Era difícil convocar mais portugalidade para o derradeiro delírio. Depois de esbanjar golos que prometiam uma qualquer paz na alma, a seleção portuguesa acabou o play-off intercontinental contra Camarões em agonia. O golo de Carole Costa, de penálti, chegou depois da hora. Os olhos já faziam os preparativos para o festival de chuva. Com o apito final em Hamilton, na Nova Zelândia, as futebolistas portuguesas abraçaram-se como se fossem um bloco fabricado por uma matéria mais digna e resistente do que as outras. De lágrimas nos olhos e fado nos ouvidos e a saltar da garganta, celebravam o momento histórico: Portugal qualificava-se para o Campeonato do Mundo pela primeira vez.
Foram precisos 13 jogos, entre a fase regular no Grupo H e os play-offs continental e intercontinental, e mais de 65 mil quilómetros pelos céus para celebrar um feito que parecia a maior das utopias em outubro de 1981. Foi aí que tudo começou. Os incrédulos rumores da criação da seleção de futebol feminino esfumaram-se quando as cartas foram redigidas e enviadas com os nomes das convocadas. Alfredina Silva, hoje coordenadora do futebol feminino do Boavista, viveu essa tarde mágica e eterna em Le Mans e, passados mais de 40 anos, colou-se à televisão às 6h30 da manhã para testemunhar o que Kika Nazareth, Tatiana Pinto e companhia dizem com os pés, inaugurando algo gigante para o desporto nacional. “Era o sonho de muitas meninas e de muitas mulheres”, diz ao Expresso. Aquela viagem a França invadiu-lhe o pensamento várias vezes durante a manhã de quarta-feira, cutucando a memória sobretudo com as companheiras que já cá não estão. “É também um momento de homenagem a essas pessoas”, desabafa, mantendo intacto o orgulho pelo empate a zero com as francesas, que iam já numa fase avançada na modalidade.