Roland Garros é o palco de uma das memórias mais agridoces da carreira de Coco Gauff. Em 2022, o percurso da tenista norte-americana não deixou ninguém indiferente. Nos quartos de final derrotou Sloane Stephens, que já venceu o Open dos Estados Unidos. A chegada à final fez com que se tornasse a mulher mais jovem a ir tão longe num torneio do Grand Slam desde 2004, quando Maria Sharapova, aos 17 anos, chegou às finais de Wimbledon. Só a derrota contra Iga Swiatek retirou o final feliz a esta história.
Ainda no court, confrontada com uma questão sobre ser, ao lado de Naomi Osaka, o futuro do ténis, Gauff respondeu: “Na verdade, não sei. Provavelmente, o futuro já aqui está.”
Mas não estava, ou não estava completamente. Faltava juntar pelo menos mais um nome à equação: Emma Raducanu.
A forma como Gauff e Raducanu colocaram o nome no mapa da modalidade não foi muito diferente. Foi no All England Club, a primeira com apenas 15 anos e a segunda com 18. A norte-americana começou por ganhar logo o título da mais jovem de sempre a qualificar-se para o torneio de Wimbledon, mas a melhor parte chegou quando venceu Venus Williams na primeira volta. Simona Halep seria a jogadora que ditou o final da sua participação. Raducanu, que nunca tinha ganhado uma partida do circuito WTA, tornou-se a tenista britânica mais jovem a chegar à quarta ronda do torneio.
A partir daqui, ambas já carregavam algumas das esperanças do ténis feminino, mas Raducanu quis ir mais longe. Dois meses depois de Wimbledon, a tenista chocou o mundo quando conseguiu vencer o US Open. Ainda com 18 anos, ganhou 10 jogos sem deixar cair um set - apenas ao segundo Grand Slam no qual participava.
Al Bello
Se é ironia do destino, bom planeamento ou pura sorte, não se sabe, mas as novas esperanças do ténis feminino chegam pouco tempo antes de Serena Williams anunciar o final da sua carreira. A decisão deixou a modalidade sem a grande responsável pelas enormes multidões que esgotaram torneio atrás de torneio ao longo de anos. Sem ela, são necessárias novas estrelas.
Coco Gauff e Emma Raducanu não falharam no timing.
O exemplo da família Gauff
O sucesso de Gauff tem um motivo claro: ela sabe bem o que significa ir à luta. A sua inspiração vem da avó, que depois de ser diagnosticada com cancro conseguiu derrotar a doença. “Ensinou-nos que se pode estar a passar por muita coisa, alguns dos piores momentos, mas continuamos felizes e acreditamos em Deus. Qualquer coisa é possível”, contou, em entrevista ao “ABC News”.
O desporto é também uma herança de família. O pai, Corey Gauff, jogou basquetebol e a mãe, Candi, deu cartas no heptatlo. Coco começou pela ginástica, que a mãe também tinha praticado em criança, até que um instrutor de ténis viu nela características de uma campeã. A partir daí os pais investiram tudo na carreira da filha. “Sem arrependimentos”, confessou Corey ao “New York Times”.
A norte-americana tinha apenas 14 anos quando provou que realmente tinha as aptidões que viram nela. Gauff venceu o torneio de juniores de Roland Garros, a mais jovem a conseguir essa vitória desde 1994.
No meio de tudo isto, nunca perdeu o foco daquilo que estava a acontecer no mundo fora da modalidade que a coloca numa posição que nem todos conseguem alcançar - a primeira vez que falou sobre o movimento Black Lives Matter tinha apenas 16 anos.
“Estou aqui para vos dizer isto: que primeiro temos de nos amar, aconteça o que acontecer. Temos de ter conversas duras com os nossos amigos. Tenho passado a semana toda a ter conversas duras, a tentar educar os meus amigos não negros sobre como podem ajudar o movimento. Segundo, temos de tomar medidas. Sim, estamos todos aqui a protestar, e eu não tenho idade para votar, mas está nas vossas mãos votar pelo meu futuro. Terceiro, é preciso que usem a vossa voz”, explicou Gauff durante um protesto em Delray Beach, na Florida.
