Futebol internacional

Morreu Just Fontaine, o recordista de golos num só Mundial que teria trocado a proeza por uma carreira mais longa

Morreu Just Fontaine, o recordista de golos num só Mundial que teria trocado a proeza por uma carreira mais longa
Mondadori Portfolio/Getty

O ex-jogador francês faleceu aos 89 anos, depois de uma vida que ficou marcada pelos 13 golos que apontou no Campeonato do Mundo de 1958, até hoje o máximo numa só edição da prova. Nascido em Marrocos, de pai francês e mãe espanhola, retirar-se-ia aos 29 anos devido a problemas físicos

Morreu Just Fontaine, o recordista de golos num só Mundial que teria trocado a proeza por uma carreira mais longa

Pedro Barata

Jornalista

Just Fontaine habitou-se a ouvir sempre a mesma pergunta. Os anos iam passando, os Mundiais e as lendas iam-se sucedendo, mas ninguém superava o registo do francês no Suécia 1958. “Será que alguém, algum dia, baterá o seu recorde de 13 golos numa só edição?”, era a única questão que o planeta lhe parecia querer fazer. Certo dia, ao “Le Parisien”, Fontaine magicou uma história para brincar com a interrogação.

“Estamos no ano 4000. Arqueólogos descobrem uma múmia que se move: o homem lá dentro ainda está vivo. É incrível! Quando libertam a múmia, a primeira coisa que ela pergunta é: ‘o recorde de golos do Just Fontaine num só Mundial já foi batido?’ Daqui a 2.000 anos, se ainda jogarmos futebol, é bem possível que ainda se faça esta questão. E a resposta será, provavelmente, ‘não, ainda não’”.

O humor foi a forma que Fontaine arranjou para falar de uma proeza que, desde os 24 anos, teve agarrada a si, qual etiqueta que o caracterizava mais que nada, ainda que sempre tenha garantido “não puxar do assunto”, mas sim “ser questionado por outros sobre ele”. Aos 89 anos, depois de uma vida vivida sob a condição de uma façanha única, Just Fontaine faleceu.

Philippe Caron/Getty

Fontaine nasceu em Marraquexe, em 1933, quando Marrocos ainda vivia presa ao colonialismo. Filho de pai francês, trabalhador numa tabacaria, e de uma mãe espanhola, tendo outros seis irmãos. Cedo a família foi viver para Casablanca, onde Just começou a jogar futebol, no USM Casablanca, destacando-se como goleador ainda adolescente.

O Nice contratou-o em 1953, viajando o jovem de 20 anos para França. Logo na primeira temporada fez 20 golos, do total de 51 que apontaria em três campanhas no clube.

O impacto imediato no Nice valeu-lhe a estreia pela seleção francesa em dezembro de 1953. Num jogo contra o Luxemburgo, começou a avisar o que estaria para vir: marcou quatro golos numa goleada por 8-0. No entanto, Fontaine foi excluído da convocatória para o Mundial 1954, na Suíça. Nesse período, cumpriu o serviço militar.

Em 1955/56, Fontaine ajudaria o Nice a vencer o primeiro dos quatro campeonatos franceses que o avançado conquistou. No final dessa época, o ainda jovem assinou pelo Stade de Reims, o mais poderoso clube do país na altura, onde viveria os melhores anos da carreira.

Foram 145 golos em 152 jogos no Stade de Reims, com três ligas, uma taça, duas supertaças e o segundo lugar na Taça dos Clubes Campeões Europeus em 1958/59, perdendo na final contra o Real Madrid das cinco conquistas seguidas. Mas seria na Suécia, em junho de 1958, que Fontaine ganharia um lugar na eternidade.

Convocado para o Mundial depois de ter sido o melhor marcador da liga francesa, o dianteiro, então com 24 anos, partia para o torneio como teórico suplente de Raymond Blair, o titular. No entanto, uma lesão do companheiro abriu-lhe as portas da titularidade — e da história.

Hat-trick na estreia, contra o Paraguai; bis na segunda partida, diante da Jugoslávia; um golo frente à Escócia, no último duelo da fase de grupos; dois festejos contra a Irlanda do Norte, nos quartos-de-final; um golo contra o Brasil de um Pelé de 17 anos, que eliminaria a França, nas meias-finais; um póquer no encontro de atribuição do terceiro lugar, frente à Alemanha.

Marcar 13 vezes em seis jogos de um só Mundial, um registo jamais igualado. Miroslav Klose, recordista de golos na história da competição, precisou de quatro edições e de 24 jogos para marcar 16 golos. Ronaldo Nazário tem 15 golos em 19 partidas, Gerd Müller marcou 14 vezes em 13 desafios, Messi tem os mesmos golos de Fontaine, mas em 26 duelos. Pelé disputou quatro Mundiais e marcou em 12 ocasiões, Cristiano Ronaldo esteve em cinco fases finais e tem oito golos. Eusébio da Silva Ferreira fez nove só em 1966.

O Suécia 1958 será, para sempre, o Mundial do Brasil de Pelé, quando um adolescente deslumbrou o mundo e iniciou uma dinastia de domínio na competição. Mas é, também, o verão de Fontaine, que levou a França ao terceiro lugar.

Ver os 13 golos do gaulês nascido em Marrocos é testemunhar um atacante rápido, com o número 17 nas costas, capaz de ganhar as costas aos defesas e galopar decididamente para a baliza. Há finalizações de todo o tipo: em velocidade, rematando na passada, tirando defesas da frente, fintando o guarda-redes ou de cabeça, aspeto em que era especialmente forte — “salto tanto para rematar que, quando desço, tenho neve no cabelo”, chegou a dizer.

Fontaine e Eusébio, em 2003
PASCAL PAVANI/Getty

No total, tem uns fantásticos 31 golos em 21 internacionalizações. Na seleção, formou uma dupla especial com Raymond Kopa, o driblador que brilhou, também, no Stade de Reims e no Real Madrid de Di Stefano. Sobre Fontaine, Kopa disse que “era o avançado que se adaptava perfeitamente” ao seu jogo, porque “estava certo que o encontraria quando saísse da finta”.

Um final precoce

A carreira de Just, com 290 golos em 304 partidas oficiais, acabaria muito cedo, aos 29 anos. Uma fratura de tíbia e perónio, contra o Sochaux, foi o princípio do fim. Depois de uma longa recuperação, voltou aos relvados contra o Limoges, mas sofreu nova lesão. Em 1962 anunciou a retirada, lamentando “ter os melhores anos pela frente”.

Fontaine, que confessou em 2013 “ter estado perto” de rumar ao Botafogo de Garrincha, confidenciou, ao “Le Parisien”, que “trocava o recorde no Mundial por ter jogado futebol mais tempo”, já que era a sua “paixão de vida”.

Juntamente com outros futebolistas, como Kopa, Fontaine foi o fundador do sindicato de jogadores franceses. Terminada a vida como futebolista, o recordista de golos numa só edição de um campeonato do mundo abraçou a vida de treinador.

Em 1967, chegou a ser selecionador de França, numa altura conturbada da equipa. Orientou somente dois jogos. “Nunca fui pago, então foi fácil para mim demitir-me após duas derrotas”, brincou.

Foi, também, selecionador de Marrocos e treinador do PSG nos primórdios do clube da capital. Subiu os parisienses à primeira divisão, mas seria despedido por “ser muito próximo dos futebolistas”. “Os dirigentes acusavam-me de jogar às cartas com eles e isso não agradou”.

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