Zlatan decidiu que o dia que Zlatan vinha adiando chegou para Zlatan: Ibrahimovic retira-se do futebol aos 41 anos
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No final do AC Milan - Hellas Verona, o sueco comunicou ser o momento de “dizer adeus” a uma carreira que teve 988 jogos, 573 golos e 31 títulos em nove clubes de sete países diferentes. O fim de um dos melhores jogadores do século XXI, homem de golos de banda desenhada e personalidade marcante
Um tipo de 1,95 metros, enorme mas coordenado, gigante mas de movimentos elegantes, finta uma e outra vez os defesas do NAC Breda, deixando-os no chão, mais espectadores da obra do que adversários capazes de fazer algo para parar o inevitável. Em agosto de 2004, o Youtube seria um novidade para muitos de nós, que ainda não tínhamos a internet na palma das mãos, mas aquele golo de Zlatan Ibrahimovic pelo Ajax foi um dos primeiros que se viralizou virtualmente para encantar o mundo.
O avançado sueco já não era propriamente uma surpresa, afinal de contas era craque em ascensão no clube de Amsterdão e anunciara-se no verão anterior no Euro 2004 com o golo de escorpião a Itália. Mas ali, naquele lance de desenho animado pouco antes de se transferir para a Juventus, estava concentrado o que era Zlatan e, portanto, o que seriam boas partes das duas décadas seguintes do futebol internacional: um bailarino no corpo de um guerreiro, um profissional do taekwondo em forma de futebolista, um avançado saído das fantasias do Oliver e Benji para a vida real.
Durante anos e anos, Ibrahimovic foi tornando rotina isso de fazer golos extraordinários, que foram sendo partilhados no Youtube, no Facebook, no Instagram e no TikTok, como se a passagem das plataformas servisse para mostrar a longevidade do homem em causa. As épocas iam passando e, mesmo com lesões graves, Zlatan, cuidando da sua personagem, recusava-se a deixar que o tempo decidisse por ele.
Até que, agora, Zlatan decidiu por Zlatan. Aos 41 anos — cumprirá 42 em outubro — decidiu retirar-se do futebol. “É hora de dizer adeus ao futebol”, comunicou depois do AC Milan - Hellas Verona, deixando claro que ele é que dita o tempo aqui.
Emocionado, depois de uma campanha em que, afetado por problemas físicos, só fez quatro jogos, o sueco conclui um percurso excecional. Foram 988 jogos, 573 golos e 31 títulos em nove clubes de sete países diferentes.
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No Malmo, na Suécia, começou a forjar-se um talento e personalidades únicas, um homem que nasceu para ser a estrela e não acompanhante. Foi campeão neerlandês, italiano, espanhol e francês, faltando-lhe a consagração europeia.
Depois do crescimento inicial no Malmo e no Ajax, atuou na Juventus que acabaria relegada para a segunda divisão em 2006. Daí foi para o Inter onde, pela primeira vez, teve rendimento continuado ao nível dos melhores do mundo.
O êxito em Milão, terminando em 2008/09 com José Mourinho, levou a que a melhor equipa do mundo na altura o contratasse. O Barcelona de Guardiola quis fazer de Zlatan a peça que faltava no pep team, mas a natureza do jogador não era compatível com o jogo do catalão.
Pep queria disciplina posicional, paciência para que os atacantes esperassem pela bola; Ibrahimovic, todo instinto e protagonismo, queria ir ao encontro da bola, não aguardar por ela; Pep queria montar o sistema ofensiva em redor de Messi; Ibrahimovic, nascido para o papel principal, não queria partilhar o cenário. O casamento estava condenado à partida e só durou uma temporada.
Zlatan voltou para Milão, desta feita para o lado rossonero. A Champions ia-lhe escapando por entre os dedos e as épocas: o Barça ganhou-a em 2008/9 e 2011/11 e ele jogou em Camp Nou em 2009/10; o Inter venceu-a em 2009/10, justamente depois da saída do sueco com ascendência bósnia.
Todos os clubes da carreira de Zlatan: Malmo, Ajax, Juventus, Inter, Barcelona, Milan, PSG, Manchester United, LA Galaxy, Milan.
Alessandro Sabattini/Getty
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Conquistado o scudetto em Milão, partiu para o PSG, feita contratação milionária dos primeiros tempos do projeto do Catar em Paris. E, naqueles quatro anos e 156 golos, talvez se tenha espelhado a essência do melhor Zlatan de sempre.
Líder absoluto dos franceses, Ibrahimovic atuava com toda a liberdade, organizando jogo, criando jogadas, desenhando beleza pelo campo. A coleção de finalizações vindas de um qualquer filme que ficcione o futebol — pontapés de bicicleta, de escorpião, livres, tiros a 35 metros — é tal que, ali por 2012 ou 2013, era legítimo perguntar se Zlatan jogava mais para a Bola de Ouro ou para o Puskas.
Também em Paris a Champions, espinha encravada na carreira, lhe passou ao lado. Mas ali se concentrou o que era Ibrahimovic, um espetáculo como poucos, um jogador perfeito para o Youtube mas que começou a jogar ainda no século passado, um futebolista excelente para conteúdo viral mas cujo futebol era muito mais do que só highlights.
A caminho dos 35 anos, ainda houve espaço para um reencontro com José Mourinho. Quase com 36, teve uma lesão grave mas, fazendo uso das suas míticas frases emblemáticas, disse que “os leões não recuperam como homens”. Foi para os EUA, fartou-se de marcar, regressou ao Milan e ainda foi importante na recuperação da auto-estima no clube e no crescimento de um tal Rafael Leão.
Os últimos anos de Ibrahimovic foram uma constante tentativa de parar o tempo, de lhe marcar um golo de remate acrobático. Zlatan vai-se embora despedindo-se do público de Milão entre lágrimas e homenagens. O avançado dos golos de banda desenhada chegou ao fim do seu livro de proezas.