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Mundial 2022

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Carlos Mac Allister, pai de Alexis: “Ele valorizará mais ter jogado com Messi no futuro, tal como eu só hoje meço o que foi jogar com Diego”

Com três filhos e um irmão futebolistas, e tendo fundado um clube, a bola é parte da identidade de Carlos Mac Allister, descendente de irlandeses que foram viver para a Argentina. Depois de ter experimentado jogar com “a parabólica que te protegia de tudo” que era Diego Maradona, o antigo internacional assume, em entrevista à Tribuna Expresso, a emoção de ver o filho Alexis ser titular e protagonista do Mundial ao lado de outro génio com a diez vestida

Pedro Barata

JUAN MABROMATA/Getty

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Era a segunda das cinco finais que a Argentina disputou para chegar à final com a França. Contra a Polónia, o 0-0 permanecia depois do intervalo, após Szczesny ter negado o golo a Messi, defendendo um penálti. Enquanto a igualdade se arrastasse, a equipa de Scaloni viveria sempre à beira de um ataque de nervos.

Até que Nahuel Molina subiu pela direita e cruzou atrasado, para a zona onde dói aos defesas que vão na direção da sua própria baliza e se têm de virar. A assistência encontrou Alexis Mac Allister, que marcou o golo que encaminhou a passagem da Argentina.

O grito de festejo que se ouviu de Doha a Buenos Aires teve eco especial na província de La Pampa, já que o autor do golo é o primeiro pampeano a disputar um Mundial. E provocou, também, lágrimas de emoção a escorrerem na cara de um espetador especial.

Carlos Mac Allister, antigo jogador da seleção argentina, do Argentino Juniors, do Boca ou do Racing, estava na bancada acompanhado dos seus outros dois filhos, Francis — futebolista do Rosario Central — e Kevin —defesa do Argentino Juniors. Após o golo do mais novo, “custou aguentar as lágrimas”, algo que “tem sido recorrente ao longo do último mês”, conta o papá Carlos, ao telefone em Doha, à Tribuna Expresso.

Carlos, de 54 anos, relata que viver ao vivo a aventura do filho entre a elite do futebol tem sido “extraordinário”, uma experiência “diferente” da que teve enquanto jogador. “Custou-me desfrutar os momentos da minha carreira, porque estás sempre a pensar no que tens de fazer. Agora, com outra idade, sei que temos de desfrutar dos momentos lindos da vida. Este Mundial, o nível do Alexis e o que a Argentina está a fazer tem-me gerado enorme alegria”, diz.

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JUAN MABROMATA

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Marvin Ibo Guengoer - GES Sportf

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GIUSEPPE CACACE

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GLYN KIRK

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GLYN KIRK

“Nesta família o futebol é uma paixão, crescemos à volta da bola, amando o jogo.”

A frase dita por Carlos poderia ser um lema gravado no brasão da família Mac Allister. E justifica-se olhando à realidade do percurso de vários elementos do clã.

Ora vejamos: Carlos Mac Allister foi profissional, com toda uma carreira na primeira divisão argentina e presença na seleção; Patricio, irmão de Carlos, jogou também na máxima categoria da Argentina, no Japão e no México; o filho de Patricio, e sobrinho de Carlos, compete na liga da Malásia; o outro filho de Patricio é treinador; os três filhos de Carlos são profissionais, Alexis no Brighton, Francis no Rosario Central, Kevin no Argentino Juniors.

Para completar a dinastia Mac Allister, há um clube, o Deportivo Mac Allister. Localizado a cinco quilómetros do centro da cidade de Santa Rosa, na La Pampa, centra-se na “formação e promoção de futebolistas para que depois possam dar o salto a profissionais”, diz-nos Carlos, que fundou o emblema em 1998, juntamente com o irmão.

Entre tanto Mac Allister metido no meio da bola argentina, é legítimo questionar o porquê do nome. “É irlandês, a nossa família veio da Irlanda”, assegura Carlos. Segundo o “Irish Post”, a história remete para uma mudança do clã da Irlanda para a Argentina na década de 1830.

