Sporting-Braga e Farense-FC Porto: o que têm em comum estas infrações? (Duarte Gomes responde)
O ex-árbitro Duarte Gomes explica os lances entre Al Musrati e Palhinha, no Sporting-Braga, e entre Cassio e Marega, no Farense-FC Porto
Ex-árbitro de futebol
O ex-árbitro Duarte Gomes explica os lances entre Al Musrati e Palhinha, no Sporting-Braga, e entre Cassio e Marega, no Farense-FC Porto
Al Musrati e Palhinha.
Cassio Scheid e Marega.
O que têm em comum as eventuais infrações cometidas pelos primeiros sobre os segundos (final da Taça da Liga e Farense/FC Porto, respetivamente)?
Como repararam os dois lances foram de natureza técnica semelhante. Em comum tiveram:
1. O facto do jogador tocar primeiro na bola e só depois no opositor;
2. O ponto de contacto com o adversário (pé no corpo) dar-se numa zona mais acima (tronco/costas).
Diferenças:
1. O primeiro foi assinalado como irregular. Da falta, antes do meio-campo, nasceu o golo que definiu o resultado e a conquista de um troféu.
2. O segundo foi interpretado como legal. O lance ocorreu dentro da área de penálti do SC Farense.
Dito isto, fica a explicação sobre como devem ser analisados este tipo de lances.
Importa referir desde logo que as leis de jogo não detalham ao pormenor estas situações. Ou seja, não há nada escrito que diga como e quando se deve punir a ação em que um jogador toca primeiro na bola e só depois no adversário.
Quer isto dizer que muito do saber deriva das recomendações que são emanadas e, sobretudo, da forma lógica como devem ser analisados um a um. Isso pressupõe usar todos os sentidos ao serviço da decisão e levantar, para nós próprios, a questão que preside ao bom senso: "Que tipo de decisão é que o futebol espera neste lance"?
Indo à parte técnica em si, julgo estarmos todos de acordo se afirmarmos que é legal todo e qualquer contacto (posterior ao toque na bola) que seja totalmente inevitável. Certo?
Ou seja, quando um jogador aborda o lance de modo próprio (isto é importante: com a intensidade e velocidade que ele exige) e, depois de jogar a bola, colide/toca no adversário que também a tentou disputar... tudo correto. Tudo regular.
Acontece com frequência.
Mas quando a abordagem leva "intensidade a mais", quando há velocidade/força acima do exigível ou quando a entrada em si roça o imprudente (mostra falta de cuidado ou não considera as consequências), o choque/toque seguinte é "de risco para quem arrisca". Se assim for, o mais certo é ser percecionado como faltoso.
Além deste fator - o relativo à forma de abordar a jogada - outro dos factores é avaliar o que chamamos de "movimento extra", ou seja, perceber qual foi o local do contacto no corpo do adversário.
Se, por exemplo, um jogador que toca a bola em carrinho rente ao solo acerta depois numa zona alta do opositor (perna, peito, etc) está claramente a cometer falta. Pressupõe-se que o gesto posterior foi desnecessário e podia ser evitado.
Nota ainda para a questão dos pés: se eu, defesa, toco na bola com o pé direito e com o esquerdo derrubo o meu adversário, muito provavelmente estou a infringir. Porquê? Porque esse não é o seguimento normal e expetável para quem toca antes na bola.
Há ainda a questão do "benefício", que pode ajudar a distinguir legal de ilegal: quando o toque posterior no adversário não traz qualquer vantagem desportiva (a bola sai do campo, por exemplo) é uma coisa; se, por outro lado, esse contacto derrubar o adversário que até ficava em situação muito vantajosa, pode ser outra.
Como vêem, não há aqui verdades absolutas, mas há ferramentas que ajudam a decidir e mais, há a sensatez, que nos deve fazer olhar para um lance e intuir se ele é ou não legal.
NOTA - Al Musrati e Cassio Scheid fizeram mesmo falta. Indiscutivelmente. Percebem agora porquê?
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