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Mundial 2022

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Bruno Fernandes e o grito de frustração de criar, assumir e bater na parede

Na história de atacar sem prémio que foi a derrota de Portugal contra Marrocos, o médio criou ou finalizou vários dos lances de maior perigo da seleção, sendo, juntamente com João Félix, o grande foco de desequilíbrio de uma equipa que quase sempre esbarrou contra a defesa adversária. A Tribuna Expresso escolhe Bruno Fernandes como o melhor em campo contra Marrocos

Pedro Barata

Tiago Pereira Santos

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Ao minuto 64 do embate contra Marrocos já Portugal era uma equipa a jogar frente a 11 adversários e um cronómetro. Os ponteiros, sem respeito pelas cores nacionais, pareciam correr, os minutos encolhiam-se e não possuíam 60 segundos, algum pacto teriam os africanos do Norte feito com os relógios no Catar.

Nessa ocasião, Bernardo Silva encontrou Bruno Fernandes na entrada da área, na zona onde, quando um executante como o número 8 da seleção tem a bola, os adeptos se levantam e se unem num grito de “chuta” que é, simultaneamente, ordem e desejo de glória. E Bruno disparou. O míssil saiu a roçar a barra de Bono, o guardião que neste Mundial parece estar de romance com as balizas que defende.

A reação do futebolista do Manchester United, agarrando a camisola e lamentando-se aos céus, foi a imagem da frustração nacional. Ainda faltava muito tempo, mas os centímetros que separaram Bruno do golo seriam o obstáculo que Portugal nunca conseguiu contrariar. A aventura catarense estava terminada.

Desde a primeira parte que o centrocampista que ama o risco se empenhara a liderar as ofensivas da equipa. Aos 5', um livre de Bruno colocou a bola na cabeça de João Félix, cujo remate foi travado por Bono. Começava a forjar-se a melhor parceria do jogo português.

Num Mundial de altos e baixos para Portugal, Bruno e João, não há muito tempo referências nos dois lados da Segunda Circular, foram provavelmente as melhores notícias da seleção. Contra Marrocos, a seleção passou muito tempo a atacar sem consequências, mas os homens de desequilíbrio foram quase exclusivamente protagonizados pelo 8 e pelo 11.

Patrick Smith - FIFA/Getty

Félix voltaria a tentar mais três finalizações, mas a falta de pontaria ou a classe de Bono evitaram o festejo. Nas bancadas, Deco assista à exibição portuguesa, talvez com vontade de oferecer por telepatia a magia que tinha nas botas a quem estava no relvado.

Quando Marrocos fez o 1-0, a primeira reação foi de Bruno Fernandes. Em cima do intervalo, um remate com toques de Van Basten esbarrou na barra.

No segundo tempo, o homem que nasceu há 28 anos na Maia foi um dos que mais assumiu, ainda que sem prémio. Tocou 88 vezes na bola, número só superado pelos centrais e por Bernardo Silva, que participaram muito mais no início da construção. Acertou 50 passes em 58, com um 86% de acerto que é relevante no contexto de um jogador que joga no risco, na procura da baliza rival, que tem atração por tentar o golo ou a assistência.

Com o passar dos minutos, a precipitação foi-se apoderando do jogar português, cada vez com menos critério. Ainda assim, Bruno esteve na jogada em que Otávio centrou para Ramos cabecear ao lado e, aos 68', cruzou de trivela para Ronaldo, mas o capitão não chegou à bola.

A lesão de Dalot levou Fernandes, o jogador que todos dizem que dará treinador, a terminar a partida como uma espécie de lateral direito. O desfecho do embate foi quase sempre marcado por bolas despejadas sem êxito na área, mas, mesmo nesse contexto, o maior momento de lucidez foi do homem do United.

Aos 91', Bruno centrou a sua posição e levantou a cabeça. Em vez de bombear a bola, viu a desmarcação de Ronaldo — aqueles movimentos que nos trazem a nostalgia de quando ver Cristiano fugir nas costas da defesa era um prólogo de golo — e serviu o capitão com um passe a rasgar. O avançado rematou, mas Bono defendeu.

Portugal caiu com Marrocos muito pela falta de criatividade e soluções ofensivas evidenciadas durante o muito tempo em desvantagem, sendo possível traçar paralelismos com os desaires de 2018, contra o Uruguai, e de 2021, contra a Bélgica. Mas Bruno, que teve no Catar o seu melhor torneio pela seleção, confirma-se como nome forte para o futuro de uma geração que, pelo talento que junta, terá de aspirar a melhores resultados do que os do passado recente.