De Maradona a Messi

Um dia, antes da consolidação plena da internet, Carlos disse aos filhos que marcara, em tempos, um golo ao Real Madrid. Os jovens não acreditaram e até brincaram com o progenitor.

Até que, durante um momento de convívio familiar dos Mac Allister, alguém estava a fazer zapping na televisão. A certa altura da mudança de canais, passa no ecrã um encontro “que era familiar” ao papá Carlos. “Que ninguém mexa no comando”, ordenou então. Era o tal Boca Juniors - Real Madrid de 1994.

E todos viram “a prova do delito”, relembra Carlos. A jogada começou na direita e veio parar à zurda do argentino, que marcou o golo ao Real Madrid. Anos depois, os filhos comprovaram não ser invenção.

Carlos Mac Allister e Maradona num treino do Boca Juniors

Carlos Mac Allister e Maradona num treino do Boca Juniors

KIM JAE-HWAN/Getty

Meses antes do feito cuja veracidade gerou desconfiança nos filhos, Mac Allister somou as duas internacionalizações em encontros oficiais que tem pela seleção. Foi no play-off intercontinental que a Argentina teve de disputar contra a Austrália para estar no Mundial 1994.

A eliminatória em que Diego Armando Maradona voltou à seleção.

Sendo um adolescente quando o diez já encantava o mundo, o progenitor Mac Allister tinha em Diego um ídolo. Ora, naqueles dois encontros aconteceu algo que voltaria a suceder nos anos seguintes no Boca: ter o herói como companheiro.

O processo, diz-nos do outro lado da chamada, será “semelhante ao que muitos dos chicos da atual seleção fizeram com Messi”. “Os que têm 20 e poucos anos, como o Alexis [tem 23], eram muito novos quando Messi já era Messi, é normal que fosse uma referência para eles”.

Transformar o ídolo em colega “tem der ser natural”, assegura Carlos. Ainda assim, o “assombro” de atuar ao lado de Maradona esteve sempre presente.

“Jogar com Diego era como jogar com uma parabólica que te protegia de tudo. Quando a coisa se complicava, davas-lhe a bola, quando havia problemas, olhavas para ele. Era um líder que levava a equipa para a frente”, define.

Carlos Mac Allister ajudou a Argentina a superar a eliminatória com a Austrália, no embate em que os focos estavam tanto em Maradona que acabaram por entrar na intimidade do seu colega de origem irlandesa.

No encontro disputado em 1993, na Oceânia, as câmaras, depois do jogo, foram ao balneário da Argentina em busca de Diego. A porta estava aberta e na transmissão, emitida para 39 países, apareceu Mac Allister nu, como viera ao mundo.

“Foi um erro da televisão argentina. Não é bonito aparecer nu para tanta gente, mas foi algo que sucedeu e pronto, foi meio-anedótico”, brinca Carlos.

A Argentina antes de um dos jogos do play-off de 1993 contra a Austrália. Na ponta direita, em baixo, está Carlos Mac Allister, com Maradona de pé

A Argentina antes de um dos jogos do play-off de 1993 contra a Austrália. Na ponta direita, em baixo, está Carlos Mac Allister, com Maradona de pé

Mike Hewitt

Apesar de ter sido titular no play-off que abriu as portas de 1994 à Argentina, Carlos Mac Allister ficou de fora do Mundial, uma “tristeza”, confessa, ainda que “agora olhe para trás e valorize ter tido a oportunidade de vestir aquela camisola e jogar com os melhores”.

Vinte e oito anos depois, o filho está a ter a oportunidade que o pai nunca teve. Alexis, homem em destaque no sedutor Brighton que foi de Graham Potter e agora é de Roberto De Zerbi, tem 13 internacionalizações. Cinco já no Catar, sendo um dos últimos futebolistas que ganhou a confiança nesta era Scaloni.