A rápida ascensão de Raducanu
Coco Gauff vai, naturalmente, buscar inspiração às irmãs Williams, com quem partilha nacionalidade. É um bocado essa a realidade de qualquer tenista, Raducanu incluída, mas a britânica já confessou que tenta também reproduzir o jogo da romena Simona Halep e da chinesa Li Na.
Também nela a nacionalidade dita preferências e referências.
Andy Cheung
Raducanu nasceu no Canadá, é filha de Ian, que é romeno, e Renee, chinesa. A família mudou-se para Londres quando ela tinha dois anos. Neste caso o desporto não vem da família, sendo que os seus pais são mais dados à área das finanças. Ainda assim, continuam a ter um papel importante na carreira da filha.
“A minha mãe, ela sempre me incutiu muita disciplina, respeito pelas outras pessoas”, revelou Raducanu ao site da WTA. “Eles incentivam-me sempre, têm grandes expectativas. Eu sempre tentei estar à altura disso”.
O sucesso desde a participação no torneio de Wimbledon, e principalmente depois da vitória no US Open, parece um pouco repentino, mas tem explicação. Não é que o talento de Raducanu tenha surgido do dia para a noite, esteve só um pouco ocupado com a vida normal de qualquer adolescente. O foco na escola impediu-a de participar em tantos torneios quanto desejava.
“Por vezes é um pouco frustrante porque vejo jogadoras com quem cresci e elas estão a conseguir. Neste momento, há tantas jovens jogadoras que se estão a sair tão bem no circuito WTA e nas seniores. Por vezes afeta um pouco: ‘Oh, quem me dera ter a oportunidade de competir, então talvez eu pudesse fazer o mesmo’”, afirmou há alguns anos.
Os últimos meses da carreira da tenista ficaram marcados por lesões, sendo que a mais recente a obrigou a abandonar o primeiro torneio deste ano, além de uma constante troca de treinadores - neste capítulo, uma decisão que ainda está para se tornar definitiva.
Cabeças de cartaz na Austrália
Com Ashleigh Barty e Serena Williams fora do tour, depois de anunciarem a reforma, Naomi Osaka ausente por estar grávida e mais uma série de jogadoras lesionadas, Emma e Coco são dois dos maiores nomes da competição feminina do Open da Austrália, o primeiro major do ano. É inevitável atribuir-lhes algum favoritismo. Aliás, seria talvez a final mais esperada por vários adeptos, não fossem as tenistas encontrar-se cedo na competição, já na segunda ronda.
É possível que a norte-americana tenha alguma vantagem, olhando para o início de ano mais positivo. Enquanto que Raducanu se lesionou em Auckland, Gauff levantou o troféu. É do lado da britânica que parece estar a maior pressão.
Hannah Peters
"Obviamente ela passou por muita pressão", disse Gauff ao "The Telegraph". "E especialmente sendo a primeira pessoa britânica a fazer algo em muito tempo, isso provavelmente é muito mais pressão do que aquilo a que estou habituada, sendo americana. A Serena agora está reformada, mas ela foi sempre a americana que as pessoas procuravam. Enquanto que com as britânicas, sinto que é apenas ela. Há outras jogadoras britânicas, mas ninguém fez o que ela fez e chegou tão longe num slam".
Talvez este jogo defina uma nova rivalidade, ou seja apenas o retrato daquilo que será a modalidade nos próximos anos. Ou talvez nem seja tudo isso que as pessoas estão à espera. Indiscutível é que 2023 será uma excelente oportunidade para estas duas tenistas se colocarem num novo patamar do ténis. Principalmente com a ausência de Osaka. É que Barty e Williams não voltam, mas a japonesa pretende voltar e é impossível descartá-la quando se fala do futuro da modalidade.