Há dias, em conversa online, um dos membros desta nossa/vossa casa, falava de “deserto, pubs e xadrez”, assim seguido, que parece uma tríade pouco comum, mas era o que naquele momento dominava a página de abertura da Tribuna Expresso. Quem se queixa que a semana entre o Natal e o final do ano é uma espécie de vazio cósmico não podia estar mais errado: há os primeiros roncos da preparação do Dakar, o absolutamente louco Mundial de dardos entra na fase decisiva e este ano jogou-se também o Mundial de rápidas e relâmpago de xadrez, com final no derradeiro dia de 2024.
O fim de ano coaduna-se mais com a festa e os figurões do povo que marcham no Alexandra Palace de Londres para disputar, nadando dentro de muita cerveja, o Mundial de dardos - este ano com vencedor adolescente e amante de fast food -, mas não consigo deixar de pensar em Magnus Carlsen. Ou em xadrez. Que tenha escrito primeiro o nome do campeão norueguês antes da modalidade que pratica não foi por acaso.
Não se pode dizer que o xadrez seja uma modalidade mainstream. Mas é mais popular do que nunca. E muito se deve a Magnus Carlsen. Em tempos idos, o xadrez era mais sinónimo de metáforas para lutas geopolíticas, de gente engravatada horas a fio em frente a um tabuleiro, campeões austeros, alguns talvez um pouco loucos, mas sempre cinzentos. Magnus Carlsen baralhou essas contas. Ninguém estaria à espera que o melhor jogador de xadrez a dado momento da história (em termos de rating, o melhor de sempre) fosse um adepto fervoroso do Real Madrid (já deu até o pontapé de saída de um jogo dos merengues), que fizesse campanhas fotográficas para marcas de roupa, aparecesse num episódio dos “Simpsons” ou tivesse tido um convite para participar num filme de J.J. Abrams (não concretizado apenas por motivos burocráticos), isto enquanto enverga uma cabeleira indomável por qualquer pente. Mas assim é Magnus Carlsen. E o xadrez tornou-se sexy again (ou pela primeira vez) muito por causa dele.
Mas quando é que uma criatura se torna mais poderosa que o seu criador? E isso é necessariamente bom? Na última semana do ano, o xadrez foi notícia por duas razões. Primeiro, Magnus Carlsen levou a mal que a organização do Mundial não o deixasse jogar de calças de ganga e por isso abandonou a competição de rápidas. De facto, 2024 já não é exatamente tempo para se insistir em códigos de vestimenta rígidos, nem mesmo no tradicional xadrez. Por outro lado, Carlsen sabia as regras antes de entrar em jogo, conhece-as há anos e anos, aliás, e só se queixou depois.
Mas, reconhecendo o mofo da regra (e, inconscientemente, o medo de perder o seu porquinho mealheiro), a FIDE, federação internacional de xadrez, mudou-a, fazendo a vontade ao grande mestre, que voltou para a competição de blitz.
E então vamos para a razão número 2. A final do Mundial de blitz encontrava-se num impasse, com Magnus Carlsen e Ian Nepomniachtchi empatados. O norueguês, superestrela de um desporto pouco habituado a gente tão colorida, considerado um dos homens mais sexy do mundo pela revista “Cosmopolitan” em 2013, propôs que o título fosse repartido. Estava cansado e não queria jogar mais, disse. A FIDE, mais uma vez, anuiu à vontade do seu jogador-bandeira, mesmo que os regulamentos possibilitem outras formas de deslindar um vencedor.
Pareceu altruísta por parte de alguém a quem não faltam recordes, mas é bem capaz de ter sido só uma jogada de poder. Afinal de contas, quem manda mais: o xadrezista ou a instituição que gere o xadrez?
A reflexão serve para o xadrez como para qualquer outro desporto. Ou instituição. Ou empresa. Carlsen, que colocou milhares de pessoas a jogar xadrez, que investiu somas consideráveis em aplicações online que espalharam a modalidade pelo mundo durante a pandemia e que tem um mérito incomensurável por isso, também usa o desporto para as suas birras pessoais, como acusar sem provas um adversário de batota (uma guerra que deverá, em breve, resultar num filme produzido por Emma Stone), recusar-se a disputar o título mundial a não ser contra determinados adversários e, agora, desviar a atenção da competição para os seus pequenos braços de ferro.
Certo é que, no final de 2024 e inícios de 2025, falou-se de xadrez. Mas falou-se mesmo de xadrez? O que seria se tal acontecesse com outros desportos mais populares? Se Novak Djokovic decidisse que não queria jogar mais de branco em Wimbledon? Pode acontecer, um dia, quem sabe. Pelo sim, pelo não, mais vale nenhum desporto estar nas mãos de apenas um alguém.
O que se passou
O Benfica voltou a perder, Sporting e Vitória protagonizaram o jogo mais eletrizante da temporada. E o FC Porto não jogou porque, surprise, surprise, houve nevoeiro na Choupana.
