Perfil

Mundial 2022

Mundial 2022

Mundial 2022

“Vamos com ele até à morte": Walid Regragui, o treinador que reconstruiu emocionalmente a seleção de Marrocos

Já o comparam tanto a Mourinho como a Guardiola. Em apenas três meses, Walid Regragui conseguiu devolver a serenidade e o patriotismo à seleção de Marrocos. Foi assim que os jogadores chegaram ao Mundial do Catar, onde ainda não pararam de surpreender: eliminaram a Espanha e estão nos quartos de final

Rita Meireles

Catherine Ivill

Partilhar

As grandes emoções do Mundial começaram três meses antes para a seleção e adeptos de Marrocos. Depois de alguns conflitos, a Federação Marroquina de Futebol decidiu fazer alterações no banco da equipa. Em março, o treinador Vahid Halilhodzic tinha conseguido qualificar a seleção para o Campeonato do Mundo de 2022 pela quinta vez na história do torneio, mas no final de agosto foi anunciado o seu despedimento.

Pela terceira vez, o técnico ficou sem liderar a equipa que tinha conseguido guiar até ao Campeonato do Mundo. Aconteceu também em 2010, com a Costa do Marfim, e em 2018, com o Japão. Só com a Argélia, em 2014, conseguiu terminar o trabalho que tinha começado.

A saída de Halilhodzic deu lugar à chegada de Walid Regragui, o novo selecionador que conhecia bem o futebol marroquino. Há quem o trate por “Mourinho árabe” e quem opte por “Guardiola arábe”, mas é ao segundo que vai buscar inspiração para o seu jogo. Depois de uma passagem pelas camadas jovens da própria seleção, treinou o FUS Rabat e o Wydad Casablanca. Mesmo antes de chegar à cadeira de selecionador, a oportunidade de conhecer o Catar já tinha surgido, durante os dois anos em que treinou o Al-Duhail.

“Regragui cresceu e tornou-se jogador de futebol em França. Ele é um treinador ao estilo europeu. A sua metodologia de formação e desenvolvimento tático não é muito diferente da dos treinadores espanhóis”, disse Juan Carlos Garrido, treinador do Ismaily, ao jornal “Marca”.

Com o FUS Rabat venceu a Throne Cup em 2014, o campeonato em 2016 e o título de melhor treinador de Marrocos no mesmo ano. Durante a sua estadia no Catar também venceu o campeonato, mas depois ficou oito meses sem trabalho. Quando finalmente encontrou lugar no clube de Casablanca, venceu a Liga dos Campeões da Confederação Africana de Futebol (CAF) e o campeonato.

Michael Regan - FIFA

Como jogador, conheceu clubes como o Racing Santander, Toulouse, RCF Paris, Dijon ou Athletic Tétouan, mas antes de todo este conhecimento sobre o futebol, o que Regragui conhecia melhor era um lugar: a fronteira com Ceuta.

Nasceu na cidade francesa de Corbeil-Essonnes, mas foi em Fnideq, Marrocos, que passou a maior parte dos seus verões enquanto criança, muito próximo da fronteira. Era quase como uma tradição de família, todos os anos regressavam. Aliás, o treinador sempre se identificou mais com a cultura do país africano, muito mais próxima de tudo o que foi aprendendo em casa.

Hoje, as notícias que chegam dessa fronteira estão longe de espelhar a felicidade que Regragui sentiu enquanto criança. Ceuta e Melilla são os pontos de ligação entre Espanha e Marrocos, dois locais-foco da crise de refugiados que, nos últimos anos, se tem intensificado. É uma realidade e leva a momentos de discórdia entre um lado e outro. Os mesmos lados que, nos oitavos de final do Mundial, colidiram na disputa por um lugar na próxima fase.

O que levou Regragui ao encontro com o passado foi uma campanha surpreendente com os ‘leões do Atlas’. Entraram na competição no grupo F, onde o favoritismo estava do lado da Bélgica e Croácia, mas conseguiram terminar na primeira posição. Esta é apenas a segunda vez na história que conseguem sair vivos da fase de grupos. E agora estreiam-se nos ‘quartos’, depois de cerrarem as linhas contra os quase mil passes inócuos trocados pelos espanhóis e lhes ganharem no desempate por penáltis.

Treinador novo, vida nova

A fama de “Mourinho árabe” está muito mais relacionada com a personalidade do treinador do que qualquer outra hipotética semelhança. É por isso que chegou à seleção e, sem medos, mudou tudo aquilo que quis mudar. A sabedoria popular diz que não se mexe uma equipa vencedora, mas esta conseguiu a qualificação para o Mundial no topo de uma grande onda de conflitos.

Sendo assim, a primeira missão passou por devolver a serenidade ao balneário. Durante o período com Valhid Halihodzic, o jogador do Chelsea e um dos mais talentosos desta geração, Hakim Ziyech, deixou de ir à seleção por não concordar com os métodos do treinador. Foi a ele que Regragui ligou quando assumiu o cargo. E foi ele que marcou o primeiro golo da vitória de Marrocos contra o Canadá, numa das partidas da fase de grupos.

Fantasista

Mas as surpresas não ficaram por aqui. Abderrazak Hamdallah regressou depois de ter pedido desculpas por ter abandonado a equipa na Taça das Nações Africanas de 2019 e Bilal El Khannouss ganhou uma oportunidade com apenas 18 anos.

“Não somos uma equipa, somos uma família”, disse Achraf Hakimi. “Desde o primeiro dia aqui dissemos a nós próprios que era altura de mudar a mentalidade de todos os jogadores e de a nossa geração fazer coisas positivas. Tenho orgulho em jogar por Marrocos e em fazer o país sentir o mesmo”.

O grupo é também formado por vários jogadores que sentem o mesmo que Regragui sentiu enquanto jogador. Quinze dos 26 representam Marrocos, mas nasceram em outros países. Fazem-no porque escolheram competir pela terra onde os pais nasceram e, como disse Achraf ao “El Mundo”, por fazerem parte da cultura marroquina. No fundo, é na base dos vínculos emocionais que esta equipa tem feito história no Catar.

A comunicação é outra das armas do treinador para lidar com o grupo. Depois de estudar economia, dedicou-se às línguas e hoje, além de francês e árabe, sabe inglês e espanhol, o que facilita as conversas nos balneários por onde passou. Regragui gosta desta proximidade com os jogadores quase tanto quanto aprecia que as suas regras sejam cumpridas.

“A chegada de Walid foi um sucesso total da Federação, foi uma mudança positiva. Acreditamos nele, na sua filosofia de trabalho e vamos com ele até à morte”, disse o guarda-redes marroquino Munir Mohamedi ao “Marca”. Com ele estarão no sábado, 10 de dezembro, a defrontarem Portugal (15h, SIC) nos quartos-de-final do Mundial.