Elena Rybakina não esperava chegar sequer à segunda semana do torneio de Wimbledon. As bolas foram entrando e o serviço mascarava-se de manteiga para torturar e superar quem se fardava de branco à sua frente. Esta tarde, na final contra a favorita Ons Jabeur (n.º 2), a primeira africana e árabe a disputar o derradeiro jogo de um major na era Open, a cazaque entrou nervosa e cheia de dúvidas. Depois, foi imparável.
Sisuda durante todo o tempo (mesmo com o troféu nas mãos), libertando-se só ligeiramente quando teve direito às palavras de glória no microfone, roubando uns risos até a Tom Cruise, Rybakina (n.º 23) foi engolida no primeiro set pelo virtuosismo do ténis de Jabeur, variado, atrevido e cheio de certezas. O serviço, que só a acompanhou no primeiro jogo do primeiro set, abandonou-a e Jabeur cresceu. As bolas longas beneficiavam a tunisina, que ia castigando a rival com os seus slices de esquerda. A um jogo em branco seguiu-se um último jogo com muitos erros da cazaque, que alcançava já os 17 erros não forçados: 6-3 e set para Ons Jabeur, que parecia levitar alegremente na relva.
Uma das maravilhas do desporto é que existe uma qualquer arte e um qualquer mistério que permitem desmentir o que se passara há apenas 60 segundos. E tudo mudou, um pouco como o jogo de Ons Jabeur contra a grande amiga Tatjana Maria, na semifinal do torneio. Rybakina quebrou logo o serviço de Ons. Depois, mostrou que mastigara a situação no cérebro, calibrou a mão e começou a responder melhor aos serviços da adversária, dava outro troco nos amortis e até nos slices. Era outra mulher diante de nós. O primeiro serviço também ganhou outra pedalada, o que se torna numa arma importante quando a carapaça tem 1.84m.

Clive Brunskill
O terceiro jogo do segundo set, provavelmente o mais longo da partida (8 minutos), deu outro gás a Elena, já que se tornou importantíssimo por tudo o que aconteceu, com alguns break points a serem salvos, bolas boas, caprichos na rede. A cazaque fez o 3-1 com um serviço que Jabeur hesitou em pedir challenge. Estranhamente, a transmissão televisiva passou o lance e demonstrou que foi fora.
E Ons Jabeur, frustrada e com um ténis triste, caiu definitivamente. Com muitos erros por parte da norte-africana, a agora renovada e confiante Elena seguiu triunfante até ao 6-2.
O terceiro set era uma incógnita, pois Jabeur acertou o passo neste mesmo set contra Tatjana Maria, no entanto a adversária desta tarde fechara muito bem o segundo set. Mas Elena Rybakina, cujo pedido de challenge permitiu chegar ao 30-0 no serviço de Ons, já não temia ser feliz e quebrou o jogo de serviço inagural da rival. Já se viam mais winners da cazaque. Ons gritou certa vez, desamparada, desesperada, a imagem da vitória estava certamente alojada na mente.
Com 40-0 a favor para quebrar o serviço de Elena e podendo colocar o marcador em 3-3, o ténis de Jabeur não foi fiável e voltou a cair no engodo da senhora que estava do outro lado. O 4-2 quebrou a alma da tunisina, que sonhava alcançar o primeiro major da carreira. Mesmo com alguns amortis de Jabeur que beijaram a rede antes de chocar com a relva, o que comprovava que o obscuro que existe no desporto ainda não a abandonara, Rybakina estava muito mais solta e já respondia a todos os problemas de outra maneira, embora tenha mostrado algumas limitações no toque de bola, sobretudo perto da rede. Match point: 6-2.

Clive Brunskill
Esta vitória de Elena Rybakina não deixa de oferecer uma história quase bizarra. É que os organizadores baniram os tenistas russos e bielorrussos, devido à invasão do exército da Rússia na Ucrânia, e Rybakina é nascida, criada e formada em Moscovo, tendo aceitado naturalizar-se cazaque em 2018, devido a um investimento importante no ténis daquele país. A tenista só esboçou alguma emoção quando visitou a box onde estava presentes os seus mais próximos e o presidente da federação de ténis do Cazaquistão, Bulat Utemuratov, o espectador mais empolgado no recinto.
Na mesma altura, Ons Jabeur, sentada e com a cabeça baixa, ia lidando com os fantasmas que aparecem nas piores alturas. Mas foi uma campeã à frente do microfone, agradecendo o apoio, dando os parabéns pela vitória merecida de Rybakina – “oxalá da próxima vez seja meu” – e voltando a falar para as suas gentes: “Eu amo tanto este torneio, sinto-me muito triste, mas é tenis, só há um vencedor. Estou a tentar inspirar muitas gerações do meu país, espero que estejam a ouvir.” E o público abraçou-a com palmas e um som reconfortante.
Já a nova campeã de Wimbledon, a tal tenista que nem esperava chegar à segunda semana, mostrou-se muito mais afável nesta parte, demonstrando até algum sentido de humor. Admitiu que estava super nervosa e que nunca tinha sentido tamanha coisa. E o sorriso no rosto dela foi descoberto finalmente.