Perfil

Ténis

Holger Rune, o adolescente de “mau feitio” que aprendeu a “controlar as emoções” e tornou-se o tenista da moda

O dinamarquês de 19 anos derrotou Djokovic para vencer o Masters 1000 de Paris, na sua quarta final consecutiva. Rune, que começou o ano fora dos 100 primeiros do ranking e agora é 10.º, tem beneficiado da orientação de Patrick Mouratoglou, antigo treinador de Serena Williams, para melhorar o rendimento e atenuar a imagem de bad boy conflituoso

Pedro Barata

Julian Finney/Getty

Partilhar

Ali por 2009, Holger Vitus Nodskov Rune tinha seis anos e começara recentemente a agarrar numa raquete para bater em pequenas bolas amarelas. O rapaz dinamarquês de nome de personagem de série sobre vikings tinha começado a jogar ténis por influência da irmã, quatro anos mais velha, que também passava os tempos livres dentro de courts. O pequeno Holger rapidamente ganhou o gosto pelo ténis, que se tornou na sua atividade preferida.

O interesse pela modalidade levava-o a pedir à mãe que, nas férias, arrendasse campos perto dos locais de veraneio da família. Nesses recintos, Rune jogava contra a irmã, habitual ganhadora dos encontros fraternais devido às vantagens conferidas pela idade. Mas já ali aquela criança mostrava traços da personalidade que se consolidaria nos anos seguintes: quando era derrotado por Alma, a irmã, Holger começava a atirar a raquete ao chão e “deixar todo o mau feitio vir ao de cima”, contou o dinamarquês numa entrevista à ATP, no final de 2021.

Avançando pouco mais de uma década, a personalidade de Holger Rune, de 19 anos, continua irascível. O adolescente com cara de infante inocente encerra em si um temperamento que o fez juntar-se à lista de bad boys do ténis, com episódios que chegaram a ofuscar o seu talento e ascensão meteórica no ranking das raquetes.

No entanto, ao longo das últimas semanas a força dos resultados desportivos tem deixado as reações intempestivas e polémicas várias para um segundo plano, fazendo com que o dinamarquês ultrapasse as próprias expetativas para 2022. Holger Rune acaba de vencer o ATP 1000 de Paris, tendo batido Novak Djokovic na final para se tornar no mais jovem campeão na capital francesa desde Boris Becker, em 1986; ganhou 19 dos últimos 21 encontros que disputou, juntando o título de Paris ao de Estocolmo e às finais perdidas em Basileia e Sofia, num total de quatro torneios seguidos a chegar à final; começou o ano na 103.ª posição na hierarquia e é, agora, o 10.º da lista, a mais elevada posição de um dinamarquês de sempre.

O outono do ténis mundial tem tido Rune como protagonista maior, conseguindo bater em Paris cinco oponentes do top 10 do ranking (Hurkacz, Rublev, Alcaraz, Auger-Aliassime e Djokovic), um feito inédito num torneio que não nas ATP Finals, que concentram os melhores do ano.

Jean Catuffe/Getty

Antigo número um do mundo de juniores, o rapaz que cresceu a admirar Cristiano Ronaldo há muito que diz ter “como objetivo” ser “o melhor do mundo” do ténis. Para derrotar em Paris um ex-líder da tabela que hierarquiza os diferentes jogadores do planeta, Rune teve de dar a volta ao marcador depois de perder o set inicial — nas 30 vezes anteriores que Djokovic tinha vencido a primeira partida numa final de Masters 1000, o sérvio acabara sempre a levantar o troféu.

No início de 2022, o dinamarquês tinha fixado como objetivo para a temporada entrar nos 25 primeiros do ranking, mas os últimos meses colocaram-no bem perto dos melhores. “Se me dissessem, há quatro semanas, que eu seria top 10, eu responderia tipo: ‘O quê? Desculpa?’. Agora estou aqui e sinto-me muito orgulhoso”, disse Rune após ganhar, em Paris, o terceiro título da sua vitrine, após Estocolmo e Munique.

Na primeira fila das bancadas na cidade da Torre Eiffel estava Patrick Mouratoglou, um dos mais famosos treinadores dos últimos anos no ténis, que trabalhou com Serena Williams entre 2012 e 2022. O francês com raízes gregas tem uma das mais conhecidas academias do mundo da bola amarela, onde Rune começou a ir treinar com regularidade a partir dos 14 anos.

No começo de outubro, Mouratoglou juntou-se à equipa de Rune, que continua a ser liderada por Lars Christensen, treinador do jovem desde que este começou na modalidade, com seis anos. A chegada do técnico está a coincidir com a explosão do rapaz da Escandinávia, mas Mouratoglou acredita que “ainda não vimos" a “melhor versão” de Rune. “Ele precisa de melhorar o seu nível médio”, diz o francês.

