A marosca visual vem a calhar, está em conluio com a fanfarronice do sujeito. Equipado à treino, cara descontraída e com rugas de expressão a vincarem a bochecha com uma reação de ‘o que fiz eu?’, tem o tronco virado para a câmara e dois corpos no seu costado. Apenas se veem as caras: uma pertence à canalha, tem pele lisa e jovem, vira-se também para a frente com penteado cosmopolita; da outra avista-se apenas um longo cabelo louro, mais desconchavado, com o jogador virado à retaguarda e a apontar a cara para baixo. São dois prismas contrastantes.
Na coincidência ocular captada pela fotografia, Zlatan Ibrahimovic tem na sua espalda quem mire à frente e também quem olhe para trás. No background do avançado do rabo de cavalo, pêra na barba e peito insuflado do seu próprio oxigénio, o par de silhuetas compôs a imagem a que o sueco se auto-proclamou, sem surpresas, sem que os 41 anos lhe tenham temperado a auto-estima. “Na minha idade, não podemos pensar no futuro, mas pensamos no presente, ainda que eu seja o passado, o presente e o futuro”, disse tão zlatanescamente, sentado com microfones e câmaras a fixá-la, com os longos cabelos soltos nos ombros.
Ninguém levantará um sobrolho por ficar a saber desta frase vinda de Zlatan. De caráter revoltoso, o filho de uma croata, dona de poucas posses para o sustentar e a mais quatro irmãos, em criança foi viver com o pai bósnio, também emigrado num bairro problemático de Mälmo, na Suécia. Alto e narigudo, o rapaz que forrava as paredes do quarto com posters de Ronaldo, o ‘Fenómeno’ brasileiro, via latas de cerveja e pouca comida quando abria o frigorífico, chegou a roubar em lojas de rua e a ponderou abdicar da sua promessa futebolística para ser estivador no porto da cidade. No Mälmo convenceram-no a não mover o seu talento e esforçavam-se a tê-lo em primeira conta aquando das erupções de raiva, insolência ou confronto do adolescente.
Foi com essa postura de chateado - os ombros puxados atrás, os braços abertos, o queixo erguido pelo olhar desafiador, a cara de poucos amigos - que Zlatan Ibrahimovic entrou em campo na Friends Arena, em Estocolmo, na sexta-feira. Treze minutos sobravam na encaminhadora derrota da Suécia contra a Bélgica, uma seleção limitada pela sua magreza a pouco mostrar diante do apetrechamento de outra a reinventar-se em novo ciclo a começar com mais do mesmo, três golos de Romelu Lukaku. Com o belga trocou uma palmada de mão no final, só isso, um toque, inofensivo perante o passado de testas a baterem, dentes a rosnar, Romelu a proclamar-se “rei” de Milão e Zlatan a responder que “era um Deus” na cidade, quando já dera uma bicada “onde dói mais”, ao dar-se como alvo dos “rituais vudus” da mãe de Lukaku.