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Sim, talvez, porventura, “vamos ver”. Terá sido esta a última vez de Kelly Slater em Portugal?

Apanhou 12 ondas, surfou em três heats, ganhou nenhum e foi o pior classificado em dois deles. Aos 51 anos, Kelly Slater foi eliminado ao segundo dia de prova no MEO Rip Curl Portugal Pro, saindo de Peniche com outro 17.º lugar esta época. O 11 vezes campeão do mundo está preocupado em não chegar a meio do ano entre os 24 surfistas que garantem a qualificação para o circuito mundial de 2024 e deixou no ar a dúvida: “Pode ter sido a minha última vez aqui, para ser honesto”

Diogo Pombo

Thiago Diz/World Surf League

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Temperatura amena, sol a vingar-se das nuvens da véspera, domingo a convidar à invasão do maralhal de gente. O areal de Supertubos é apertado pela maré a encher durante a tarde, espremendo os corpos rumo à duna e forçando avisos de quem fala para os altifalantes da praia. O povo acorreu ao MEO Rip Curl Portugal Pro com as habituais preferências na bagagem, uma delas a incontornável que se reserva ao careca marítimo mais famoso que a humanidade já produziu. Cada vez que Kelly Slater desce a escadaria da estrutura da prova até à areia, ou sai do mar para a subir, irrompe uma gritaria na praia.

Os bruás coletivos repetem-se, o êxtase ao mínimo vislumbre do único surfista cinquentão do circuito é uma constante. O calvo do olho azul abana com a hostes como ninguém, mas perece nas voláteis ondas de Supertubos como nunca, como vivalma esperaria: entre o mar incaracterístico mar de sábado, cheio de correntes, espuma e massas de água a desmancharem-se mais do que quebrarem, e o já assustadoramente maior de domingo, Kelly Slater apanhou 12 ondas e surfou em três heats. Ganhou nenhum e foi o pior classificado em dois - ajudou a eliminar Frederico Morais pelo meio -, o último deles nesta tarde dominical.

Há muito que o 11 vezes campeão mundial parece dar as suas voltas de honra às ondas da Terra. Tem 51 anos, o mais recente título foi em 2011, colheu 56 vitórias em etapas (a última em Pipeline, em 2022) e por mais alquimista da saúde corporal que seja, a idade apanha o corpo de todos com as dores do tempo. Eliminado à segunda ronda em Peniche, o norte-americano ressurge na areia já vestido para uns cinco minutos com os jornalistas e perguntas a que ele habituado estará. Uma delas, a mais inevitável perante as circunstâncias.

Terá esta sido a última vez das últimas vezes?

“Não sei, não sei, pode ter sido a minha última vez aqui, para ser honesto. Vamos ver, talvez dependa um pouco dos Jogos Olímpicos, as pessoas que irão vão ficar decididas este ano... Portanto, sim, pode ser a minha última vez a surfar em Portugal”, admite, com a fala pausada e algum vazio no olhar, parecendo perder-se no background de quem lhe coloca uma pergunta. O 17.º lugar que levará de Portugal junta-se à mesma classificação obtida em Pipeline e o 9.º levado de Sunset, as duas etapas havaianas que arrancaram o circuito. Kelly Slater, o homem condecorado com o emoji de um bode e um acrónimo em inglês, está em risco de ficar na metade do ranking que perde a qualificação direta para o Champioship Tour (CT) da próxima época - com estes resultados, arrisca-se a não ser um dos 24 primeiros surfistas da hierarquia que, a meio da época, garantem o apuramento.

Damien Poullenot/World Surf League

Apesar das tantas voltas ao carrossel do surf e dos incontáveis feitos, este perigo de sumir da tabela preocupa-o. “Obviamente que todos temos de pensar nisso estando nesta posição. Tive dois maus resultados e um médio, não é a melhor posição para se estar, mas veremos o que acontece”, resume, quase conformado com uma prestação global que merece adjetivos que raramente lhe foram aplicáveis em três décadas de carreira. E ele, mesmo um torcedor de nariz ocasional às condições das ondas em Peniche, é dono de boas memórias criadas por cá.

Kelly Slater lembra-se, “claro”, de “ganhar contra o Jordy Smith” em 2010, na primeira edição da etapa como residente do circuito; ou de “ficar em 2.º contra o Adriano de Souza” e de “as ondas estarem perfeitas” no “grande ano” que foi o seguinte. “Mas, no geral e na maioria das edições, o estado em que Supertubos aparece e o que poderia ser são duas coisas muito diferentes, têm sido condições muito difíceis para nós, o ano passado tivemos muito azar com o vento de sul e esta semana também, durante alguns anos as condições não têm aparecido para nós, só em alguns momentos aqui e ali”, lamenta, no meio do cerco de câmaras e microfones.

Elogioso para com o calor que anualmente sente do “público português que tem sido incrível ao longo dos anos”, agradecendo às “tantas pessoas” a “gritarem” o seu nome e descrevendo-o como “avassalador”, Kelly Slater não desmanchou as dúvidas sobre um possível regresso a Portugal para competir. “Continuarei a vir para jogar golfe e fazer free surf”, garantiu apenas, lembrando a “relação próxima” que tem com António José Correia, antigo presidente da Câmara Municipal de Peniche, no cargo quando o evento se fixou em Supertubos.

A mira de Kelly, como já o admitiu este ano, parece estreitar-se cada vez mais nos Jogos Olímpicos, para onde a qualificação serão outro bico de obra. A prova será em Teahupo’o, no Taiti, longe da sede de Paris embora pertíssimo do âmago do norte-americano, por várias vezes domador da longe e tubular mandíbula da dita onda, umas das mais míticas do surf. A única certeza que deixou na breve conversa com os jornalistas portugueses ligou-se a esta hipótese:

“Se me qualificar para os Jogos Olímpicos, será o fim para mim.”