Os treinadores são sempre pintados como magos quando um futebolista entra aos X minutos e resolve qualquer coisa passado pouco tempo. E o jogador? Preparou-se para estar ali, esperou, aqueceu a imaginar o que ia fazer, a controlar os nervos e as vontades, tapando a boca do ego e do cenário desmedido. E, já do lado da fronteira que importa, a bola aterra no pé. À volta dele estão quatro homens com uma camisola diferente. Ele espera. E espera, e espera, como se tivesse o segredo do tempo. E solta a bola para um colega no momento adequado. Rochinha foi isto tudo, entrou aos 79’ e assistiu Edwards aos 83’. Tremenda jogada de futebol.
Mas do outro lado também havia gente com categoria. Os treinadores são sempre pintados como magos quando um futebolista entra aos X minutos e resolve qualquer coisa passado pouco tempo. E o jogador? Álvaro Djaló entrou aos 86’ e apenas três minutos depois, após corrida desenfreada pela esquerda e destruindo a armadura invisível de Esgaio, ofereceu a Ruiz o empate. Noventa minutos e seis golos (3-3). Esta foi uma grande tarde de futebol.
O primeiro tempo na Pedreira foi interessante. Não só pelos quatro golos, pelas bolas que saíam com categoria das botas dos futebolistas, até pelos erros que ditam fatalidades ou oportunidades, mas também pelos inúmeros duelos. Vitinha e Ricardo Horta com Gonçalo Inácio, Coates ou Pedro Porro, que também enfrentava Sequeira. Morita e Matheus Nunes (cumpria jogo 100) contra André Horta e Al Musrati. Nuno Santos com Victor Gómez, substituído ainda na primeira parte, lesionado (entrou Fabiano). Banza com Coates ou Matheus Reis. As lutas pela bola e pelo metro quadrado ditaram o nível alto do jogo grande da jornada.
Pedro Gonçalves foi o primeiro a gritar golo, logo aos 9’. Matheus Nunes, soltinho e outra vez transportador de bola, descobriu Pedro Porro nas costas da defesa. O espanhol cruzou ao segundo poste e o segundo avançado encostou para a baliza deserta. Mas o Sp. Braga respondeu logo a seguir, pelo reforço Banza, um avançado interessante que deixara bons sinais no Famalicão, por empréstimo do Lens. O avançado recebeu de Ricardo Horta, que detém um radar admirável, dominou rápido e bater na bola como só os avançados sabem bater: de qualquer maneira. A bola saiu um pouco comprida, mas o francês atirou-se para o chão e sacudiu o chicote. E gritou alegria.

Banza, no primeiro golo
MIGUEL RIOPA
O Estádio Municipal de Braga, pintado de vermelho, agitava-se. E sossegou somente quatro minutos depois. Matheus Nunes voltou a desequilibrar, lançou na esquerda Nuno Santos. O canhoto, pouco dado a hesitações e protocolos, bateu de primeira. A bola, caprichosa madame, foi à relva e subiu, passando por cima de Matheus.
O jogo continuou rasgadinho. O Sporting não estava confortável para fazer o seu jogo, os caseiros iam defendendo num feroz 4-4-2. Trincão tinha pouco a bola, descobria poucos espaços, tinha sempre alguém a morder-lhe os calcanhares. Paulinho estava desaparecido, engolido pelos centrais Vítor Tormena e Sikou Niakaté, que empataria, de cabeça, numa bola parada batida quase do meio-campo, antes do intervalo. Os passes longos iam sendo talvez o insuspeito protagonista do jogo, um dia voltaremos a amá-los com carinho. André Horta fez um ou outro, enquanto Morita, num espaço de um minuto, fez dois, com o pé esquerdo e com o pé direito, denunciando o escândalo que é o talento deste japonês.
Trincão, talvez ainda meio desligado dos colegas, surgiu isolado aos 37’. A receção levou a bola para o pé direito, descendo drasticamente as probabilidades de sucesso. O ex-Wolves e Barcelona atirou por cima, gastando um crédito maravilhoso na sua antiga casa.
Os minhotos, que viram o árbitro reverter um penálti assinalado sobre Pedro Gonçalves, começaram a segunda parte logo com duas oportunidades importantes, pareciam ter subido a pressão. Sequeira começava a aparecer, tal como do outro lado sucederia com Francisco Trincão. Amorim, a meia hora do fim, mexeu no tabuleiro, retirando Morita, Nuno Santos e Paulinho, que fez um jogo apagadíssimo (zero remates, zero passes para finalização, 40% de acerto nos passes, apenas um drible e um duelo aéreo ganho, segundo a GoalPoint). Entraram Manuel Ugarte, Marcus Edwards e St. Juste, o central neerlandês que segue assim as pisadas de Valckx.
O poste gemeu quando Pedro Porro atirou forte, num cruzamento-remate, depois de um passe soberbo de Ugarte. A mudança de velocidade do espanhol quase sugou a alma do corpo de Sequeira. O Sporting ia tendo mais qualidade com a bola, ou mais calma talvez. Vitinha mantinha aquela atitude de martelo pneumático contra a defesa visitante. Os dois avançados, aliás, permitem um jogo direto e físico, algo que o Braga explorou e Rúben Amorim admitiria no fim que gerou dificuldades.

DeFodi Images
Estava a ser uma bela tarde de futebol, até quando já se notava o cansaço nos homens, insuperáveis no compromisso com a profissão. Alguns estavam no limite, agarravam a dignidade com os dentes. Com Trincão já pela direita, Rochinha jogava por dentro e Pedro Gonçalves ficava a fazer de avançado móvel. O ex-Vitória pegou na bola, entrou na área, deparou-se com três homens a bufar-lhe para os olhos e outro para a nuca. Parecia não haver tempo, não havia, mas ele esperou. Dançou. Parecia não haver espaço, mas havia. Ele esperou, e lá soltou o pé para meter a bola no segundo poste, onde estava à espera Marcus Edwards, que com dois toques fez o 3-2, aos 83’.
Parecia tudo sentenciado até que se viu a maneira como os de vermelho voltavam a pressionar a bola. É realmente admirável, certamente deixando satisfeito os mais de 17 mil adeptos na Pedreira. E a recompensa, por tanta correria e choque, e por tanto futebol também, chegou aos 89’. Musrati lançou Álvaro Djaló pela esquerda. O rapaz que deu que falar na equipa B superou Ricardo Esgaio como se estivesse de bicicleta e, já em cima da linha de fundo quase, sacou um cruzamento atrasado. Abel Ruiz, um 9 a sério, encostou com categoria, 3-3.
O marcador só não se alterou porque, aos 90+3’, Adán fechou a porta ao incontrolável Vitinha, o miúdo que joga a morder a língua. Depois de uma boa receção, o avançado tentou meter por cima do guarda-redes espanhol. O banco do Braga estava pronto para celebrar uma reviravolta épica. Que celebrem o jogo de futebol que se passou por ali esta tarde.