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Mundial 2022

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O Catar é a pior seleção anfitriã da história dos Mundiais. Será o último país organizador a ter acesso direto à fase final?

Primeiro anfitrião de um Campeonato do Mundo a perder o jogo de abertura e a nem um ponto somar na fase de grupos, o Catar pode ter sido, na próxima década, o único país a organizar sozinho o torneio. A próxima edição acontecerá entre os EUA, o Canadá e o México (e com 48 seleções, mais 16), mas a FIFA ainda não confirmou se manterá a tradição de dar entrada direta aos países que acolhem a prova

Diogo Pombo

MANAN VATSYAYANA/Getty

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A anos de o Mundial, de facto, ir para campo, é cenário habitual ver gente encamisada e engravatada no meio da plateia de um auditório a rejubilar, pulando dos assentos para trocarem abraços. Pintam-se rostos de alegria em prol de um festejo e, em 2010, foi a vez de uns senhores catarenses comemorarem a conquista do direito a serem os anfitriões do torneio que concentra a atenção de milhões de pessoas. Ainda faltava meia dúzia de atualizações ao calendário, mas a FIFA estreava-se a colocar o pináculo do futebol num país carente de uma cultura futebolística propriamente dita.

Acelerando no fast forward, a seleção do Catar entrou no ‘seu’ Campeonato do Mundo com a pálida imagem que muitos lhe anteviam: perdeu (0-2) com o Equador no jogo inaugural, incapaz de ligar jogadas de ataque; foi derrotada (1-3) pelo Senegal na partida seguinte e também cedeu (0-3) perante os Países Baixos, no terceiro encontro. O pecúlio condecorou o país com o feito de ser apenas o segundo organizador do torneio a não sobreviver à fase de grupos, sendo o registo ainda menos abonador se tivermos em conta que o Catar investiu cerca de 200 mil milhões de dólares na competição.

A única seleção a precedê-los foi a África do Sul, em 2010, se bem que empurrada por outro contexto. A par de ser uma nação em muito fervilhante com futebol, forjou o espetacular momento de Siphiwe Tshabalala a marcar um golaço na abertura do Mundial. Os sul-africanos empatariam na estreia diante do México, mas ganhariam à França já depois de perderem frente ao Uruguai, só não saindo da fase de grupos pela diferença de golos - acabaram com mais três sofridos do que os mexicanos. Pelo contrário, o Catar encaixou sete golos e pareceu sempre mais próximo de ultrapassar o par de dígitos na própria baliza do que rematar mais bolas para dentro da baliza dos outros.

Apesar do dinheiro que por lá circula e de ter sido inflacionada, nestes últimos anos, por estádios na vanguarda tecnológica que até são climatizados por sistemas de refrigeração gigantes, a liga do Catar não será das mais competitivas das nações do Médio Oriente. Mesmo com melhorias várias desde a atribuição do Mundial - até conquistou a edição mais recente da Taça da Ásia já com Félix Sánchez, treinador espanhol que serve de selecionador catarense e veio da Academia Aspire, multimilionário projeto para desenvolver as bases de futebol no país -, o nível médio do seu futebol ficou escancarado neste Mundial, mais ainda pelo facto de todos os seus 26 convocados jogarem em clubes do Catar.

No meio de suspeitas de subornos e corrupção no processo de votação, mais de seis mil trabalhadores migrantes mortos durante as obras de construção para o torneio e acusações incessantes ao desrespeito pelos direitos humanos, além de críticas ao facto de o regime de Doha criminalizar a homossexualidade, a decisão da FIFA em colocar o Mundial, mesmo dentro do seu afamado propósito em levar o futebol a regiões do planeta menos apaixonadas pela modalidade, foi duvidosa se vista só com óculos de ver futebolísticos.

Os jogos do principal campeonato catarense, escreve o “New York Times”, contam, em média, apenas com algumas centenas de adeptos e o mesmo jornal reportou como, para o Mundial, a organização chegou a ter de acautelar a presença de alguém que torcesse ruidosamente pela seleção anfitriã: meses antes do início do torneio, ultras do Líbano e da Turquia para treinarem os locais em como torcer com cânticos, palmas e coreografias no estádio. Nas três partidas do Catar, um claque com cerca de 1.500 adeptos esteve presente nos estádios, todos vestindo t-shirts bordô no peito das quais se lia “Qatar”, escrito em inglês e árabe.

Matthew Ashton - AMA

Tentaram puxar por uma seleção a jogar pelo país menos vibrante com futebol entre os 18 que já acolheram as 22 edições do torneio. E o Catar lá chegou, provavelmente, pela regalia adicional que a FIFA concede à nação ocupada com montar o estaminé para receber o Mundial - ter um bilhete direto para a competição, dispensando a passagem pela qualificação.

Algo que até poderá prosseguir a sua vigência para não se mexer na tradição vinda de 1930, mas, quiçá por querer apimentar a espera com uma pitada de suspense, a entidade liderada pelo senhor que anda a desdobrar-se pelos estádios deste Mundial com sapatilhas Stan Smith nos pés, com um ar mais informal, ainda não confirmou se o formato se vai manter para o próximo Campeonato do Mundo.

Porque, pela primeira vez, serão três as nações anfitriãs. E 48 seleções a participarem.

Já foi em 2017 que o Conselho da FIFA aprovou o alargamento do torneio, obrigando à redistribuição das vagas a atribuir a cada confederação de futebol. A Oceânia, por exemplo, terá uma inédita passagem direta para o Mundial, com as outras a receberem mais lugares: de 13 seleções, a UEFA aumentará para 16; a CONMEBOL ficará com seis em vez de quatro; África terá nove e não cinco; Ásia passará das quatro para ter oito; e dos atuais três, a CONCACAF vai granjear seis vagas de apuramento sem escalas pelo meio - de entre esta contagem, faltam os lugares provenientes de play-offs continentais e intercontinentais que continuarão a existir.

O que ainda teremos de saber nos menos de quatro anos que restam até ao Mundial é se as vagas reservadas para a América do Norte e Central contam já com a qualificação direta dos três anfitriões. Ou se, já que escancarou as comportas da novidade, a FIFA prosseguirá a sua inovação no formato do torneio que lhe serve de principal fonte de sustento. Nesta edição de 2022, a entidade já anunciou, via Gianni Infantino, que espera lucrar entre 600 a 800 milhões de dólares a mais face ao que registou em 2018, na Rússia. E mais jogos (80, ao invés de 64) significarão sempre mais receita de bilheteira e, especialmente, mais dinheiro a ser feito com direitos televisivos.

Chegarmos ao dia em que um Mundial seja jogado num país, ou em vários, sem as respetivas seleções calçarem as botas, seria desprover o torneio de pedaços da alma que compõem cada edição. Visto de outro ângulo, a inexistência de lugares garantidos contribuiria, sem bem que apenas com uma vaga, para garantir que a qualificação fosse adquirida em campo por todas as equipas. A única vez que a FIFA suprimiu lugares alocados por decreto foi em 2006, quando só aí deixou de reservar uma vaga para o campeão mundial (vigorou de 1938 a 2002).

A indefinição poderá persistir até março do próximo ano, quando se realizar o 73.º Congresso da FIFA em Kigali, no Ruanda. Até lá, o EUA, México e Canadá talvez fiquem a contar que as suas seleções terão lugar garantido no Mundial, já que a candidatura sedutora-mor das preferências (134 votos contra os 65 obtidos por Marrocos) pressupunha, nas suas escrituras, que os três países teriam vaga assegurada no torneio.

Nenhum apresentou um nível e uma qualidade de jogo sequer parecidos ao Catar.