Há coisa de dois mês constatava-se a fartura da farra, berros e canções a encherem um balneário em Hamilton, nos antípodas da Nova Zelândia, com as jogadoras unidas numa festarola da brava motivada pela proeza histórica. Em fevereiro, a seleção nacional era bandeiras a servirem de aventais, abraços ensopados em lágrimas e gritaria festiva após ganhar aos Camarões no play-off que confirmou a inédita qualificação das portuguesas para um Mundial. Também Francisco Neto, a tentar, mas incapaz de esconder a exultação, participava nas festividades.
Pouco tempo houve para celebrações. As futebolistas embarcaram na boleia com asas de volta ao país, onde aterraram perante uma apoteose e receção feita por Marcelo Rebelo de Sousa, anfitrião de uma honra que o selecionador nacional assistiu à distância, com a sua cara de sono num ecrã gigante do Palácio de Belém: eram altas horas da madrugada na Nova Zelândia, por onde ficara já a adiantar preparativos para o retorno da seleção no verão. Quando chegou o tempo de se tornarem a reunir, ele pouco mudou.
Esta quinta-feira, em pé e a pisar o tartã do velhote Estádio 1.º de Maio, em Braga, o treinador falou em clima mais informal aos jornalistas na espécie de conferência de imprensa improvisada na véspera do primeiro jogo de Portugal neste pós-apuramento para o Mundial. Trocando apenas um nome entre as 25 convocadas, Francisco Neto apresentou-se sorridente, só podia. “Acima de tudo, estão muito felizes e animadas, com muita ansiedade para começar. Era um sonho muito grande, de muita gente, tivemos a felicidade de o poder vivenciar e nota-se que ainda está presente. Agora, é muita responsabilidade para o que aí vem”, explicou o técnico, esquivando o discurso do clima de festa que convém findar.
Neste primeiro estádio depois da história e no último antes de matutar, escolher e anunciar as jogadoras que irão ao Mundial, o selecionador quer “perceber em que estado” se encontra a equipa, focando-se “no processo”, na “competitividade” e na “organização”. Ajudará sempre ao sorriso que se ganhe ao Japão, na sexta-feira (17h, Canal 11) e ao País de Gales, na próxima terça (17h30, Canal 11), mas a prioridade que injeta nas palavras para fora, certamente já vincada para dentro, é outra: “Temos de dar um passo em frente no nosso nível”.
As jogadoras “têm consciência” disso, garante Francisco Neto, trilhando-lhes o desafio coletivo que terá já diante das japonesas, outra estirpe de adversárias - já foram campeãs mundiais, em 2011, finalistas vencidas quatro anos mais tarde e têm nomes salpicados por equipas inglesas, italianas e alemãs. “O Japão tem um jogo posicional, principalmente com bola, muito diversificado, tem muitas opções por dentro e por fora, é uma equipa com muita variabilidade e jogadoras muito técnicas, que decidem sempre muito bem”, radiografou o treinador acerca de uma seleção “muito poderosa” que o provou na recente She Believes Cup, o torneio anual organizado pelos EUA, onde teve “prestações dominadoras”.
É contra uma seleção, salvas as diferenças, espelhada um pouco nas intenções da equipa portuguesa - “é um bocadinho à imagem daquilo que nós queremos, mas com outro tipo de jogo posicional pela estrutura que utilizamos” - que Francisco Neto pretende ver as futebolistas a chegarem-se à frente. “Temos de crescer na nossa capacidade de ter bola sob pressão”, explicou, ciente do que aí virá no Mundial onde será “impossível” estar “90 minutos só a defender” frente aos EUA e aos Países Baixos, das mais fortes seleções que Portugal poderia apanhar: “Queremos ter bola, dominar algumas partes do jogo e crescer nesse momento. É algo que temos vindo a trabalhar, estamos melhores do que estávamos no passado, mas temos de continuar a crescer para conseguir competir ainda mais com estas equipas de topo. Conseguir ter bola sob pressão é muito importante para nós.”
A descida à relva da seleção nacional era uma obrigação. As jogadoras estão nem a três meses de voltarem a partilhar aviões, escalas e adaptação a outros fusos horários que o Campeonato do Mundo lhes exigirá. A personalidade em campo e a capacidade para ter bola no pé contra seleções que são quase bichos-papões é o passo seguinte a dar nos pulos de crescimento de Portugal. Contra as japonesas se vai trabalhar uma intenção a replicar contra norte-americanas e neerlandesas - “o grande desafio será evitar a posse de bola que o Japão tanto gosta, sermos nós com ela e deixar o Japão intraquilo”.