A sorte ditou que fosse a Arábia Saudita a começar o Mundial 2022 com um dos grandes desafios da competição. Num daqueles jogos em que o favoritismo cai logo e facilmente para um dos lados, pela frente encontraram a Argentina de Lionel Messi. Mas a equipa do Médio Oriente silenciou tudo e todos ao vencer os sul-americanos por 2-1, negando-lhes o recorde mundial de vitórias consecutivas que vai continuar a ser dos italianos (37 jogos).
Mas o que mudou nesta seleção para que este resultado tenha sido possível? Colocando de lado a imprevisibilidade do futebol, o motivo pode ter sido Hervé Renard.
A chegada do treinador francês, em 2019, deu à equipa um novo otimismo para encarar este torneio. Renard tem uma vasta experiência a nível internacional, esteve presente no Mundial da Rússia com a seleção de Marrocos, que ficou no grupo de Portugal, e venceu por duas vezes, com dois países diferentes, a Taça das Nações Africanas (CAN).
Como jogador não conta com muitos sucessos e talvez por isso tenha optado por se afastar do futebol quando terminou a carreira. Dedicou-se durante alguns anos aos seus negócios até que tomou a decisão de iniciar o percurso como treinador. O primeiro clube onde esteve foi o francês SC Dracénie, seguido pelo britânico Cambridge United e o também francês AS Cherbourg. Tudo isto até começar o seu primeiro período como treinador da Zâmbia, altura em que dá o primeiro passo num percurso que o leva a deixar uma enorme marca no futebol africano.
Nesse primeiro período, a seleção chegou aos ‘quartos’ da CAN, mas quando regressou ao comando técnico do país tornou-se o rosto de uma das maiores surpresas da história da competição. Em 2012, foi até à final e sagrou-se campeão contra a Costa do Marfim de nomes como Didier Drogba e Yaya Touré. Foi, aliás, pela Costa do Marfim que venceu a segunda CAN da sua carreira.
Christian Liewig - Corbis
Na mesma altura tentou um regresso ao futebol francês, primeiro no Sochaux e depois no Lille. Duas experiências que, com certeza, não entram nos melhores registos da carreira do treinador. Sendo assim, voltou ao local onde claramente se sentia mais em casa: uma seleção de África.
Com Marrocos garantiu a qualificação para o Campeonato do Mundo do país pela primeira vez em 20 anos. Na Rússia, porém, conquistou apenas um ponto durante os três jogos da fase de grupos, com um empate frente à Espanha. Contra Portugal, perderam por 1-0, com um golo de Cristiano Ronaldo num jogo bastante complicado para a seleção nacional.
A partir daqui as coisas não correram pelo melhor. Marrocos acabou por ser eliminado na fase de grupos da Taça das Nações Africanas em 2019, o que levou o treinador a assumir as culpas e a abandonar o cargo.
No mesmo ano, assinou pela Arábia Saudita e, esta terça-feira, fez história: “Hoje, para resumir, diria que os astros se alinharam todos para nós. É uma vitória memorável, que vai ficar para a história, e isso é o que interessa, mas temos de olhar para o futuro, pois ainda temos dois jogos muito difíceis. Não podemos esquecer que a Argentina continua a ser uma equipa fantástica, que estava há 36 jogos sem perder. São os campeões em título da Copa América, com grandes jogadores, mas é o futebol, é assim. Por vezes é a loucura no mundo futebolístico”, disse no final da partida.
Richard Sellers
As declarações do treinador são também um espelho da sua carreira entre o futebol francês onde talvez sejam poucos os que o conhecem e o futebol de África e, agora, da Arábia Saudita onde o nome Hervé Renard está entre os gigantes da modalidade.
“Foi algo fantástico, joguei em sete Taças Africanas, mas muitos jornalistas franceses descobriram hoje que o treinador da Arábia Saudita é francês. Foi preciso muito trabalho para lá chegar, é um resultado que ficará gravado na minha memória para sempre. Mas temos de permanecer humildes, outros desafios nos esperam e temos de estar novamente à altura da ocasião”, concluiu.