É quase irónico que um duelo entre dois treinadores conhecidos pelo gosto em tentar controlar as partidas — dentro da impossibilidade de controlar todas as variáveis de um jogo disputado em duas partes corridas de 45 minutos entre 22 almas — tenha acabado da forma caótica e desordenada como terminou o Atlético de Madrid - FC Porto, dando a sensação de estarmos numa montanha-russa sem ninguém ao comando.
Em 10 minutos de compensação, houve três golos, um penálti, ressaltos caprichosos e bolas paradas fatais que decidiram um embate que, durante boa parte da sua duração, decorreu nas folhas de papel quadriculado em que Diego Simeone e Sérgio Conceição, homens que tanto bebem da Série A dos anos 90, imaginam um campo de futebol.
O Atlético de Madrid entrou no grupo B da fase de grupos da Liga dos Campeões batendo, por 2-1, o FC Porto, graças a um golo de Antoine Griezmann aos 101', que desfez o empate que Uribe havia estabelecido cinco minutos antes, em resposta ao golo que Hermoso havia apontado também cinco minutos antes. Isto tudo pouco depois de Taremi ser expulso com um segundo amarelo por simular um penálti. Futebol aborrecido no Metropolitano? Naqueles instantes em Madrid, quem tirasse os olhos do campo corria o risco de perder uma ação de grande impacto na contenda.
Durante a maior parte do jogo, o FC Porto foi claramente a equipa mais confortável, a única capaz de criar verdadeiro perigo. Apoiada num Pepe que parece beber um elixir da juventude nestas noites europeias, a equipa de Conceição ameaçou várias vezes Oblak, que passou de estar lesionado para realizar várias defesas de alto nível. Isto enquanto o público colchonero ia assobiando a falta de soluções da sua equipa ou contestando as substituições que Diego Simeone — que no quotidiano do lado vermelho e branco de Madrid vai perdendo o rótulo de intocável que o lugar cativo que possui no museu do Atlético lhe dá — fazia.
Griezmann já cabeceou para fazer o 2-1
Angel Martinez/Getty
Se o tempo de compensação foi cheio de descargas de adrenalina, a maior parte dos minutos anteriores tiveram mais de monotonia, chegando-se a pensar que a emoção só surgiria pela vénia a uma lenda que foi prestada ainda antes do apito inicial.
Há algumas semanas, Paulo Futre pregou um susto ao planeta do futebol. Felizmente, foi só um susto, e por isso o canhoto que deslumbrou com as camisolas de ambos os clubes foi, naturalmente, convidado de honra para assistir ao jogo.
Faltavam escassos minutos para o começo da partida quando o Metropolitano começou a cantar o “Paulooo, Pauloooo, Futre, Futre!” que se começou a ouvir no Vicente Calderón e que a memória coletiva transpôs para a nova casa do Atlético. Na bancada presidencial, ladeado dos seus dois filhos, Futre agradeceu a homenagem de pé, saudando a multidão qual rei que estava a ser aclamado.
Um dia se analisará esta capacidade que Paulo Futre, um dos melhores jogadores da história do futebol ibérico, tem de ser consensual, de gerar tanta simpatia. Por agora vale a pena emocionar-se um pouco com a emoção mostrada pelo português no momento da homenagem, de pé, lágrimas nos olhos e filhos ao lado. Ali sentado estava um pai, um ídolo, um homem profundamente emocionado por viver aquele momento.
Muito emocionado, Paulo Futre agradece a homenagem que os adeptos de ambas as equipas lhe fizeram
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A primeira parte fez, em muitos momentos, lembrar o embate entre ambas as equipas, também em Madrid, na primeira jornada da Liga dos Campeões passada: uma sucessão de duelos de fundo de court, como se uma recordação dos velhos encontros entre Novak Djokovic e Andy Murray se tratasse. No total, só houve um remate à baliza nos 45 minutos inaugurais, muito poucas jogadas de perigo e sucessões de duelos, lances interceptados e imprecisões.
Com o 3-5-2 do Atlético, com João Félix no apoio de Morata, a não permitir que os locais se aproximassem com critério de Diogo Costa, só num remate de ressaca de Koke foram os homens de Simeone capazes de testar o guardião português. Do outro lado, o FC Porto apostava na vertigem de Galeno para surpreender a defesa espanhola, mas o brasileiro, por muito que conseguisse esticar o jogo, não conseguia definir de maneira consequente as ações.
Nas duas jogadas que mais perigo levaram à baliza de Oblak na etapa inicial, Evanilson viu o guardião esloveno evitar males maiores e, mesmo em cima do descanso, Taremi, após superar Giménez, não conseguiu encontrar um finalizador.
Se nas bancadas estava a lenda Paulo Futre — e Radamel Falcao ou Fernando Torres —, no relvado era outro gigante do futebol internacional que se destacava. A poucos meses de completar 40 anos, Pepe desdobrava-se em cortes providenciais, dobras e momentos que evidenciavam o seu eterno instinto defensivo.
