Opinião

O medo do fim

O medo do fim

Ana Catarina Monteiro

Atleta de natação

A nadadora olímpica Ana Catarina Monteiro repassa a sua carreira, fala dos desafios da transição entre a caminhada desportiva e o momento do fim, das mais-valias que os atletas podem trazer à sociedade e do desejo que ainda tem, até à última prova, de participar nos Jogos Olímpicos de Paris

O final da carreira é um momento de transição, é como uma reforma antecipada depois de 10, 20 ou até 30 anos de trabalho de alta intensidade.

Felizmente, cada vez mais existem apoios para essa transição e reconhecimento externo, a nível local e nacional, de que as competências de um atleta de alta competição são mais do que meramente desportivas. Com esta crónica ou desabafo pretendo também chegar àqueles que têm o poder de reconhecer essas mais-valias e poderem por um lado aproveitá-las e por outro apoiar numa fase decisiva daqueles que levaram Portugal aos lugares mais altos e a vários cantos do mundo.

Cada atleta vive este momento de mudança, e mesmo a preparação para ele, à sua maneira. Hoje, acabo por falar um bocadinho da realidade que estou a viver, aquela que estou a sentir, na expectativa de que possa ajudar alguém que esteja a passar por um momento idêntico, da mesma forma que também me “apoio” em testemunhos de grandes nomes do nosso desporto português que deram por encerrado este capítulo, como o Emanuel Silva e o Rui Bragança. Não posso deixar de fazer referência também neste artigo àquela que para mim é provavelmente o maior exemplo de consistência, dedicação e de um acreditar sem limites, que é a Telma Monteiro, que competiu no seu último campeonato da Europa e não desistiu de lutar pelos seus sextos (!!!) Jogos Olímpicos, e que todos os dias me inspira, não propriamente pelos resultados (incríveis) que teve, mas pela forma como os atingiu.

Chegar aos Jogos Olímpicos passou de uma utopia para um sonho, de um sonho para um objetivo, e de um objetivo para uma realidade.

No extremo, podia resumir o meu percurso ao maior palco que pisei, o dos Jogos Olímpicos. Mas seria muito injusto…foram as pessoas que estiveram no meu caminho, os momentos que tive oportunidade de viver, os lugares e culturas que conheci ao longo destes quase 20 anos de competição, que me tornaram quem sou hoje.

O desafio diário foi aquilo que sempre me moveu, e por isso, nunca olhei para o meu percurso como um sacrifício. Nunca fui de me conformar e os obstáculos que existiram funcionaram como um degrau para chegar um patamar acima e estar mais próxima de cumprir os meus sonhos. É importante deixar claro que só foi possível por estar rodeada de pessoas que acreditaram e me fizeram sempre acreditar, de ter uma família e amigos que tornaram o meu sonho um bocadinho deles também.

Desde o primeiro pódio nacional, à primeira seleção nacional em 2007, aos Campeonatos da Europa, do Mundo e Jogos Olímpicos, até ao último estágio que realizei este ano com a atual campeã da Europa dos 200 mariposa, e que foi provavelmente o mais duro, mas também mais gratificante da minha carreira, guardo tantas memórias, sorrisos, abraços, mas também muitas lágrimas que fazem parte do desporto, e da vida.

Em cada momento da nossa vida deparamo-nos com lutas internas que só nós próprios podemos batalhar. Nem sempre é fácil transmiti-las, mas partilhando-as tornam-se mais simples de resolver.
Estes últimos dois anos foram provavelmente os mais duros de todo este caminho. Por um lado, o sonho de repetir a presença olímpica, por outro, o medo de o tempo estar a acabar e não haver uma outra oportunidade.

No processo de aceitação que estou a viver, percebi realmente que a marca que deixamos é muito maior do que meros resultados. Percebi que podia e devia olhar para trás com muito orgulho em tudo o que conquistei, mas acima de tudo pelo caminho que tracei e pela proximidade que mantive com todos os que me procuraram. Sempre tentei agir como gostava que agissem comigo, nunca deixei uma mensagem por responder, um sorriso ou um abraço por dar. Ter vivido 20 anos de Clube Fluvial Vilacondense, partilhado momentos com tantas gerações diferentes foi também para mim uma grande aprendizagem.

Sou realmente uma pessoa de sorte, por ter tido as pessoas certas no momento certo na minha vida, por ter tido as condições para fazer todo o meu percurso na minha cidade, no meu clube. Ainda agora, nesta fase de transição que estou a viver a sorte bateu-me à porta novamente, e eu estou a agarrá-la da melhor forma que sei, e com base em tudo que aprendi como atleta. Este novo desafio que me surgiu, de assumir um cargo de vereação na minha cidade, poder trabalhar em prol de Vila do Conde, tal como aconteceu com a Sara Moreria, mais um grande nome do nosso desporto, mostra-me que devo realmente estar orgulhosa do meu caminho, porque fi-lo sempre da forma que realmente acreditava ser a correta, e sempre com os valores que fui desenvolvendo para me tornar a pessoa que sou hoje. Estou muito grata, por ter tido alguém que acreditou em mim e fez com que o medo do excesso de horas livres que poderia ter se transformasse numa verdadeira azáfama, mas que me enche de energia e faz com que os dias pareçam maiores.

Quanto aos Jogos Olímpicos de Paris, a minha última grande meta nestes palcos, lutei e continuo a lutar até à última competição, com o mesmo compromisso de sempre, quem sabe ainda haja mais história para escrever…

O mais importante não é o destino, mas sim a viagem para lá chegar.

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