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Futebol feminino

As mulheres no futebol português, uma obra inevitável e com memória

Esta é uma viagem pela história da seleção que conseguiu o apuramento inédito para o Mundial de futebol feminino, da voz de uma jogadora que esteve no primeiro jogo da história, em 1981, aos relatos de como a luta se fez nas décadas seguintes

Hugo Tavares da Silva

Michael Bradley - FIFA

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Era difícil convocar mais portugalidade para o derradeiro delírio. Depois de esbanjar golos que prometiam uma qualquer paz na alma, a seleção portuguesa acabou o play-off intercontinental contra Camarões em agonia. O golo de Carole Costa, de penálti, chegou depois da hora. Os olhos já faziam os preparativos para o festival de chuva. Com o apito final em Hamilton, na Nova Zelândia, as futebolistas portuguesas abraçaram-se como se fossem um bloco fabricado por uma matéria mais digna e resistente do que as outras. De lágrimas nos olhos e fado nos ouvidos e a saltar da garganta, celebravam o momento histórico: Portugal qualificava-se para o Campeonato do Mundo pela primeira vez.

Foram precisos 13 jogos, entre a fase regular no Grupo H e os play-offs continental e intercontinental, e mais de 65 mil quilómetros pelos céus para celebrar um feito que parecia a maior das utopias em outubro de 1981. Foi aí que tudo começou. Os incrédulos rumores da criação da seleção de futebol feminino esfumaram-se quando as cartas foram redigidas e enviadas com os nomes das convocadas. Alfredina Silva, hoje coordenadora do futebol feminino do Boavista, viveu essa tarde mágica e eterna em Le Mans e, passados mais de 40 anos, colou-se à televisão às 6h30 da manhã para testemunhar o que Kika Nazareth, Tatiana Pinto e companhia dizem com os pés, inaugurando algo gigante para o desporto nacional. “Era o sonho de muitas meninas e de muitas mulheres”, diz ao Expresso. Aquela viagem a França invadiu-lhe o pensamento várias vezes durante a manhã de quarta-feira, cutucando a memória sobretudo com as companheiras que já cá não estão. “É também um momento de homenagem a essas pessoas”, desabafa, mantendo intacto o orgulho pelo empate a zero com as francesas, que iam já numa fase avançada na modalidade.

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    No mesmo pacote onde a seleção nacional se agarrou à história calhou-lhe, também, uma espécie de fava: no verão, quando viajar aterrar de novo na Nova Zelândia para jogar o seu primeiro Mundial, as jogadoras começarão logo por defrontar as vice-campeãs mundiais, seguirão para um duelo com o Vietname e, depois, fecharão a fase de grupos frente às vencedoras das últimas duas edições do torneio: as todo-poderosas americanas

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    Os rumores deram lugar a uma carta com a convocatória para a viagem a Le Mans, em outubro de 1981, para participar na estreia da seleção portuguesa de futebol feminino. Alfredina Silva, canhota e jogadora de linha, tinha 17 anos e agora, mais de quatro décadas depois, celebra o feito do grupo que se qualificou para o Campeonato do Mundo, lembrando as companheiras que já não estão e homenageando, entre outras, a capitã daquela altura, Fátima Azevedo. “Foi uma pessoa que lutou muito pelo futebol feminino”, recorda a coordenadora de futebol feminino e treinadora das sub-13 do Boavista. Na ressaca da felicidade, a ex-jogadora, de 59 anos, deixa um aviso: “Precisamos de não recuar e de não ficar deslumbrados com este resultado, que vai motivar mais meninas a virem para o futebol"

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    Francisco Neto teve de procurar um abrigo do ruído da festa que decorria no balneário da seleção nacional em Hamilton, na Nova Zelândia, ao atender a chamada da Tribuna Expresso. Após a inédita qualificação para o Mundial feminino, o selecionador nacional explicou como “é maravilhoso” conseguirem criar “referências” para “as meninas que começam a olhar para as seniores” e que, com mais um feito história, o objetivo da equipa mantém-se: “Queremos é que as pessoas se identifiquem connosco”

  • O futebol é delas, para sempre. E elas estão no Mundial, pela primeira vez
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    Com ironia na distância, a seleção nacional teve de ir aos longínquos antípodas da Nova Zelândia para garantir a presença no primeiro Mundial feminino da sua história. Com dois golos de defesas centrais, o último de penálti e já nos descontos, Portugal ganhou (2-1) aos Camarões com o tão português fado do sofrimento pelo meio, conseguindo a inédita qualificação. Um feito que é o culminar de sacrifícios feitos por várias gerações e uma pegada deixada para as que vierem a seguir. Este verão, as portuguesas vão jogar no Campeonato do Mundo