FC Porto

Uma aposta de risco em tempos de ira portista

O feitio conflituoso está a causar algum desassossego nas hostes portistas, embora ninguém lhe regateie o empenho como profissional
O feitio conflituoso está a causar algum desassossego nas hostes portistas, embora ninguém lhe regateie o empenho como profissional
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Para travar o assalto do Benfica ao penta, pecado sem perdão entre os adeptos, Pinto da Costa bateu-se como um dragão para resgatar ao Nantes Sérgio Conceição, um dos jogadores-símbolo da causa azul e branca. Famoso por épicas fúrias mas total empenho como profissional, o novo técnico é uma aposta de risco em tempos de ira portista

Uma aposta de risco em tempos de ira portista

Isabel Paulo

Jornalista

Após duras negociações durante uma semana, Sérgio Conceição está livre para treinar o clube do seu coração, ano e meio depois de ter sido um dos treinadores assediados para render Julen Lopetegui. Em meados de janeiro de 2016, o agora esperado treinador do FC Porto esteve com um pé no clube, um passo adiado pelas circunstâncias de ser então treinador do Guimarães em vésperas de defrontar o FC Porto.

À especulação sobre o conflito de interesses que o encontro encerrava, o treinador conhecido por ser “antes quebrar do que torcer” respondeu com a vitória por 1-0, colocando os portistas a sete pontos da liderança do campeonato que deu o tri ao Benfica. No final dessa época, em entrevista a “O Jogo”, confirmou o namoro azul e branco, lamentou que tivessem colocado a sua dignidade em causa e de ter ficado mais longe de treinar o clube dos seus sonhos.

A oficialização do contrato por duas épocas de Sérgio Conceição, 42 anos, é aguardada a qualquer momento. Tal como Nuno Espírito Santo, o novo homem de Pinto da Costa tem pela frente a missão de estancar a seca de títulos e romper a cadeia vitoriosa do arquirrival Benfica. Para os sócios e simpatizantes, 2017/18 é a época mais temida dos longos 35 anos de Pinto da Costa, inquietos com a eventual suprema heresia do penta encarnado, “feito único no futebol português”, lembra Martins Soares, o único candidato que ousou desafiar o líder portista no início dos anos 90.

“[O penta] é o ‘santo graal’ do Dragão”, refere ainda ao Expresso um ex-dirigente do FC Porto, que conta que a escolha de Sérgio Conceição foi o plano B de consenso entre Luís Gonçalves, diretor-geral do futebol, e Pinto da Costa, após terem visto esfumar-se a contratação do resistente Marco Silva, que, sem garantias de plantel, optou pelo Watford.

A opção não é, porém, aplaudida por todos na Torre das Antas, solução que um sector da SAD receia ser “um bocadinho mais do mesmo em relação a NES, ou seja, um treinador de muito amor à camisola, zero títulos e falta de experiência europeia”. A caderneta em branco parece, contudo, não atemorizar Pinto da Costa, que defende que um homem da casa criará mais empatia com as franjas de adeptos mais irados, como é o caso do Coletivo 95, claque proibida de usar tarjas contra a SAD no último jogo no Dragão.

Apesar de alguma relutância na corte quase sempre acrítica do líder do FC Porto, Pinto da Costa não se poupou a esforços para contratar o treinador que acabara de renovar pelo Nantes até 2020, equipa que conduziu da linha da despromoção ao 7º lugar da Ligue 1. A primeira reação do presidente do clube francês, Waldemar Kita, foi de repúdio à traição de Sérgio Conceição, abordado à sua revelia por parte do FC Porto.

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Sob pena de ficar com um treinador contrariado, Kita acabou, contudo, por negociar a mudança de banco em troca, ao que tudo indica, da cedência por um ano de Chidozie e o passe a título definitivo de Kayembe, jovens promessas da equipa B. A fatura inicial era de €4,5 milhões, o equivalente a um ano de salário bruto de Sérgio Conceição, que, para treinar o clube do coração, aceitou baixar o ordenado para €1 milhão, tanto como o seu antecessor.

Como jogador, Sérgio Conceição venceu no FC Porto três campeonatos nacionais, entre os quais o tri e o tetra em 1997/98, ambos sob a liderança de António Oliveira, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. No banco, a sua melhor classificação de sempre foi ao leme do Sporting de Braga, onde conseguiu o quarto ligar na Liga e levou a equipa ao Jamor, final perdida para o Sporting nos penáltis.

