Fórmula 1

Fora das pistas de F1 a luta foi muito maior: pela igualdade, direitos humanos e ambiente. E aí venceram Lewis Hamilton e Sebastian Vettel

Fora das pistas de F1 a luta foi muito maior: pela igualdade, direitos humanos e ambiente. E aí venceram Lewis Hamilton e Sebastian Vettel
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A competição entre os monolugares foi intensa até ao último minuto, mas o que se passou do lado de fora foi tão ou mais importante. Dois pilotos de Fórmula 1 usaram a sua visibilidade, e da modalidade, para passar mensagens importantes a nível social. Este ano a luta de Lewis Hamilton e Sebastian Vettel foi, também, outra. No final, saímos todos vencedores

Do Reino Unido para o mundo inteiro, das pistas de karting para as de Fórmula 1, das corridas lado a lado com o pai até ao topo da modalidade, por sete vezes, com duas equipas. A história de Lewis Hamilton poderia aparecer ao lado das palavras perseverança, confiança e esforço, nos dicionários. E a última parte da temporada 2021, incluindo o passado domingo, voltou a provar isso mesmo.

Brasil, Catar e Arábia Saudita foram palco para a perseverança do piloto que chegou ao primeiro destino com menos 19 pontos que o principal rival, Max Verstappen, e terminou as três corridas com três vitórias e o mesmo número de pontos que o neerlandês. Em Abu Dhabi, o esforço deixou-o durante 57 voltas na frente do outro candidato ao título.

E de novo, a fazer lembrar os seus tempos de escola, mudou a ordem dos acontecimentos e Hamilton acabou por não chegar ao primeiro lugar do pódio. Dentro da pista. É que do lado de fora foi, sem qualquer dúvida, um dos grandes campeões da temporada. E não, já não falamos só de Fórmula 1.

A mudança começou em maio de 2020, quando o assassinato de George Floyd criou um movimento contra o racismo a nível mundial e fez o sete vezes campeão do mundo começar a dar voz pela justiça social: “Eu estava em lágrimas, e surgiram estas coisas que eu tinha reprimido ao longo de todos estes anos. Foi tão poderoso e triste, mas também libertador. E pensei: 'Não posso ficar calado'. Quando decidi falar, fui eu a dizer à comunidade negra: 'Eu ouço-vos e estou com vocês'”, disse Hamilton ao 'The Guardian' no passado mês de julho.

Quando a temporada de Fórmula 1 de 2020 regressou, após ter sido adiada devido à pandemia causada pela covid-19, Hamilton vestiu uma camisola com as palavras ‘Black Lives Matter’ por cima do fato e ajoelhou-se de forma a mostrar o seu apoio à causa. Com ele, outros 13 pilotos repetiram o gesto, seis permaneceram de pé.

A partir desse dia, Lewis Hamilton nunca mais virou a cara a esta luta. E a temporada 2021 é prova disso.

Este ano regressaram as camisolas com frases como “racial inequality hides in plain sight” ("a desigualdade racial esconde-se à vista de todos"), “in the name of justice we raise our voices” ("em nome da justiça levantamos as nossas vozes") ou “in the race for equality, commitment is the driving force” ("na corrida pela igualdade, o compromisso é a força impulsionadora"). O piloto confirmou mais tarde que, no conjunto, as frases de todas as camisolas da temporada são um poema escrito por si e por George The Poet.

Mark Thompson

Mas Hamilton não ficou só pelos gestos simbólicos. No passado mês de julho, o piloto britânico lançou um relatório da The Hamilton Commission, em parceria com a Royal Academy of Engineering, que deixou à vista de todos as desigualdades no mundo dos desportos motorizados, que começam cedo através dos diversos obstáculos que os estudantes negros enfrentam ao longo do percurso académico. Como o próprio enfrentou. Além disso, o piloto trabalhou ainda no desenvolvimento de 10 recomendações que servem para encorajar quem quer seguir uma carreira na área.

