Afunilar a um suíço, um espanhol e um sérvio esta forma de praticar desporto levada ao excelso, a um estado sublime, diz mais sobre eles do que acerca de nós, meros contempladores, que por tão incapazes sermos de compreender o que Federer, Nadal e Djokovic ainda fazem caímos na tentação das comparações. É oxigénio de vida perdido.
O sérvio desta tríplice grandiosidade, bem vistas as coisas, tinha um tapete relvado estendido à frente a partir do momento em que o canhoto dos lendários abdicou de participar em Wimbledon e a personificação da elegância sucumbiu, nos quartos-de-final, perante um polaco de 196 centímetros em três sets e com 6-0 no último.
A perseguição ter-se-á atiçado na cabeça de Djokovic, nessa fortaleza mental a betão armado que, se algo houver de comparável, é nisto que as três simbioses humanas com uma raquete partilharão entre eles - a brutal barreira invisível entre o que lhes vai no cérebro e qualquer contexto adverso que os afronte dentro de uma quadra de ténis.

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Novak Djokovic jogou a final de Wimbledon, este domingo, com um público a tender para se vocalizar e aplaudir pelo outro tenista, o esmagado pela tonelada da previsibilidade do lado de lá da rede. O muito bom Matteo Berrettini esteve a perder 2-5, mas levou, no tie-break, o primeiro set do sérvio e a fugacidade de uma quiçá surpresa animou as bancadas.
E ergueu-se a muralha mental em Djokovic. Enquanto o sérvio, primeiro, melhorou, e depois foi jogando à sua medida - esparregadas para alcançar bolas, respostas fulminantes de esquerda, constantes pancadas a caírem em cima da linha -, pondo ténis no jogo que apenas num dia virado do avesso se vestiria a favor do italiano, mostrou também as muralhas na sua cabeça.
Refilou como é e sabe, reclamando por mais ruído contra si e em prol de Berrettini, o italiano crescentemente massacrado apesar dos carinhosos decibéis da arena. Djokovic encostava a raquete ao ouvido, varria as bancadas com o olhar, pedia o combustível que aos 34 anos ainda o embala sobre todas as circunstâncias possíveis.

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Com um 3-2 favor na então já irremediável viagem rumo a mais uma taça dourada como poucas de Wimbledon, no quarto e último set, depois de resgatar com o pulmão de um adolescente e a mestria na raquete de anciãos o melhor ponto da final, o sérvio apontou para as bancadas, sorrindo. Desafiou mais um público sem unanimidade para o apoiar a acicatá-lo; contestem, questionem agora, pareceu perguntar.
Quando se desenrolou com os ossos por cima da relva, cumprimentou o derrotado e se agachou para comer a sua dedada de relva, Novak Djokovic já se estava a borrifar para a barulheira. O All England Club, em Londres, ensurdecido ficou pela festa, o sérvio até se despiu em alguns pedaços para os distribuir pelos presentes, para deixar ali alguma da sua genialidade lendária.
É isso que Djokovic é, uma lenda, pela vigésima vez o repetiu para a história.
O tenista sérvio ganhou o seu 20.º torneio do Grand Slam e parece estar a jogar um dominó privado com os tais outros três que são umbilicais na grandiosidade. Cada um tem duas dezenas destes títulos em casa, mas só o balcânico já foi o pináculo momentâneo do piso rápido, da relva e da terra batida. Agora, pode ser o primeiro dos três a deter os quatro majors de uma mesma época, se a esta relva comida suceder uma conquista do US Open.
E, no final, com as mãos coladas ao troféu, Novak Djokovic falou dos seus lendários siameses:
"Já o disse antes muitas vezes, tenho de prestar um grande tributo ao Rafa e ao Roger: são grandes lendas do nosso desporto. São os dois jogadores mais importantes que já defrontei na minha carreira. São razão para eu estar onde estou hoje. Ajudaram-me a entender o que precisava de fazer para melhor e ficar mais forte. Quando entrei no top-10 pela primeira vez, perdi durante três ou quatro anos a maioria dos jogos contra estes tipos. Tem sido uma viagem incrível, que não vai parar aqui".