A vida de Sérgio Conceição numa semana: apresentado como novo treinador do AC Milan na 2.ª feira passada, vitória sobre a Juventus na 6.ª feira e possível primeiro título esta 2.ª feira, na Supertaça italiana, frente ao Inter.
Depois de vencer o Brasileirão e a Taça Libertadores com o Botafogo, Artur Jorge vai para ganhar a vida para o Catar.
Zona mista
É embaraçoso ser treinador do Manchester United e perder tantos jogos
Com um início de caminhada no United traumático, não resta muito mais a Ruben Amorim do que trabalho e honestidade e brutalmente honesto foi o treinador português depois da terceira derrota consecutiva na Premier League. Este fim de semana, o empate com o Liverpool já mostrou uns red devils menos amorfos, mas ainda há um ror de transformações a fazer em Old Trafford.
O que aí vem
Segunda-feira, 6
⚽ Gil Vicente e Rio Ave fecham a jornada da I Liga (20h15, Sport TV1)
⚽ Sérgio Conceição pode ganhar o primeiro título no AC Milan, que joga a Supertaça de Itália frente ao Inter (19h, Sport TV2)
⚽ Duelo português na Premier League: Wolverhampton-Nottingham Forest (20h, DAZN1)
🎾 ATP 250 Auckland, com Nuno Borges (22h30, Sport TV2)
Terça-feira, 7
⚽ Joga-se a 1.ª meia-final da Taça da Liga: Sporting-FC Porto (19h45, SIC)
🎾 ATP 250 Adelaide (8h, Sport TV7) e WTA Adelaide (9h30, DAZN)
🏀 NBA: Dallas Mavericks-LA Lakers (0h30, Sport TV1)
Quarta-feira, 8
⚽ Do Benfica-SC Braga sai o segundo finalista da Taça da Liga (19h45, Sport TV1)
⚽ Taça da Liga inglesa: Tottenham-Liverpool, 1.ª mão das meias-finais (20h, Sport TV2)
🏀 NBA: Cleveland Cavaliers-Oklahoma City Thunder (0h, Sport TV1)
Quinta-feira, 9
⚽ Taça de Inglaterra: Fulham-Watford (19h45, Sport TV2)
🏀 NBA: Indiana Pacers-Golden States (0h, Sport TV1)
Sexta-feira, 10
⚽ Liga BPI: Torreense-Benfica (19h, 11)
⚽ Bundesliga: Borussia Dortmund-Bayer Leverkusen (19h30, DAZN1)
Sábado, 11
⚽ Final da Taça da Liga (19h45, SIC)
⚽ Liga BPI: Estoril-Sporting (15h, 11)
⚽ Na Taça de Inglaterra veja o Manchester City-Salford City (17h45, Sport TV2) e em Itália Conceição estreia-se na Serie A, no AC Milan-Cagliari (19h45, Sport TV3)
🎾 ATP 250 Adelaide (7h30, Sport TV4)
🏀 NBA: Phoenix Suns-Utah Jazz (22h, Sport TV2)
Domingo, 12
⚽ Taça de Portugal, oitavos de final: O Elvas-Vitória (14h, Sport TV1), Casa Pia-Rio Ave (16h45, 11) e Gil Vicente-Moreirense (19h45, 11)
⚽ Taça de Inglaterra: Arsenal-Manchester United (15h, Sport TV2)
🏀 NBA: Dallas Mavericks-Denver Nuggets (20h, Sport TV7) e Boston Celtics-New Orleans Pelicans (23h, Sport TV1)
Hoje deu-nos para isto
Os recentes sucessos do desporto português colocaram nas mãos dos cidadãos nacionais um dever e uma responsabilidade. Convém não passar incólume por este 2025, refastelando-se no sofá em scrolls tão infinitos quanto improdutivos (nefastos, arrisco eu), não acompanhando o que os nossos atletas vão fazendo por esses estádios, estradas, pistas e piscinas fora e só criticando ou festejando no final.
Não senhor, é preciso ver, sofrer, seguir.
E por isso mesmo a Tribuna Expresso até trabalhou numa cábula simples para não falhar nada neste ano. Até tentámos fazer alguma futurologia, sempre perigosa, mas o importante é mesmo viver. Começamos logo o ano com Mundial de andebol, haverá Europeus de ciclismo de pista pouco depois e a primavera trará as primeiras pedaladas de João Almeida na estrada.
Haverá Nuno Borges a tentar tornar-se no melhor português de sempre no ranking do ténis, a miudagem nacional a lutar por um primeiro título europeu sub-21 no futebol e as nossas futebolistas a conseguirem, quem sabe, pela primeira vez ultrapassar uma fase de grupos numa grande competição. Com o tempo quente virão os Mundial de natação e as braçadas de Diogo Ribeiro, os Mundiais de atletismo com tantas possíveis glórias.
Não está nada mau enquanto cardápio. Agora é fazer a nossa parte.
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