A balança que compõe Fabio Fognini equilibra o prato do talento do italiano com um peso semelhante de atitudes passíveis de serem classificadas, no mínimo, como controversas. Por cada bola pensada e executada com rasgo de criatividade na sua raquete, o tenista de Sanremo, lugar da Ligúria paredes-meias com a Côte d’Azur francesa, polvilhou a carreira com centelhas de birras, discussões ou raquetes partidas, a que agora juntou um aparente menosprezo público de uma maleita que, na quarta-feira, afetou um contemporâneo seu dos courts: “Parem de acreditar no que leem, por favor!!!”.
Não explicita, mas sugestivamente, Fognini defendeu que Rafael Nadal teria fingido uma lesão no abdómen durante o jogo contra Taylor Fritz, na quarta-feira. Com esgares de dor denunciados na cara, mãos levadas à barriga e duas chamadas de auxílio feitas ao médico do torneio, o espanhol afrouxou o seu jogo de serviço durante cinco sets, mas, contrariando até pedidos do próprio pai para que desistisse, arranjou forma de superar o norte-americano para chegar às meias-finais de Wimbledon. Assinalando que o jogo durou “4h20” e legendando, com aparente ironia, a imagem de um artigo de jornal com um “claro que sim”, o italiano deixou a sugestão nas redes sociais.
Superada a partida, Nadal reuniu-se com os microfones perante as questões dos jornalistas. Disse que sentiu “chicotadas” de dor a cada serviço, o “fisioterapeuta tentou relaxar-lhe a zona” da lesão e tomou “uns anti-inflamatórios” que lhe permitiram jogar. “Não conseguia servir, mas por baixo jogava normalmente. Ganhei do fundo do court”, resumiu, embora admitindo que estava “preocupado” com o problema físico sobre o qual tinha “de ter a informação correta” para “tomar uma decisão”. Traduzindo, o espanhol teria de ser avaliado novamente ou submeter-se a exames clínicos.
A tal subliminar sugestão de Fognini sobre o hipotético fingimento de Nadal teve vida curta. Ao início da tarde desta quinta-feira, o diário “Marca” avançou que o tenista dos 22 Grand Slams na carteira já teria sido avaliado a exames, os quais lhe detetaram uma rutura muscular de sete milímetros no abdómen. Pouco depois, o “El País” escrevia que a equipa técnica de Nadal informara que o espanhol ainda não se submetera a tais exames, nada acrescentando em relação à alegada rutura quando ele se apresentou no completo de Wimbledon, mas, afinal, a informação era factível.
Sem aviso prévio, Rafael Nadal convocou uma conferência de imprensa para o final desta tarde, na qual anunciará, segundo vários jornais espanhóis e ingleses, a sua retirada do mítico torneio da relva. “Toda a gente viu como sofri de uma dor abdominal. Confirmei que tenho uma rutura e um risco de piorá-la se continuar a jogar”, admitiu o tenista, ao dar conta que passou o dia inteiro e a noite anterior “a pensar” na lesão - “não continuo porque não acredito que possa ganhar dois jogos nestas circunstâncias”.
Rafael Nadal não quer “sair para campo” e “não ser competitivo o suficiente para alcançar” o objetivo.
O espanhol, de 36 anos, ainda se deslocou na tarde de quinta-feira a um dos campos de relva do torneio para uma leve sessão de treino, que durou cerca de 40 minutos e o teve apenas a trocar algumas bolas, sem grande intensidade, com um dos seus treinadores. Aí nada disse, mas sobraram-lhe palavras na véspera: “Não tenho qualquer motivo para me queixar de nada e sei que isto faz parte do desporto, mas, ao mesmo tempo, não consigo ter descanso neste aspeto. Quando não é uma coisa, é outra. Tive que fazer um grande esforço para jogar este torneio (...) Estou habituado a jogar com dor, mas quando sinto algo como hoje [quarta-feira], sei que algo não está bem”.
A rutura muscular no abdómen faz um certo paralelo com o que já sucedeu a uma das companhias de Rafael Nadal no pedestal das conquistas de Grand Slam neste século.
O ano passado, Novak Djokovic conquistou o Open da Austrália com um rasgo no músculo de 2,2 milímetros, dimensão registada após ganhar a final e superior aos 1,7 milímetros que lhe foram detetados inicialmente, em rondas anteriores do torneio. E não é inédito ver o espanhol a lidar com arrelias físicas na zona abdominal - em 2009, sofreu uma rutura enquanto jogava frente a Juan Martín del Potro no US Open; em 2018 e 2019, teve maleitas similares no torneio de Paris-Bercy, do qual teve de desistir.
Com 36 anos de vida abrilhantada pelo ténis, o próprio Nadal lembrou como apenas desistiu “um par de vezes” de jogos. “Para mim, é muito duro retirar-me a meio de um jogo. Odeio-o”, confessou, como que justificando a estadia em campo frente a Taylor Fritz e a rebelião contra os gritos do próprio corpo. Ao espanhol esperava um duelo com o vulcânico Nick Kyrgios nas meias-finais, o australiano da pouca ortodoxia tenística e dos imensos rasgos pouco convencionais que assim, aos 27 anos, vai jogar a final de um Grand Slam pela primeira vez na carreira. Ainda antes de confirmar o que fosse, Nadal já estava ciente de uma condição a que não renegava:
“Se há algo mais importante do que Wimbledon, é a saúde.”