Depois de não ter sido utilizado na derrota contra a Arábia Saudita, Alexis não mais saiu do onze. O pai descreve-o como alguém que “entende o futebol” e “toma as decisões corretas”, com “bom passe e muito boa meia distância” quando pretende rematar à baliza. “É um jogador polivalente, diferente, que pode atuar em qualquer zona do meio-campo", realça.

Fazendo tabelas com Messi, como antes o pai fizera com Maradona, Alexis só vai, diz o pai, entender a dimensão do vivido agora com o passar do tempo: “Ele valorizará muito mais ter jogado com Messi no futuro, tal como eu só hoje meço o que foi jogar com Diego. Por muito que o que sinta agora seja infinitamente gratificante, só o medes bem dentro de uns anos”.

Markus Gilliar - GES Sportfoto/Getty

O Mundial 2022 é o primeiro desde a morte do pelusa, em 2020. Um Mundial sem Maradona era algo distante na memória, fosse qual fosse a versão de Diego, o génio da multiplicação da personalidade: o jogador de 1982, 86, 90 e 94, o adolescente destroçado por não ter sido convocado em 78, o toxicodependente em estados decadentes em 98 e 2002, o comentador de televisão em 2006, 2014 e 2018, o selecionador em 2010.

Carlos Mac Allister conviveu com Maradona quando este já não era o rei do futebol, longe dos tempos do Nápoles ou de 1986. O Diego que o argentino mais irlandês conheceu foi o das suspensões, do cabelo pintado de dourado, do Ferrari dentro do campo de treinos.

Mas Mac Allister relembra que a espiral de auto-destruição de Maradona foi isso mesmo: auto-destruição. O diez “só fez mal a ele próprio, nunca aos demais”, insiste quem descreve Diego como “um colega de equipa fantástico”.

Maradona, com a icónica lista dourada no cabelo, e Mac Allister (cortado na imagem, à esquerda) num amigável que o Boca disputou em Seul

Maradona, com a icónica lista dourada no cabelo, e Mac Allister (cortado na imagem, à esquerda) num amigável que o Boca disputou em Seul

Horacio Villalobos/Getty

O último Mundial de Messi e o primeiro depois de Maradona tem sido marcado por cânticos que garantem que, misticamente, Diego está no céu a apoiar Lionel. Sendo argentino, Mac Allister bebeu da poção da filosofia em pequeno como todos os compatriotas bebeu e explica que “Maradona foi-se fisicamente do mundo”, mas “estará sempre presente em todos os futboleros do planeta”.

No Catar, Leo tem deixado imagens icónicas, de paixão e liderança que fazem lembrar o outro número 10. É o Messi, este último Messi, o mais Maradoniano? “É uma boa definição. Mas Messi é Messi e as comparações com distintas épocas nunca são boas, as circunstâncias são diferentes, ainda que entenda essa ideia”, comenta um prudente progenitor de um finalista do Mundial.

Carlos Mac Allister passou os últimos dias em Doha sem Francis nem Kevin, os outros dois filhos. Ambos tiveram de regressar à Argentina para treinarem com os respetivos clubes, mas estarão de regresso para a final com um objetivo: que o “primeiro pampeano a jogar um Mundial seja, também, o primeiro campeão”, sonha o pai.

Tem o Mundial 2022 protagonizado pelo filho um toque de quase vingança para o papá que não jogou o Mundial 1994? É bem mais profundo que isso, conta-nos Carlos Mac Allister.

“Desfruta-se mais sendo pai de um jogador da seleção do que jogando na seleção. Não há nada más lindo do que ver um filho crescer e chegar onde sonhou, es hermoso. Quando os filhos fazem algo, nesse algo estamos também os pais, sejam êxitos ou fracassos. Sinto-me parte de tudo o que o Alexis faz”.

No domingo, já ladeado por dois filhos enquanto vê o outro em campo, mais lágrimas prometem escorrer a face de Carlos Mac Allister.

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