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Carlos Alcaraz sobe ao topo do mundo

O espanhol bateu, em quatro sets, Casper Ruud, vencendo o US Open e tornando-se, aos 19 anos, no mais jovem n.º1 do ranking ATP de sempre. Numa final de alto nível, o norueguês teve momentos de supremacia mas foi batido pelo talento infindável de Carlitos

Pedro Barata

Elsa/Getty

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Há coisas que ainda não sucederam, mas que à volta das quais não colocamos um ponto de interrogação nem uma expressão de incerteza, mas sim uma dúvida meramente temporal. Não questionamos “se” vai acontecer, mas sim “quando” vai acontecer.

Mesmo que os nossos olhos ainda não o tenham visto, sabemos que são inevitabilidades, factos ainda não consumados à espera do momento certo para se revelarem.

Carlos Alcaraz vencer um torneio do Grand Slam entrava neste campo de antecipação da realidade. As qualidades do espanhol, a forma precoce como as expressa, a sua mentalidade competitiva e o derrubar de etapas que tem protagonizado levavam a apostar em quando é que o murciano ganharia um major, não se ele o faria.

Pois bem, essa espera terminou. Em Nova Iorque, Carlos Alcaraz derrotou, por 6-4, 2-6, 7-6 (1) e 6-3, o norueguês Casper Ruud, arrebatando tudo o que estava em jogo no Arthur Ashe Stadium: o triunfo no US Open 2022 e o salto para a liderança do ranking ATP, que terá no espanhol de 19 anos o n.º1 mais precoce de sempre.

Há tanto para realçar sobre as virtudes de Carlos Alcaraz que o difícil é elencá-las todas. Seja o potente jogo de fundo do court, com mísseis de direita e de esquerda que parece que vão provocar crateras do lado de lá da rede; a velocidade quase boltiana que as suas pernas contêm, levando-o a cobrir toda a extensão do terreno de jogo como se não houvesse locais impossíveis a que chegar; ou a habilidade e subtileza no jogo de rede, com volleys e smashes que o fazem tão ameaçador perto da rede como longe dela.

Mas talvez nada nos indique tanto sobre Carlitos como os derradeiros minutos das três horas e 20 minutos da final contra Casper Ruud. Alcaraz estava a jogar no US Open há quase 23 horas e 21 minutos, cifra que o torna no tenista que, no presente século, esteve mais tempo em court num major. A servir para fechar o encontro, conquistar o seu primeiro torneio do Grand Slam e tornar-se no n.º1 mais novo de sempre, seria normal que a mente pregasse partidas ao ainda adolescente murciano.

E o que fez Alcaraz? Serviu com confiança e precisão, subiu à rede, bateu na bola ainda com mais força e querendo fazer ainda mais pontaria às linhas. No momento mais transcendente da sua carreira desportiva, voltou a demonstrar que talvez aquilo que tem de mais especial não está nas suas pernas ou nas mãos, mas sim naquela mente competitiva e focada.

Terminada a final, Carlos caiu no chão emocionado, indo, depois, abraçar o seu treinador, Juan Carlos Ferrero, e a família, pessoas com quem “partilha as decisões” porque só tem 19 anos, disse no momento da entrega do título.

“Sonho com isto desde criança: ser número um do mundo, campeão de um Grand Slam. É difícil falar agora, são muitas emoções”, foram as palavras do espanhol. O sonho de Alcaraz, a inevitabilidade que quase todos lhe traçávamos, está aqui.

KENA BETANCUR/Getty

A expectativa antes da final estava centrada em Carlos Alcaraz, o que ficou evidente ao ouvir o entusiasmo do público no momento em que os jogadores entraram na cratera que é o Arthur Ashe Stadium. Mas, se é o espanhol que sobe ao topo do mundo, o novo n.º2 da hierarquia fez por justificar esse estatuto.

Casper Ruud não terá o talento nem a exuberância de Carlos Alcaraz, mas, aos 23 anos, obrigou o espanhol a sacar o melhor de si para vencer. O norueguês viu o saque ser-lhe quebrado logo ao segundo jogo de serviço do primeiro parcial, no qual o mais novo dos finalistas se impôs com autoridade, mas a partir do segundo set as coisas foram bem diferentes.

Durante a hora inicial do duelo, quando Alcaraz vencia um jogo, parecia fazê-lo arrasando e impondo o seu olhar matador, enquanto do outro lado, quando Ruud inscrevia o seu nome no marcador dos parciais, dava a ideia que o fazia como se de um exercício de resistência se tratasse. Carlos ganhava, Ruud aguentava.

Mas, subitamente, o norueguês subiu o nível. Passou a jogar nos limites, ganhando alguns dos longos pontos que nos habituámos a ver terminarem com o punho erguido de Alcaraz em celebração. O espanhol, por seu lado, estava errático, com erros não forçados e procurando motivar-se constantemente, respondendo a uma certa apatia que se abateu sobre o seu ténis no segundo set. 6-2 para Ruud e a final relançada.

Elsa/Getty

Nos três compromissos antes da final, Carlos Alcaraz esteve mais quatro horas e 33 minutos em competição do que Casper Ruud. À entrada da terceira partida, era legítimo pensar que a fatura física poderia custar caro ao murciano.

Mas, aí, a qualidade tenística da final atingiu alturas semelhantes à grandiosidade do cenário onde se estava a jogar, o maior estádio da modalidade a nível mundial. Alcaraz subia à rede com coragem e precisão, Ruud era capaz de o intimidar com passing shots venenosos; Carlos sprintava como se corresse em bicicleta pelo court, Ruud respondia aos serviços do seu adversário quase do meio do Oceano Atlântico mas conseguiu entrar na discussão dos pontos.

O norueguês chegou a dispor de dois pontos para fazer o 2-1 em parciais. O interminável 12.º jogo de serviço da terceira partida terá sido o mais importante da final, com mais de 10 minutos de duração e a possibilidade de vermos Ruud na liderança no que a sets dizia respeito bem presente em Nova Iorque.

No entanto, Alcaraz aguentou o serviço e forçou o desempate. Aí, entre cânticos em apoio ao espanhol que vinham das bancadas, Ruud jogou mal e foi Carlitos, que minutos antes estava a um ponto de perder o set, a vencê-lo.

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O desempate conquistado por Alcaraz foi o prelúdio do seu triunfo. No parcial decisivo, o murciano quebraria o serviço do adversário no terceiro jogo de saque deste, não tremendo até final. Rafa Nadal, o homem cujos feitos os espanhóis esperam que o novo n.º1 mundial replique, foi rápido a felicitar o compatriota pelo título.

Há um ano, Carlos Alcaraz conseguiu, no US Open, o primeiro triunfo frente a um dos 10 melhores da hierarquia, então Stefanos Tsitsipas. Nos quartos-de-final dessa edição, o jovem teve de abandonar por lesão, incapaz de lidar com as enormes exigências físicas da competição.

Uma volta ao sol depois, Carlitos continua com borbulhas na cara e sorriso de miúdo, mas muito é diferente. O corpo cresceu, o ténis consolidou-se. Talvez a grande semelhança esteja no olhar, que se mantém voraz, focado, sedento de glória.

É o olhar de rei Carlos, o novo ocupante do trono do ténis mundial. O mais incrível não é que Alcaraz, de 19 anos, tenha conquistado o US Open e seja o mais novo n.º1 de sempre. É a certeza de que isto é só o começo para ele.

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