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Duarte Gomes

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

Abel é “Rei no Brasil” e um ser humano muito bom. Só precisa de saber estar quando o momento aperta

Duarte Gomes elogia o treinador português que é bicampeão da Copa Libertadores, que descreve como “um craque”, mas ressalva que Abel “não pode ter mais cartões no currículo do que todos os jogadores do plantel” do Palmeiras que hoje treina, nem “ter mais cartões no currículo do que todos os outros treinadores do Brasileirão”

Duarte Gomes

MB Media

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Abel Ferreira é um treinador de sucesso com provas dadas em Portugal e, sobretudo, lá fora. É um craque no que faz e isso não se mede por um ou dois resultados felizes, por uma ou duas boas exibições. Mede-se pela consistência com que eles acontecem, pela consistência com que elas surgem.

O Abel é “Rei no Brasil” e merece porque, em termos profissionais, tem arrasado com toda a concorrência, sem dó nem piedade.

Desde que chegou ao seu Palmeiras que o técnico português soma títulos, prestígio e elogios (também críticas dos mais incomodados) pela forma como ganha, sobretudo sabendo que concorre com plantéis com mais história, adeptos e dinheiro. Parece fácil, mas não é. O sucesso dá muito trabalho e, no Brasil, nem se fala.

Enquanto ser humano, a ideia que tenho do Abel não podia ser melhor. É um ser humano muito bom. Tem caráter, personalidade e humildade. E é um excelente chefe de família, disso não duvido.

Recordo um episódio longínquo em que pediu-me autorização para entrar no balneário dos árbitros em Alvalade - logo após um jogo (na altura era jogador do Sporting) - para cumprimentar-nos, em particular a um dos meus colegas de equipa, de quem era amigo e conterrâneo.

Falámos durante uns minutos valentes, rimos muito, especulámos sobre o futuro, mas nunca, nem por um segundo, se falou sobre o jogo. Sobre aqueles noventa minutos que tinham terminado pouco antes. Registei aí a sua dimensão. Homem de valor.

O Abel de hoje já é enorme, mas pode ser gigante.

Só precisa de ter maior controlo emocional quando está sob pressão. Só precisa de saber estar quando o momento aperta, quando as coisas não correm como quer. Sei que ele é inteligente o suficiente para saber disso e já ter feito essa autocrítica.

Tenho a certeza que o Abel não me levará a mal por o escrever. Faço-o na esperança ténue que leia esta crónica, porque queria mesmo muito que conseguisse dar esse pequeno grande salto rumo à excelência.

Um treinador de topo, que é um vencedor nato, um campeão a todos os níveis... deve ser sempre superior às variáveis que não controla. Às inerências do jogo. Um treinador de topo deve ser sempre (na reação e postura) maior do que tudo o que o rodeia.

Ricardo Moreira/Getty

O Abel nem sempre é. Ainda. No dia que conseguir dominar os seus impulsos mais básicos, será inatingível. Enquanto não o fizer, estará apenas a dar lenha aos muitos que o querem ver a arder na enorme fogueira que é o mundo da bola.

Não faz sentido, Abel. Não é emocionalmente inteligente. Não se justifica em alguém do “teu” quilate profissional e humano.

Um craque como “tu” não pode ter mais cartões no currículo do que todos os jogadores do plantel (32 em 139 jogos, contra 24 de Zé Rafael e 21 de Gustavo Gómez). Não pode ter mais cartões no currículo do que todos os outros treinadores do Brasileirão (média de 0.23 por jogo, superior aos 0.18 de Maurício Barbieri, o segundo menos disciplinado).

E não pode porque a imagem que isso passa para o exterior é péssima e fere de morte tudo aquilo que “tentas” construir, com tanto trabalho, com tanto esforço e sacrifício. Esse carimbo que estão a “colar-te” passa para fora a ideia que “és” desnorteado, descontrolado e “tu” és tudo menos isso. Se “te” conhecessem, saberiam.

Neste momento o único obstáculo que o Abel enfrenta para ser um monstro no que faz... chama-se Abel.

Gostava muito que a esposa lhe vendesse todos os carros de coleção e também a trotineta, a bicicleta, o skate e os patins, se necessário. Se for esse incentivo que “precisas”, que venham os transportes públicos para o treino, que ninguém leva a mal.

Prometo que vou estar aqui, a elogiar-te e aplaudir-te, no dia que passares esta etapa. Vamos a eles.