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Djokovic treme contra o seu espelho, mas está nas meias-finais de Wimbledon

O sérvio diz que vê muito de si no jogo de Jannik Sinner e durante dois sets o italiano que cresceu a falar alemão no Tirol do Sul serviu-lhe do seu próprio veneno, com um jogo sólido que abriu o campo e manietou o primeiro cabeça de série. O susto acordou Djokovic, obrigado a ir buscar o melhor do seu jogo e do seu físico para vencer a batalha em cinco sets, com parciais de 5-7, 2-6, 6-3, 6-2 e 6-2

Lídia Paralta Gomes

Shi Tang/Getty

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É um bocadinho como aquele meme em que um homem-aranha aponta para outro homem-aranha, dois semelhantes reconhecendo-se como quem olha para um espelho. Novak Djokovic olhou para Jannik Sinner, seu adversário nos quartos de final de Wimbledon, e teve uma espécie de déjà vu. “Vejo muito do meu ténis no Jannik”, disse o sérvio sobre o garoto nascido e criado naquela ponta superior de Itália onde se fala alemão. Em Sinner, um tirolês do sul de 20 anos, Djokovic topou o jogo “sólido de fundo de court” e a “esquerda chapada” com que tanto mima os adversários. E às vezes não é fácil jogar contra as próprias armas.

A esquerda a duas mãos de Sinner foi particularmente venenosa nos momentos bons do italiano, num dos jogos mais importantes da sua vida: depois de bater Alcaraz nos oitavos de final, respondendo com aquela impassividade montanhosa à fúria latina do espanhol, o italiano jogava com o homem que busca o sétimo título em Wimbledon, uma parede de inesgotável energia. Colocar Djokovic a correr nem sempre é sinónimo de vitória, porque ele é elástico, inquebrável, mas Sinner fez mais do que obrigar o sérvio a piques de velocidade. Abriu o court, criou as suas oportunidades. E se Djokovic até começou por quebrar o serviço do italiano logo no arranque do encontro, o miúdo que até começou pelo esqui, o desporto-rei em San Candido (ou Innichen, como diz a maioria de falantes de alemão por ali), deu a volta, com dois breaks que lhe deram o primeiro set: 7-5.

Perder um set não é assunto virgem para Djokovic nesta edição de Wimbledon, aconteceu logo na primeira ronda frente ao sul-coreano Kwon e na última ronda com o neerlandês Tim van Rijthoven, mas o vencedor de 20 torneio do Grand Slam nunca tinha estado tão encostado às cordas: no segundo parcial, o ténis adulto, férreo e inteligente de Sinner deixou Djokovic sem resposta. O número 13 do Mundo fechou as contas em 6-2, em pouco mais de meia-hora.

ADRIAN DENNIS/Getty

Foi aí que Djokovic voltou a olhar para o espelho. Dominado nos dois primeiros sets, o sérvio foi buscar a solidez do seu ténis, reduzindo drasticamente também um dos problemas dos dois primeiros parciais: a quantidade pouco usual de erros não forçados. E enquanto o vencedor das três últimas edições de Wimbledon crescia fisicamente e na certeza das suas pancadas, Sinner definhava perante a parede. Com um 6-3 e um 6-2, a voar em fluidez, o primeiro cabeça de série empatou o encontro e levou tudo para um derradeiro set, em que o italiano quebrou definitivamente. O tenista de 35 anos fechou com novo 6-2 e está pela 11.ª vez nas meias-finais em Londres.

Apesar da derrota, Jannik Sinner provou em Londres - onde até 2022 nem sequer um encontro havia ganhado - que o futuro do ténis está bem entregue. Com Alcaraz, outro miúdo, com 19 anos, protagonizou um dos melhores duelos desta edição de Wimbledon e os próximos anos poderão ser deles, com estilos e auras bem distintas. Sinner, que até aos 13 anos até preferia o futebol e o esqui (foi mesmo campeão italiano aos oito anos), mas que viu nos courts uma oportunidade de assumir a sua individualidade, assustou Djokovic, um seu semelhante. Em breve, poderá fazer mais do que isso.