Michael Phelps dedicou-se à sua carreira a 100%. Desde o cronograma de treinos praticamente imparável até às cerca de 10 mil calorias que consumia religiosamente por dia, o nadador deixou tudo na piscina ao longo de cinco edições dos Jogos. Ganhou mais de 60 medalhas de ouro em diversos eventos, sendo 23 delas olímpicas. É, inegavelmente, um dos maiores nomes do desporto, mas desde que terminou a carreira, em 2016, tem-se mantido ocupado com outros temas.
Aos 37 anos, Phelps revelou que nem as suas medalhas de ouro todas juntas, nem o recorde das mesmas que tem a nível olímpico, pesam mais do que a sua atual carreira como defensor da saúde mental.
O ex-atleta americano passou vários anos a esconder que sofria de uma depressão. "Prefiro ter a oportunidade de salvar uma vida do que ganhar outra medalha de ouro porque isto é muito mais importante. Perdemos demasiados atletas olímpicos para o suicídio. Não quero perder mais nenhum membro da minha família olímpica", disse Phelps à AFP, numa entrevista no fórum "Demain le sport".
A prova de que poucas vezes se conhece a pressão a que estes atletas estão sujeitos é que a depressão do campeão olímpico surgiu, pela primeira vez, em 2004, ano dos seus primeiros Jogos, em Atenas: ganhou oito medalhas, incluindo seis de ouro. Quando à primeira vista tudo parecia bem, não estava.
"Competir foi uma das minhas coisas favoritas. Eu era um tubarão e cheirava sangue na água e continuava", afirmou. Nessa altura, não falou abertamente sobre a sua saúde mental porque temia que essa abertura fosse vista como “um sinal de fraqueza” ou uma “vantagem” para a concorrência. Algo que só piorou a situação: “Passei por um período em que não queria estar vivo”.
Hoje, considera que os atletas que têm a coragem de falar abertamente sobre o tema importantes para o desporto, deixando elogios, em particular, à tenista Naomi Osaka e à ginasta Simone Biles.

MARTIN BUREAU/Getty
"Tenho de aplaudir a Naomi", disse Phelps. "Ela abriu as suas redes sociais e contou o que estava a passar nas suas próprias palavras. Isso não é a coisa mais fácil de se fazer. Se olharmos para a Simone Biles, isso aconteceu com ela no maior momento da sua carreira. Mostra como uma doença de saúde mental é inesperada. Precisamos de cada vez mais pessoas que se estão a abrir para partilhar, para baixar estas paredes, estes limites que as pessoas construíram".
Já fora da piscina, a rotina de Phelps continua a um ritmo bastante acelerado. Pai de três rapazes de seis, quatro e três anos, está “sem parar, mais ocupado do que antes, a viajar por todo o mundo, a trabalhar com patrocinadores ou a fazer discursos motivacionais”. A nível de saúde mental, encontrar um equilíbrio continua a ser um desafio diário.
"Há dias em que acordo e me sinto ótimo e, no dia seguinte, posso acordar e ser um humano completamente diferente, por isso é só tentar encontrar esse equilíbrio. Esta vai ser uma viagem contínua que poderá nunca ser resolvida”, disse, sublinhando algumas das suas estratégias para lidar com a situação, como nadar, ir ao ginásio ou escrever um diário.
Mas, apesar de não ter deixado a natação totalmente para trás, não imagina um futuro profissional que passe pela modalidade, pelo menos quando se fala de uma carreira como treinador: "No geral, os grandes no desporto não são os melhores como treinadores, veja-se o Wayne Gretzky, ele tentou treinar uma equipa da NHL e não correu muito bem".
Neste momento também não pensa em integrar alguma das entidades que administram a modalidade e os campeonatos, como a Federação Internacional de Natação (Fina), mas não fecha totalmente a porta. “Definitivamente não diria não, mas muita coisa tem de acontecer, tem de haver muitas mudanças, para ser honesto", garantiu.
A entrevista não terminou sem Phelps deixar a sua opinião sobre um dos temas que mais tem marcado esta e outras modalidades nos últimos tempos - a integração de atletas transgénero, na qual é a favor da criação de uma “categoria aberta”.
"Penso que deveria haver três classes: homens, mulheres e trans. Dar a todos uma oportunidade igual de competirem", concluiu.