No mesmo mês lançou ainda a fundação Mission 44, que tem como objetivo apoiar comunidades com pouca representação na indústria no Reino Unido. Inicialmente, o piloto deixou a promessa de investir 20 milhões de libras da sua conta pessoal na fundação.

Ainda antes do final da temporada, Hamilton alertou para mais um problema a nível social.

“Há meses que penso nestas últimas três corridas, na localização, e tento educar-me sobre as questões que nos rodeiam aqui. E elas não são pequenas, são grandes questões", disse o piloto à Sky Sports.

As últimas corridas tiveram lugar no Catar, Arábia Saudita e Abu Dhabi, locais que frequentemente são notícia pela violação dos direitos humanos. Hamilton não virou a cara ao problema.

Um dos momentos mais impactantes foi quando o piloto surgiu no primeiro treino livre, no Catar, com um capacete com as cores do arco-íris, representativo da comunidade LGBTQ+, e com a frase “love is love” ("amor é amor"). Isto num país onde a homossexualidade é considerada um crime.

O piloto acabou por usar o capacete até ao final da temporada e continuou a defender a igualdade de direitos para todos em diversas entrevistas. Além disso, foi partilhando mensagens nas suas redes sociais que foram deste “we stand together” ("estamos juntos") a "equality for all” ("igualdade para todos").

Trabalho de equipa

A Fórmula 1 é um desporto individual, mas ao mesmo tempo de equipa. Neste campeonato fora da pista, Hamilton não levou o título de campeão sozinho. Também Sebastian Vettel se manteve alerta e usou a sua voz para tentar impulsionar a mudança no mundo.

A corrida em Silverstone, no Reino Unido, acabou em festa para os adeptos da casa, uma vez que Hamilton venceu. Menos bonito foi a quantidade de lixo que deixaram para trás, nas bancadas, quando saíram ao final do dia. Algo que Vettel não deixou passar e, em conjunto com um grupo de adeptos, dedicou-se a limpar as bancadas do circuito. No dia seguinte, o piloto alemão seguiu o percurso que esse lixo fez até à central de resíduos para aprender sobre o processo de reciclagem.

“Penso que uma coisa é perceber em que tipo de situação nos encontramos e a segunda é compreender que não há alternativa. Não é que isto seja apenas uma tendência e depois seguimos em frente e voltamos ao normal. Isto é o nosso normal e só se tornará um problema maior se não agirmos", disse Vettel em declarações à ESPN, referindo-se à questão da emergência climática.

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Na corrida seguinte voltou a dar a cara. Ele e Hamilton. No Grande Prémio da Hungria, os dois pilotos demonstraram o seu apoio à comunidade LGBTQ+, que lida diariamente com leis anti-LGBTQ+ implementadas pelo governo local. Vettel decidiu até, contra os regulamentos, manter vestida a camisola com as cores do arco-íris durante o hino do país.

Nas últimas três corridas do campeonato, Vettel voltou a fazer-se ouvir. Focado no tema da desigualdade entre géneros, o piloto organizou uma corrida de karting só com mulheres. O objetivo passou por transmitir a sua experiência na pista e também passar-lhes alguma confiança. Mas principalmente abordar estes problemas pelo lado positivo, é que não há muito tempo as mulheres estavam proibidas de conduzir na Arábia Saudita.

“Sinto que não chegamos a lado nenhum apenas sendo tão negativos, porque, no final, entristece-nos. Muito mais inspirador é destacar os [lados] positivos, ouvir aqueles que foram tocados e cuja vida foi melhorada”, afirmou Vettel.

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Lewis Hamilton foi campeão mundial de Fórmula 1 por sete vezes e Sebastian Vettel outras quatro. Têm os nomes escritos na história da modalidade e isso poderia chegar. Mas não chega. A tarefa maior passa por mudar o mundo.

“Maldito seja se vencer todos estes campeonatos e tiver todo este sucesso e não usá-lo para fazer mudanças”, disse Hamilton durante a série ‘Drive to Survive’.

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