. Na semifinal do Masters de Miami tinha pela frente um mais discreto e cheio de fogo na alma Jannik Sinner, um italiano que merece de alguns profetas a adivinhação de um choque mítico com o prodígio espanhol nos próximos anos. Foi o que aconteceu naquele court norte-americano durante três horas: uma promessa de céu.
Testemunharam-se pancadas que servem as narrativas fabulosas. Viram-se corpos artisticamente desenhados para correr, travar, atiçar o chicote, mergulhar. Sussurraram-se coragens, gritaram-se tiros que saíram da garganta da raquete sem piedade. Para os que sofrem com o abandono ou eventual abandono dos três magos – Federer, Nadal, Djokovic –, esta madrugada devolveu-lhes a esperança.
A certa altura, quando Carlitos começava a encurtar a surpreendente desvantagem de 1-4 no primeiro set, quem estava a ver o encontro talvez tenha sido transportado para os livros de História. Para “um lindo arco-íris”:
Talvez seja o ponto do ano como muitos sentenciaram, mas a verdade é que este duelo ofereceu muitas bolas semelhantes. A qualidade técnica e a disponibilidade física no seu pináculo tornam o espectáculo admirável, talvez insuperável. Quem sabe seja este o clássico do futuro.
O corpo de Alcaraz, apesar de tudo e parecendo até surpreender o jovem de 19 anos, quebrou e deixou-se engolir pela magnitude do jogo do italiano que estava do outro lado, outro cidadão da invejável juventude. Sinner, que sabe meter bolas a beijar as linhas como se fosse um qualquer inesquecível amor de verão, tem apenas 21 anos. O 6-2 do terceiro set denuncia os problemas para o espanhol, que assinou esta madrugada o abandono do número 1 do ranking ATP, que voltará ao nostálgico e ameaçador Novak Djokovic. Sinner apresentou um ténis robusto e fiável. Parecia tão imparável que algumas mentes mais desprendidas terão voado certamente até ao tal verso de Nina Simone "Oh, sinnerman, where you gonna run to?”…
No primeiro set, depois de estar a perder por 1-4, Carlos Alcaraz forçou o desempate no tiebreak. No segundo set, Sinner soltou ainda mais o braço, aproveitando os erros alheios e foi superior ao rival com quem já tinha disputado cinco duelos, ganhando dois (Wimbledon e Umag em 2022) e perdendo três (Paris 2021, US Open 2022 e Indian Wells 2023). Alcaraz, obviamente desconfortável com o nível do adversário, falhou muitas bolas, insistindo até em demasia nos desmedidos amortis.

Al Bello
No terceiro set Alcaraz, que foi ao balneário e demorou largos minutos, definhou. O fisioterapeuta, ao lado do preocupado David Ferrer, chegou a fazer uma bebida qualquer, talvez juntando-lhe pozinhos de um superpoder, mas o espanhol nem tocou nas garrafas. As pernas já pouco saltavam para o serviço, que deixou de ser implacável, uma das novidades para esta temporada. O prodígio murciano tentava correr pouco e encurtar pontos. Sinner talvez tenha quebrado ligeiramente também nesta fase, ou então demonstrou uma humanidade pouco aconselhável nestas andanças, parecendo deixar de forçar o jogo nas linhas, para fazer o adversário correr. Ou talvez tenha percebido que a segurança o ia levar a bom porto. Dito e feito: 6-2.
“Sim, fui-me um pouco abaixo”, confirmou a seguir Alcaraz, que ainda não tinha perdido qualquer set em 2023. “Sabia que [a pausa entre segundo e terceiro sets] não era boa para mim, mas estava a ser um jogo realmente duro. Mas não foi por essa razão que perdi. Ele foi melhor do que eu no terceiro set, essa é a verdade”, sentenciou.
Já o italiano, com toda a justiça poética que existe no mundo, estava feliz. “É uma das melhores vitórias da minha carreira. Foi um encontro muito duro e acho que os dois jogámos a um nível alto. Mudei um par de coisas em relação a Indian Wells”, explicou. “É genial fazer parte deste tipo de jogos. Desfrutas muito mesmo, o público está muito envolvido e é preciso ir mudando [ideias e estratégias] a meio do jogo.”

Matthew Stockman
Sinner (11.º ATP) vai jogar a final do torneio de Miami contra Daniil Medvedev (n.º5), que bateu Karen Khachanov nas meias-finais, por 7-6, 3-6 e 6-3. O russo perdeu a final de Indian Wells contra Alcaraz, mas tem um histórico imaculado importante contra o italiano, que o sabe perfeitamente: “No domingo será um encontro diferente. Nunca ganhei contra o Daniil, por isso vamos ver como corre desta vez”.
Sobre esse derradeiro encontro em Miami, no domingo, Sinner descobriu um novo apoiante. “Vou torcer por ti”, disse-lhe Alcaraz enquanto trocavam apertos de mão cheios de desportivismo e dignidade pelo que acabavam de fazer. O ténis está bem entregue.