O ainda magro currículo como treinador não desmotiva os seus antigos colegas de equipas dos anos dourados que antecederam o icónico penta, a começar por Domingos Paciência. Sem saber ainda se Sérgio seria o próximo treinador do FC Porto, o treinador do Belenenses confidenciou ao Expresso que ficaria contente de o ver no FC Porto: “É um amigo meu. Agora é evidente que não é uma fase fácil para qualquer treinador que vá para o clube”, adverte Domingos, admirador do perfil de Sérgio Conceição. Questionado se é o técnico ideal para o Dragão, o antigo rei dos golos das Antas jogou à cautela, referindo que “é difícil responder”, seja o Sérgio ou qualquer outro treinador, devido ao momento que o clube atravessa. “O Benfica ganhou quatro anos, o Sporting já anda aí a bater à porta, quer ganhar e também não está fácil. Ou seja, o FC Porto também tem uma missão difícil para o ano, independentemente do treinador”, explica Domingos, sem esquecer que também “é preciso é ter jogadores”.

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“Vida difícil para quem olhar para o umbigo”

Barroso, outro fã e companheiro de equipa Conceição nas épocas do tri e tetra, não tem dúvidas que é o treinador “certo para o lugar certo”, sobretudo pelo seu caráter disciplinador, “que é do que o Porto precisa”. “Com ele, acabaram-se os jogadores que gostam mais de olhar para o seu umbigo em detrimento do grupo. Na hora de descontrair é brincalhão, mas quando toca a trabalhar é empenho total”, diz o médio que se notabilizou como capitão do Braga mas que foi campeão no FC Porto.

Para Barroso, outra das virtudes de Sérgio é não olhar a nomes na hora de decidir, desvalorizando o seu feitio destemperado: “Com ele, quem gosta de ganhar e faz tudo para o conseguir, como no meu tempo, não terá problemas. Agora, se não derem tudo, vão ter vida difícil”.

Jaime Pacheco, outro dragão dos antigos, concorda com o perfil de treinador traçado para o clube, que atravessa a pior fase da era Pinto da Costa. “Tem de ser um treinador que goste do clube”, afiança, avisando sem modéstia: “Depois de mim, é o melhor treinador para o FC Porto”. Guilherme Aguiar, sócio devoto do FC Porto e comentador do programa “Dia Seguinte da SIC”, também não duvida que, se há um treinador ‘à Porto’, chama-se Sérgio Conceição.
Natural de Coimbra, Sérgio costuma dizer que ídolos só os pais, “que perdeu muito jovem, e Jesus Cristo”. Tem cinco filhos rapazes e é muito ligado à família. Chegou às Antas ainda juvenil e foi emprestado para rodar como profissional no Felgueiras, onde encontrou Jorge Jesus, o seu primeiro treinador como sénior.

Ficaram “amigos para a vida”, confessou numa entrevista ao Expresso quando treinava a Académica. O que os une? “Somos intensos, apaixonados pelo que fazemos. É uma questão de feitio, não é defeito.” Um feitio explosivo que o levou a ficar de fora do Euro de 2004 por não aceitar o banco. “Scolari viu nisso um problema e quis acabar com o incómodo. Foi injusto. Merecia o Europeu no meu país depois de 18 anos de seleções, oito na A”, afirmou então ao Expresso.

Feitio ou defeito, o lado efervescente é visto com apreensão no Dragão, após Sérgio Conceição se ter embrulhado em Braga e com José Eduardo Simões, então presidente da Académica, gritando-lhe para que este lhe pagasse o que devia do tempo em que liderava a equipa de Coimbra.

E ainda há outra história conhecida: o Braga instaurou um processo disciplinar a Sérgio Conceição por “falta de lealdade e respeito”, na sequência “de graves factos ocorridos após o jogo no Jamor”. António Salvador, o presidente dos bracarenses, falou do caráter “agressivo e conflituoso” de Conceição.

Não se põe em causa a qualidade ou o a capacidade técnica, mas a agressividade e falta de experiência são motivo de desassossego num clube em que a contestação já começou a sair à rua em forma de protestos nas bancadas, assobios e pichagens nas paredes da casa do até há pouco intocável líder do FC Porto.

No banco desde 2010, estreou-se no Standard de Liège, rumou para o Olhanense e em 2014 voltou à casa que o viu nascer para o futebol em sinal de agradecimento: a Académica. Depois seguiu-se o Braga, o Guimarães, o Nantes e agora o FC Porto. Só o tempo dirá se correrá bem ou mal ao técnico em cujo balneário apenas entra quem ele autoriza e que organiza jantares em grupo sem presença de intrusos, mesmo que sejam dirigentes.

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