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O talento sorridente de Kika aproxima Portugal do sonho do Mundial

Uma grande exibição da jovem, culminada com um golo, foi fundamental na vitória (2-1) da seleção na Sérvia. Numa partida de muitos nervos, a equipa de Francisco Neto foi melhor e está agora a um triunfo da presença no play-off de qualificação para o Mundial, competição que Portugal nunca disputou

Pedro Barata

Kika Nazareth festeja o golo que colocou Portugal a vencer por 2-1

Hernani Pereira/FPF

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O cronómetro marcava qualquer coisa como 35 segundos e já Kika Nazareth tinha feito de uma simulação de corpo uma receção orientada, que por sua vez foi uma finta para ganhar uma falta e oxigenar o jogo de Portugal, iludindo a pressão da Sérvia. Foi uma declaração de intenções da jogadora de 19 anos, que tem um talento da dimensão do seu gosto contagiante em estar dentro de um campo e tocar numa bola, visível nos sorrisos expressivos que vai soltando entre um drible e outro.

Ver uma partida de futebol em que, durante longos minutos, há uma jogadora que parece num patamar inacessível para as restantes 21 ocupantes do terreno de jogo é um exercício que, além da pura admiração estética, pode ser ingrato para o talento superior que contemplamos. Os nossos olhos, egoístas, exigem ver permanentemente mostras do que pode sair daqueles pés diferenciados.

Mas, particularmente durante a primeira parte do Sérvia - Portugal, Kika Nazareth esteve à altura da fasquia em que a sua incrível capacidade para acarinhar uma bola a coloca. Num contexto adverso, com a seleção nacional a entrar praticamente a perder e a precisar de dar a volta para ter opções de estar pela primeira vez num Mundial feminino, Kika foi corajosa, na medida em que se pode ter coragem no futebol: pediu a bola, assumiu o jogo, levou a equipa para a frente, assistiu, marcou.

Foi à boleia deste talento hiperativo e feliz que Portugal venceu, por 2-1, a Sérvia, o único resultado que interessava para continuar a sonhar com a presença no Mundial 2023, que se realizará na Austrália e Nova Zelândia. No grupo H, a seleção ultrapassa, assim, os balcânicos, ficando em segundo lugar com mais um ponto do que os opositores desta partida (e menos dois que a Alemanha, que tem um encontro em atraso).

Para marcar presença no play-off que dará os últimos bilhetes para a Oceânia, a Portugal basta um triunfo na última jornada, no dia 6, em Vizela, contra a Turquia. Três pontos nesse duelo permitirão à equipa de Francisco Neto sonhar com o primeiro Mundial da história da seleção feminina.

Hernani Pereira/FPF

Se aos 3' já Kika tinha assistido Carolina Mendes para a primeira situação de perigo para as visitantes, aos 6' o pior aconteceu a Portugal. Um livre absolutamente inofensivo, muito longe da baliza, foi batido por Frajtovic, com a bola a pingar rumo às mãos de Inês Pereira. A guardiã mediu mal a trajetória e foi batida, redobrando a dificuldade da tarefa portuguesa, a quem só os três pontos importavam.

Sem Jéssica Silva no ataque, Portugal reagiu muito bem, com Andreia Norton, Diana Silva e Carole Costa a roçarem o 1-0. Kika Nazareth ia dançando entre adversárias, transformando receções orientadas em dribles que eram saídas de pressão, qual solução individual para problemas táticos coletivos.

No entanto, depois dos bons minutos de Portugal, a partir dos 20' a equipa de Francisco Neto passou a ter menos clarividência. As posses de bola duravam menos, os passes eram precipitados, a paciência para construir transformava-se em perdas que possibilitavam ataques perigosos às locais.

Aos 24', na sequência de um contra-ataque, Poljak esteve perto do 2-0. Mas, se 90 minutos no Bernabéu são muito longos, cinco minutos de talento de Kika Nazareth podem ser eternos para as adversárias.

Hernani Pereira/FPF

Foi nesse espaço de tempo que a jogadora do Benfica utilizou todos os seus recursos para desequilibrar a balança para Portugal. Aos 40', Kika dançou sobre Frajtovic, dando espaço para que Diana Silva cruzasse. A bola, longa, foi recolhida por Andreia Norton, que serviu Joana Marchão. A canhota das botas clássicas e fã da leitura aplicou um remate que surpreendeu a guardiã Kostic e fez o 1-1.

Logo a seguir, um bailado de Kika levou a bola às malhas laterais sérvias. E, em tempo de descontos, um resumo das qualidades da jovem fez o 2-1: primeiro foi ganhar uma dividida, com a sua energia e vontade de ter a bola; depois pausou, utilizou a virtude do engano, usando o tempo para ganhar espaço e sentar uma adversária; de seguida soltou para ala, pois as grandes amantes da bola não a querem só para si e sabem partilhá-la; e, finalmente, acompanhou a jogada para, de cabeça, corresponder ao centro de Diana Silva e aproximar Portugal da Austrália e da Nova Zelândia.

A segunda parte foi cheia de nervos, com Portugal a ter as ocasiões mais claras — um remate à barra de Tatiana Pinto e uma finalização de Diana Silva em que a jogadora do Sporting, isolada, não conseguiu marcar —, mas também a ter de suster a respiração em vários momentos.

A Sérvia teve um golo anulado por fora-de-jogo, Inês Pereira teve de fazer defesas apertadas em três ocasiões, Filipovic ficou a centímetros do 2-2. A parte final foi um teste ao coração de uma equipa que, tal como havia evidenciado no Europeu, mostrou capacidade de se sobrepor às adversidades, dando a volta a um resultado adversário. Voando nas asas do talento de Kika Nazareth, o sonho do Mundial ficou mais perto.