Há uma corrente de opinião que apoia a ideia de trazer árbitros estrangeiros para atuar no nosso campeonato, tendo em conta o ambiente que por cá se respira por estes dias. Percebo a boa intenção da iniciativa (totalmente legítima), mas devo dizer, com sinceridade, que não concordo.
O “problema” da arbitragem portuguesa não é diferente do problema da arbitragem espanhola, senegalesa ou peruana. E não é diferente de problemas anteriores, comentados exaustivamente época após época, década após década.
Não há dúvida que a qualidade de algumas decisões dos árbitros não tem sido a que se deseja ao mais alto nível. Não tem sido a que se espera numa competição que conta agora com o apoio da vídeo tecnologia. Mas a forma de resolver esse “problema” não é, nem pode ser, a de mandar os árbitros portugueses para casa e contratar mão de obra estrangeira para fazer o seu trabalho.
Esse erro, o de resolver tudo com pensos rápidos sem atacar a raiz do “problema”, é recorrente por cá. Uma característica muito nossa que francamente não aprecio.
É verdade que a presença de juízes de outros países nos jogos mais calientes da nossa liga retiraria pressão aos nossos e poderia até protegê-los de situações menos simpáticas, em contexto excessivo. Mas, repito, isso não é resolver, é tapar o sol com a peneira. Um mero paracetamol para anestesiar a dor imediata.
A concretizar-se, a medida passaria um gigantesco atestado de incompetência a toda a classe (não apenas a quem arbitra), o que, face ao esforço e compromisso de muitos, seria francamente desmotivador. E a desmotivação nunca alavancou coisas boas.
Mas se queremos entrar por aí, se entendermos que importar talento internacional pode melhorar a qualidade do jogo, porque não equacionar também a contratação de jogadores, treinadores, dirigentes e adeptos? Quem não gostaria de trocar meia dúzia de craques do nosso campeonato por outros lá de fora, capazes de fazer um jogo inteiro sem mergulhar para a relva, ludibriar o árbitro ou tramar o adversário? Quem não gostaria de trocar uns quantos técnicos ou diretores da nossa praça, por outros com maior serenidade, calma e fairplay em momentos de pressão? E quem não gostaria de ter um estádio repleto de adeptos que não atiram petardos, não cantam insultos nem vaiam tudo e todas, a toda a hora?
Os paliativos podem ser necessários, mas em casos excecionais. De resto serão sempre temporários. E já agora convém não esquecer uma premissa importante: produto internacional nem sempre é sinónimo de qualidade. Nem sempre é melhor do que o nacional.
Lembrem-se, por exemplo, de algumas arbitragens do último Mundial e da célebre frase que tanto se ouviu por cá na altura: “Meus ricos árbitros portugueses”. Não vão mais longe. Vejam o pontapé de penálti assinalado a favor do Manchester City no jogo da 2.ª mão da Liga dos Campeões, com o Leipzig. Lembrem-se de outros jogos, de outras arbitragens, em jogos da nossa seleção e de equipas portuguesas.
Sejamos realistas. Eles também erram. Também se enganam. Também tomam más decisões, porque têm qualidade e competência distintas. Porque têm mais ou menos experiência, mais ou menos jeito para a função. É por isso que também eles são criticados ferozmente nas suas provas nacionais.
Meus amigos, não se iludam: o “problema” nunca se resolverá assim.
Qualificar mais e melhor, sim. Preparar mais e melhor, sim. Investir forte na base, do recrutamento à retenção, com o acompanhamento devido. Ter mais quantidade para garantir mais qualidade. Profissionalizar a sério. Treinar com consistência e compromisso diários, apostando numa comunicação ponderada como arma para a credibilização e transparência. Envolver todos. Ser inclusivo. Trabalhar e mostrar trabalho.
Para estas coisas não há soluções imediatas. Mesmo as que, como esta, o pareçam, raramente o são. Não faltam exemplos de ligas que importam árbitros regularmente e que continuam com os mesmos problemas: os da casa não evoluem e os de fora não resolvem.
É preciso tempo, paciência e compromisso. Ação no momento certo. Ou isso, ou que venha de lá a morfina. O futebol saberá o que é melhor para si.