Perfil

Um argentino chamado Mac Allister com um irmão Kevin, eis Alexis que anda com a “sorte” perto dele no relvado

Mundial 2022

David Ramos - FIFA

Filho de Carlos Mac Allister, que jogou lado a lado com Maradona na seleção, o médio do Brighton começou o Mundial no banco de suplentes, ganhando depois relevância contra o México. Scaloni ficou convencido e apostou no cidadão de La Pampa para os jogos com a Austrália e Polónia, contra quem marcou. O 20 da Argentina, que conta com o apoio da família no Catar, contou como é jogar com Lionel Messi e elogiou Enzo Fernández, um futebolista “completo”

Partilhar

Hugo Tavares da Silva

Hugo Tavares da Silva

enviado ao Mundial 2022

Jornalista

Quando circulou uma fotografia da família Mac Allister num estádio do Catar não foi preciso esperar muito para se destapar uma clássica lembrança noventeira. Apoiando Alexis, o 20 da Argentina, estavam Carlos, o pai que também jogou por aquela seleção e alguns anos no Boca Juniors, e Kevin, o irmão que está atualmente no Argentinos Juniors, onde o pai também jogou. Um certo mago, no Twitter, celebrou o facto de Kevin não ter sido esquecido pela família em qualquer lado ou num aeroporto ou hotel, numa alusão ao mítico “Sozinho em casa”. A personagem de Macaulay Culkin era Kevin McCallister.

“Estão todos cá. O Kevin teve de voltar porque vai arrancar a pré-temporada no clube”, contava Mac Allister em conversa com os jornalistas, após a vitória com a Austrália nos oitavos de final, evitando assim quem sabe preocupações excessivas sobre o paradeiro do irmão. “É uma emoção muito grande [ter cá a família], foram eles que me acompanharam nos maus momentos. Estão aí para mim, eles merecem desfrutar disto.”

Por coincidência, Carlos também sabe o que é jogar contra a Austrália com a seleção argentina, pois jogou o play-off de acesso ao EUA 1994, naquela que foi em simultâneo o regresso e a última aparição de Diego Armando Maradona com a camisola do país em solo nacional. Um golo de Gabriel Omar Batistuta, também ele pelo Catar a sofrer como os outros, resolveu aquela repescagem assombrada pelas polémicas palavras de Diego Maradona sobre “café veloz”.

Durante a festa, no balneário, a televisão australiana entrou subitamente nas entranhas da privacidade sul-americana e o papá Carlos Mac Allister mostrou ao mundo e sem qualquer pudor ou atrapalhação como aterramos todos por cá, o que resultou numa multa pesadíssima para aquele canal televisivo por não ter emitido qualquer aviso condizente com aquele conteúdo, contou por estes dias o “Vermouth Deportivo”.

O nome Mac Allister no passaporte de um argentino intriga, mas deve-se à ascendência irlandesa ou escocesa de Carlos, que admitiu numa entrevista não saber ao certo a origem e a rota da família. De acordo com o “Irish Post”, a história familiar remete para uma mudança da Irlanda para a Argentina algures na década de 1830, mas, segundo Carlos, os seus antepassados poderão ter estado na Escócia antes . Na altura, pelo menos até onde vão os arquivos, mostram que os Mac Allister se mudaram para Pergamino e que, quando os pais de Carlos se casaram, transferiram a vida toda para Santa Rosa, na província de La Pampa.

Já Alexis foi dos poucos que pararam para dizer o que sentia após a passagem aos ‘quartos’. Depois de ficar a ver do banco a derrota inusitada com a Arábia Saudita, foi titular contra o México. Convenceu Lionel Scaloni, jogando pela meia esquerda e deixando bons pormenores técnicos, mantendo o lugar no 11 contra Polónia (marcou um golo depois de Messi falhar penálti) e Austrália, que graças ao desacerto na finalização sul-americana se transformou num rival muito duro.

Mac Allister depois do golo à Polónia

Mac Allister depois do golo à Polónia

Adam Pretty - FIFA

“Sabíamos que defendiam e pressionavam muito bem, complicou-nos o jogo por momentos, mas, bom, por sorte temos Messi, que abriu o jogo e nos facilitou tudo”, começou aqui, espontaneamente, a carta de amor vocal a Lionel Andrés Cuccittini. Que tal é jogar com ele, então? “Desfruto muito, é o melhor jogador da história do mundo, é um orgulho para mim estar ao seu lado. Tento dar-lhe a bola, tento que a bola lhe chegue. Se a bola passar por ele, tudo fica muito mais fácil. Acho que ele está a fazer um grande Campeonato do Mundo.”

Um jornalista lembrou então o episódio em que Messi teve um momento quentinho com um australiano, junto à linha. A ideia de picarem Messi talvez não seja genial. “Sim, bom, quando acontecem essas coisas, o Leo saca o fogo interior que leva dentro, com essa personalidade que o faz ser ainda maior do que é. Faz com que isso seja útil para ele e até começa a jogar melhor. Neste tipo de jogo, faz-se grande, é o jogador mais importante para nós, ele sabe-o. Ajuda-nos muito, é um orgulho para nós podermos acompanhá-lo.”

Quando o jogo ainda estava embrulhado, a ressaca de uma bola parada colocou aquele objeto redondo nas botas de Alexis Mac Allister. O número 10 do Brighton aceitou-a com simpatia, ligou o radar, encontrou uma rota venenosa para a área aussie e fez um gesto em conformidade. A bola chegou então ao pé de Otamendi, mas, admirada, arrependeu-se pois viu nas redondezas Leo Messi. E mudou de pés. A seguir, Messi fez um passe para a baliza. Golo.

“O passe era para o Otamendi”, admitiu Alexis. “Mas, por sorte, ficou para o Leo, que fez golo.” Foi a segunda vez que colou Messi a fortuna. Mas também Enzo Fernández mereceu importantes elogios do futebolista da Premier League. “É um grande jogador, vem demonstrando em todos os jogos e treinos. Pode adaptar-se a vários lugares, é muito completo”, comentava, refletindo sobre a posição mais recuada em que atuou o médio do Benfica, perto dos centrais na altura de começar as jogadas.

E continuou: “Jogou muito bem. Ele faz muito bem o passe para a frente. Eu trato de procurar os espaços para poder receber a bola dele e ficar de frente para a baliza. É um jogador muito importante”.

Alexis Mac Allister é de La Pampa e mencionou o orgulho que sente, referindo as “muitas mensagens de lá” que recebeu. “Sou o primeiro pampiano que joga um Mundial, é um pouco forte… Sinto muito o carinho deles. A única coisa que tento é devolver isso na cancha.”

Segue-se agora o duelo sedutor com os Países Baixos que faz tilintar algumas lembranças, como aquele golaço de Dennis Bergkamp, em 1998, que ainda deverá atormentar Roberto Ayala, um dos adjuntos de Lionel Scaloni. Ou a expulsão de Ariel Ortega, por agressão a Edwin van der Saar. Ou, mais importante, como quando Kempes, Ardiles e companhia (e o poste!) enganaram, na final do Mundial de 1978, Rensenbrink, Neeskens e alguns dos craques que encantaram o mundo quatro anos antes. Carlos Mac Allister, o pai de Alexis e de Kevin, o tal rapaz que não viajou sozinho para o Catar nem ficou em nenhum hotel perdido, tinha apenas 12 anos.