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Chocolate de Páscoa no Flamengo-Fluminense: Vítor Pereira, “surpreendido” com o nível da equipa, compreende insatisfação dos adeptos

A final do Carioca, o Campeonato Estadual do Rio de Janeiro, estava inclinada para o Flamengo, depois do 2-0 na primeira mão, mas o Fluminense surgiu no Maracanã com categoria e afinação, goleando o grande rival por 4-1. O português é o primeiro treinador do clube a perder as três primeiras finais, depois dos desaires na Recopa Sul-Americana e na Supertaça do Brasil

Hugo Tavares da Silva

MB Media

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Não se sabe se Chico Buarque está tentado a escrever uma canção sobre este seu Fluminense, mas os futebolistas e Fernando Diniz mereciam. Como em qualquer brasileiro há um pedaço de poeta, sentenciou-se há uns tempos que o “chocolate de Páscoa” significa, num campo de futebol, goleada. Barriga cheia de futebol, de golos. No domingo à noite houve doçura para o Fluminense e amargura para o Flamengo de Vítor Pereira, que perdeu no Maracanã, por 4-1, caindo assim na final do Carioca, o Campeonato Estadual do Rio de Janeiro.

Marcelo, o ex-Real Madrid, foi titular. Nem as peças de um puzzle tradicional encaixam tão bem como o brasileiro neste modelo do clube das Laranjeiras. E foi mesmo o canhoto, talvez com o pé menos forte mais forte do mundo, a marcar o primeiro da noite. Foi um golaço. Lembrando Júnior no Mundial de 1982, foi vagabundo aqui e ali durante o jogo, pegou na bola à frente da área, enganou os que vestem o pijama vermelho e preto e meteu um gol de placa. Aos 34’, já Germán Cano, o goleador implacável, havia empatado a final com assistência do mago, Ganso. O Flamengo venceu por 2-0 na primeira mão, também ali no Maracanã.

O nível de jogo do Fluminense era assombroso. Havia firulas, habilidades, atrevimentos e sobretudo toques curtos e passes rápidos que deixavam atordoados os rivais, os gigantes da América do Sul e atuais campeões da Libertadores. Vítor Pereira, com duas derrotas nas finais anteriores (Recopa Sul-Americana e Supercopa do Brasil), contava com este Carioca para ganhar fôlego, convencer jogadores e os adeptos sobre o que tem na cabeça e o que poderá fazer por ali.

A teia que montou foi inútil e, à frente, o mengão não existia. Gabriel Barbosa foi substituído ao intervalo. O Flu chegou então, aos 65’, ao 4-0, por Alexsander e Cano. Vexame no Maracanã. “Salve o futebol, salve a filosofia de botequim, salve o jogar bonito, o não ganhar no grito”, canta Chico Buarque em “Jogo de bola”. Uma profecia, quem sabe.

Quando a realização focava Vítor Pereira via-se um homem incrédulo a olhar para o relvado. Olhos cravados nos jogadores, no que imaginou e não aconteceu. O melhor que a sua equipa conseguiu foi reduzir, para 1-4, por Ayrton Lucas, e assim terminou tudo. Admirável foi o facto de terem ficado no relvado enquanto o Fluminense fazia a festa do 33.º título carioca.

“Reconheço o mérito do Fluminense, porque foi o justo vencedor. E quero reconhecer também que, de facto, não tivemos o nosso nível taticamente, tecnicamente, e mentalmente estivemos abaixo do que podemos fazer”, explicou-se o treinador português, sempre cobrado pela forma como saiu do Corinthians, pior ainda para suceder a um homem, Dorival Júnior, que substituindo Paulo Sousa conseguiu ganhar a Libertadores e a Taça do Brasil.

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“Vamos trabalhar para melhorar, corrigir os erros e sermos mais fortes no futuro. Eu e os meus jogadores temos de reconhecer que hoje, ainda por algum motivo que ainda não consegui perceber, tenho de conversar com eles, a equipa não apresentou o nível que já vi nessa temporada, inclusive no último jogo contra eles. (...) A mim também surpreendeu o nível que apresentámos. A única coisa que posso assumir é o compromisso de continuar trabalhando, mais nada”, lamentou.

De acordo com o “Globo Esporte”, nunca um treinador do Flamengo havia perdido as três primeiras finais no clube, um registo a que se junta a eliminação precoce no Mundial de Clubes. “Quanto à reação da torcida, eu compreendo”, concedeu Vítor Pereira. “Um resultado destes… eu mesmo se estivesse na torcida também me manifestaria. Agora, não tenho nenhuma indicação em relação a isso [demissão]. O trabalho está no início, o Brasileirão nem começou, estou de corpo e alma, tenho muitos anos de experiência. Sei que este momento é complicado e compreendo a reação dos torcedores.”

Questionado sobre o futuro do treinador português, a resposta de Marcos Braz, o vice-presidente do futebol do Flamengo, não foi exatamente tranquilizadora. “Não é o resultado que a gente queria, perder da maneira que a gente perdeu. Tem que rever alguma coisa, mas isso não passa por alguma troca ou situação que você vá às 22h, 23h da noite decidir”, explicou depois da final. “Amanhã [segunda-feira], com calma, vou estar com as pessoas que devo estar, muito provavelmente vou estar com o Vítor. Por enquanto, tudo normal.”

Vítor Pereira não conseguiu assim imitar o que três portugueses conseguiram. Nesse mesmo domingo, Abel Ferreira e o seu Palmeiras goleou o Água Santa, por 4-0, e conquistou o Paulistão. O treinador português continua insaciável a somar títulos. Já Ivo Vieira, no Cuiabá, bateu a União Rondonópolis e conquistou o Campeonato Mato-Grossense. Na mesma toada cantou Renato Paiva, o treinador do Bahia, que superou o Jacuipense e conquistou o Campeonato Baiano.

Vítor Pereira e o seu elenco não terão assim tanto tempo para lamber feridas e redefinir ideias. Daqui a dois dias joga para a Taça do Brasil e já no domingo, 16 de abril, arranca o Brasileirão. A estreia será contra outro português: o Coritiba de António Oliveira.