Desde duplos cortes perante Morata a roubos de bola face a João Félix, o capitão dos dragões regressou à cidade onde viveu o auge da carreira para somar outra noite europeia memorável. O descanso chegou e, com ele, surgiram os primeiros assobios dos adeptos do Atlético, descontentes com a frouxa imagem demonstrada pela sua equipa.
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Se os visitantes já tinham sido a equipa mais perigosa na primeira metade, essa tendência foi reforçada no segundo tempo. Simeone tirou os seus dois alas, trocando Molina e Carrasco por De Paul e Lemar e deslocando Llorente e Saúl para as faixas mas, apesar de Koke ter visto um golo ser anulado logo aos 49' por posição irregular de De Paul, a superioridade do FC Porto foi a nota dominante.
Sendo mais capazes de ligar o jogo e de aproximar os médios da área, os campeões nacionais criaram uma primeira grande chance aos 55', quando Eustáquio disparou e Oblak fez uma monumental defesa. Do outro lado, Pepe continuava a fazer cortes contra dianteiros quase duas décadas mais novos com uma facilidade assombrosa.
O FC Porto criava perigo através de Eustáquio, João Mário, Taremi ou Evanilson mas, por falta de pontaria ou intervenção de Oblak, o crescimento dos dragões não se traduzia em golos. Apesar da igualdade, o nervosismo do público da casa ia crescendo, com muitos assobios a serem audíveis. Entretanto, uma das situações mais peculiares deste começo de época no futebol internacional voltava a verificar-se.
Depois de ter entrado ao minuto 63 nas quatro primeiras jornadas da La Liga, Antoine Griezmann estava preparado para pisar o relvado do Metropolitano pouco antes do minuto 60. No entanto, o francês — campeão do mundo e um dos principais símbolos dos melhores momentos da era Simeone — lá teve de esperar até passarem alguns segundos da hora de jogo para entrar.
No acordo de empréstimo assinado, há um ano, entre Barcelona e Atlético de Madrid, ficou definido que a equipa da capital seria obrigada a exercer a cláusula de compra caso Griezmann realizasse um certo número de jogos. Ora, nesse contrato, uma partida não é contabilizada se o avançado só entrar em campo a partir dos 60', pelo que, com esta fórmula, o Atlético evita ficar obrigado a ter de comprar o francês e dar-lhe um muito elevado salário.
Uma das imagens do momento no Atlético: logo a seguir aos 60', Griezmann entra
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A presença de Griezmann em campo não melhorou o futebol do Atlético, sempre sem clareza para chegar com qualidade perto de Diogo Costa. Pouco depois dos 70', Otávio foi assistido durante largos minutos — a causa para um tempo de compensação tão prolongado — pelo que pareceu ser um problema nas costelas, tendo de ser substituído e dar uma grande dor de cabeça a Conceição para o futuro próximo.
Um empate, à partida um resultado de não desprezar para o FC Porto, até parecia curto, até que aos 81' começou a montanha-russa dos minutos finais.Taremi encarou Witsel e tentou tirar o belga do caminho, forçando a queda ao arrastar a sua perna para junto da do seu adversário. Marciniak, o árbitro polaco, considerou simulação e deu o segundo amarelo ao iraniano, deixando o FC Porto reduzido a 10.
Mesmo em superioridade numérica, o Atlético não conseguiu encostar o FC Porto à sua baliza. Até que, aos 91', os colchoneros cozinharam uma jogada pela direita, entre De Paul e Llorente, fazendo a bola chegar a Ángel Correa, que deu para Hermoso. O defesa tirou Bruno Costa da frente e rematou, com um desvio em João Mário a fazer a bola voar, caprichosamente, por cima de Diogo Costa. 1-0 e a sensação geral de que o embate deveria estar resolvido, até pela inferioridade numérica dos visitantes.
Uribe bate Oblak e faz o 1-1
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A instabilidade atual do Atlético de Simeone está tão distante da dos tempos áureos que a sensação de fortaleza defensiva há muito abandonou o Metropolitano. Aos 96', de um lançamento de linha lateral, Hermoso jogou voleibol e tirou ao Atlético o que tinha dado. Oblak quase defendeu, mas Uribe fez o 1-1.
Olhando a toda a partida, a igualdade nem era um bom resultado para o FC Porto, tendo em conta a superioridade demonstrada, mas era uma forma satisfatória de sair da loucura de Madrid. Aos 98', a ambição de Pepe ainda conduziu um contra-ataque para os dragões, correndo o central de área a área para acompanhar uma situação em que Toni Martínez não definiu bem, mas a hipótese de triunfo viria a ser uma certeza de derrota.
Mesmo no último lance do duelo, o Atlético de Madrid ganhou um canto na esquerda. Witsel desviou ao primeiro poste e, ao segundo, Antoine Griezmann, o craque em part time do Atlético, ditou o resultado final. 2-1, o Metropolitano em festa, Simeone celebrando com os jogadores, Pepe cabisbaixo. A emoção de Futre pareceu concentrar-se toda neste eterno tempo de compensação, ainda que ninguém faça ziguezagues como o craque que mais une Atlético e FC Porto.