A centenária história do Manchester City tem momentos mais vitoriosos que outros e também mais milionários que outros, mas, fora algumas magras exceções, há uma constante: a camisola azul bebé e o calção branco como equipamento principal, com uma pontual mudança para um azul bebé total, como aconteceu na temporada passada.
Em mil-oitocentos-e-troca-o-passo, quando o Manchester City se consolidava como clube, as mulheres ainda não jogavam futebol de forma profissional - aliás, em Inglaterra estiveram mesmo proibidas de o fazer entre 1921 e 1971 - e por isso as preocupações com o conforto dos equipamentos eram exclusivamente masculinas. E mesmo numa altura em que o futebol feminino está em rápido crescimento, mesmo neste nosso século XXI, continuam em larga escala a sê-lo.
Mas, aos poucos, alguns passos estão a ser dados para que as mulheres, quando jogam futebol, tenham apenas e somente o futebol na cabeça.
O Manchester City, em conjunto com a Puma, marca alemã que veste as equipas dos cityzens, decidiu abandonar os históricos calções brancos nas suas formações femininas, porque a tradição também se muda quando o que está em causa é o bem-estar das atletas. Jogar de calções brancos em plena menstruação é um fator de preocupação e desconforto para as futebolistas, que temem que possíveis manchas de sangue se possam notar. Essa aflição foi expressa, por exemplo, por Beth Mead, internacional inglesa, durante o Europeu do último verão, quando a seleção da casa jogou totalmente de branco.
“A cor branca não é prática naquela altura do mês”, sublinhou a avançada, que deixou então o desejo que a federação e a Nike, empresa que equipa as seleções inglesas, mudassem a cor dos calções, dando voz a uma inquietação que era regular tema de conversa entre todas as jogadoras. “É muito bonito ter um equipamento todo branco mas, por vezes, não é prático. Lidamos com isso o melhor que podemos”, disse ainda. Contudo, Inglaterra, que até viria a sagrar-se campeã europeia, acabou por fazer todos os jogos da competição de branco.

A seleção inglesa jogo de branco completo durante o Europeu de 2022. Várias atletas pediram alterações nos calções
Naomi Baker/Getty
Se no verão as jogadoras não lograram as alterações desejadas, no City elas vão acontecer mais rápido do que o esperado. As mudanças estavam inicialmente acertadas apenas para a próxima temporada, mas na quarta-feira, em jogo a contar para a Taça da Liga, frente ao Blackburn Rovers, as jogadoras do City já usaram camisola azul bebé e calções bordeaux, algo que, de acordo com o The Athletic, será para manter até ao fim da época.
O Manchester City é a equipa mais importante do futebol feminino inglês a ouvir as preocupações das atletas e abandonar os calções brancos, algo que o Stoke City e o West Bromwich, do terceiro escalão, já tinham adotado no início da temporada. Num comunicado conjunto entre a Puma e a equipa de Manchester, as duas entidades sublinham que têm “orgulho em trabalhar de forma próxima com as atletas, com o intuito de apoiá-las e criar o melhor ambiente possível para que se sintam confortáveis a competir ao mais alto nível”. A comunicação frisa que a decisão resultou do “feedback das jogadoras” e da vontade destas de não quererem jogar com calções brancos quando estão com o período.
Período ainda condiciona as atletas
Antes da segunda participação da seleção de Portugal no Europeu feminino, em julho deste ano, Rute Costa, uma das guardiãs convocadas, reconheceu à Tribuna Expresso que, como a jogadora mais recuada nas equipas onde atua, um dos seus “trabalhos” é cuidar das colegas que estão, naquele momento, menstruadas, e que temem que o sangue deixe mancha nos calções.
“Temos muito essa preocupação e é muito comum, durante os jogos, quem está atrás olhar. ‘Vê lá, se vires alguma coisa avisa-me’”, confessou a internacional portuguesa, que apontou ainda que essa é uma preocupação normal “sobretudo nos dias de maior fluxo, porque há ali algum tempo em que não dá para trocar o penso ou o tampão” e as jogadoras estão mais expostas e condicionadas.
Um estudo de março de 2022 da Women in Sport’s, associação britânica dedicada à promoção do desporto no feminino, concluiu que, num universo de 4 mil jovens, 78% dizem que evitam praticar desporto quando estão com o período. O desconforto é uma das razões e ele passa não só pelo lado físico como pelo medo que algo se note no equipamento. A decisão do Manchester City pode ajudar a criar um efeito dominó e a riscar cada vez mais essa preocupação da mente das atletas.