Abel Ferreira é um treinador de sucesso com provas dadas em Portugal e, sobretudo, lá fora. É um craque no que faz e isso não se mede por um ou dois resultados felizes, por uma ou duas boas exibições. Mede-se pela consistência com que eles acontecem, pela consistência com que elas surgem.
O Abel é “Rei no Brasil” e merece porque, em termos profissionais, tem arrasado com toda a concorrência, sem dó nem piedade.
Enquanto ser humano, a ideia que tenho do Abel não podia ser melhor. É um ser humano muito bom. Tem caráter, personalidade e humildade. E é um excelente chefe de família, disso não duvido.
Recordo um episódio longínquo em que pediu-me autorização para entrar no balneário dos árbitros em Alvalade - logo após um jogo (na altura era jogador do Sporting) - para cumprimentar-nos, em particular a um dos meus colegas de equipa, de quem era amigo e conterrâneo.
Falámos durante uns minutos valentes, rimos muito, especulámos sobre o futuro, mas nunca, nem por um segundo, se falou sobre o jogo. Sobre aqueles noventa minutos que tinham terminado pouco antes. Registei aí a sua dimensão. Homem de valor.
O Abel de hoje já é enorme, mas pode ser gigante.
Só precisa de ter maior controlo emocional quando está sob pressão. Só precisa de saber estar quando o momento aperta, quando as coisas não correm como quer. Sei que ele é inteligente o suficiente para saber disso e já ter feito essa autocrítica.
Tenho a certeza que o Abel não me levará a mal por o escrever. Faço-o na esperança ténue que leia esta crónica, porque queria mesmo muito que conseguisse dar esse pequeno grande salto rumo à excelência.
Um treinador de topo, que é um vencedor nato, um campeão a todos os níveis... deve ser sempre superior às variáveis que não controla. Às inerências do jogo. Um treinador de topo deve ser sempre (na reação e postura) maior do que tudo o que o rodeia.

Ricardo Moreira/Getty
O Abel nem sempre é. Ainda. No dia que conseguir dominar os seus impulsos mais básicos, será inatingível. Enquanto não o fizer, estará apenas a dar lenha aos muitos que o querem ver a arder na enorme fogueira que é o mundo da bola.
Não faz sentido, Abel. Não é emocionalmente inteligente. Não se justifica em alguém do “teu” quilate profissional e humano.
Um craque como “tu” não pode ter mais cartões no currículo do que todos os jogadores do plantel (32 em 139 jogos, contra 24 de Zé Rafael e 21 de Gustavo Gómez). Não pode ter mais cartões no currículo do que todos os outros treinadores do Brasileirão (média de 0.23 por jogo, superior aos 0.18 de Maurício Barbieri, o segundo menos disciplinado).
E não pode porque a imagem que isso passa para o exterior é péssima e fere de morte tudo aquilo que “tentas” construir, com tanto trabalho, com tanto esforço e sacrifício. Esse carimbo que estão a “colar-te” passa para fora a ideia que “és” desnorteado, descontrolado e “tu” és tudo menos isso. Se “te” conhecessem, saberiam.
Neste momento o único obstáculo que o Abel enfrenta para ser um monstro no que faz... chama-se Abel.
Gostava muito que a esposa lhe vendesse todos os carros de coleção e também a trotineta, a bicicleta, o skate e os patins, se necessário. Se for esse incentivo que “precisas”, que venham os transportes públicos para o treino, que ninguém leva a mal.
Prometo que vou estar aqui, a elogiar-te e aplaudir-te, no dia que passares esta etapa. Vamos a eles.