Rune, com o treinador Lars Christensen (na ponta esquerda), a mãe e Patrick Mouratoglou (na ponta direita)

Rune, com o treinador Lars Christensen (na ponta esquerda), a mãe e Patrick Mouratoglou (na ponta direita)

Jean Catuffe

O treinador conheceu o nórdico quando este só tinha 14 voltas ao sol, mas, na altura, o que mais o impressionou foi o que tem feito com que Rune seja criticado: a personalidade. O francês recorda que Holger “não tinha uma qualidade de jogo incrível”, mas possuía uma “disposição mental, uma determinação e uma auto-confiança impressionantes”, acreditando “verdadeiramente no êxito”.

Rune reconhece que tem “mau feitio”, ainda que o tente “controlar”. Mouratoglou acredita que uma das razões do progresso recente do adolescente é ter aprendido a “controlar as emoções”, mas opina que só estamos a ver “metade do potencial” do novo ocupante da décima posição da hierarquia mundial.

Uma (curta) carreira com muitas polémicas

O Mónaco é uma espécie de reserva natural do ténis, tal a quantidade de jogadores que lá vivem ou passam boa parte do ano. Devido ao “bom tempo”, “condições de trabalho” e “presença de muitos bons parceiros de treino”, Holger Rune costuma passar o inverno em Monte Carlo. Num vídeo feito pela ATP no final de 2021, é possível vê-lo a exercitar-se em conjunto com o italiano Lorenzo Musetti, o canadiano Félix Auger-Aliassime ou o alemão Alexander Zverev.

Num momento desses treinos de pré-época, Lars Christensen, o técnico que o acompanha desde os seis anos, está a falar com o jovem, que se encontra sentado a beber água. Há um aspeto da sessão que não está a correr muito bem e, a meio de uma explicação do treinador, Rune bate subitamente com a garrafa de água contra o chão, indo-se embora e, basicamente, deixando o homem que o orienta desde sempre a falar para o boneco.

“Podes tentar fazer reset e ouvir por um momento? Usa a cabeça”, são as palavras ditas pelo treinador para o jovem, que responde com uma cara de quem tem o cérebro noutro espaço mental qualquer. O episódio mostra o carácter explosivo e algo birrento do jogador, o tal que Moutratoglou diz que ele está a aprender a controlar.

Em 2021, durante as meias-finais do Biella Challenger, em Itália, Rune dirigiu vários insultos homofóbicos para Tomas Martin Etcheverry, o seu adversário. O incidente levou-o a ser multado pela ATP.

No começo do percurso que o levou a vencer o título em Paris, Stan Wawrinka, que desperdiçou três match points para derrotar o jovem dinamarquês, terá dito a Rune que este era “um bebé no court” enquanto os dois se cumprimentavam após o duelo terminar.

Mas o encontro que mais colocou o comportamento de Rune sob escrutínio foram as meias-finais de Roland-Garros. Após derrotar Stefanos Tsitsipas para ser o primeiro dinamarquês a estar entre os oito melhores do major francês, o adolescente passou boa parte do encontro a gesticular e lançar exclamações para o ar, ou para as bancadas.

Num desses momentos, Rune gritou para que a sua mãe se “fosse embora”, o que a progenitora fez. No final do duelo, Casper Ruud, o pacato norueguês, cumprimentou o mais novo dos nórdicos com um desaprovador acenar de cabeça.

Depois do embate, Ruud disse que “poderia ser tempo” para que Rune “crescesse um pouco”. Em resposta, o dinamarquês acusou o norueguês de ter “falta de classe” e de, no balneário após o encontro, ter ido gritar “sim!” na sua cara como provocação. Ruud disse que a história era “mentira” e que era “triste” que o jovem “criasse episódios falsos”.

Numa recente entrevista à “Ekstra Bladet”, justificou o seu temperamento, argumentando ter “muito tempo” para melhorar a imagem que os outros têm de si e usando um dos príncipes do ténis como comparação: “O Roger Federer era 40 vezes pior que eu quando era jovem e hoje é amado. Tenho imensa paixão pelo ténis e às vezes isso é demasiado. Trabalho todos os dias para ter uma atitude positiva, é um processo. Se todas as pessoas fossem o mesmo e pensassem o mesmo, seria horrível viver neste mundo”.

A personalidade de Rune pode impressionar famosos treinadores ou irritar parceiros de zona do globo, mas nos últimos tempos o norueguês tem deixado que o seu nível de jogo fale por si. Entre os 100 melhores tenistas do mundo, só há outro jogador com menos de 20 anos. Trata-se de Carlos Alcaraz, o ocupante do número um do ranking, trono onde Rune se quer sentar.