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Max Verstappen. Mistura-se a exigência do pai com a impaciência do filho e nasce um campeão mundial de Fórmula 1

O pai já passou pela Fórmula 1, a mãe pertenceu também ao mundo do automobilismo. A chegada de Max Verstappen à categoria-rainha seria apenas uma questão de tempo. E parece que foi fácil, mas não foi. O compromisso com o karting desde os quatro anos, a exigência do pai e o objetivo de se tornar o melhor do mundo. A pressão não acaba no mundo do neerlandês, que se sagrou este domingo campeão mundial pela primeira vez

Rita Meireles

Lars Baron

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Se a vida de Max Verstappen fosse escrita, o mais provável é que tudo fosse acontecer exatamente da mesma forma que aconteceu até hoje.

Quem olha para ele, não duvida que é filho da pessoa que, em 1992, terminou o Karting World Championship na 26.ª posição, na frente do piloto de Fórmula 1 Giancarlo Fisichella. Dois anos depois, estava já no 17.º lugar. Em 1995, chegou à vitória numa corrida do Andrea Margutti Trophy, onde venceu nomes como Jarno Trulli e Allan Simonsen. E foi ainda colega de equipa de Jenson Button, que mais tarde se tornou campeão de Fórmula 1.

Neste exemplo claro de que ‘filho de peixe sabe nadar’ não falamos de Jos Verstappen. Falamos de Sophie Kumpen, a mãe do piloto. Mas se a sabedoria popular for ‘faz o que eu digo não faças o que eu faço’, aí falamos do ex-piloto de Fórmula 1 que desenhou a carreira do filho para que esta fosse melhor do que a sua.

“Eu consigo ser agressivo”, disse Verstappen ao website ‘The Race’. “Gosto de competir de uma forma dura e penso que o meu pai também o fez. Acho só que tenho um pouco mais de delicadeza no meu estilo de condução. Mas foi também nisso que trabalhamos desde que era muito pequeno. O meu pai queria que eu me tornasse melhor do que ele”.

Ainda assim, foi Max que decidiu que queria ser piloto e inicialmente a ideia não agradou ao pai. O plano de Jos era simples: esperar até que o filho tivesse seis anos. Mas, com apenas quatro anos, a impaciência e vontade de competir eram já duas das características de Max.

“Na verdade, foi decisão minha. Depois de ir à pista de karting e ver um miúdo mais novo a conduzir, telefonei ao meu pai, que na altura estava no Canadá para a F1, e disse que queria conduzir. Inicialmente ele disse que não. Ele queria que eu esperasse mais dois anos, mas comecei meio ano depois, quando tinha quatro anos e meio”, disse Max em entrevista ao ‘Gentleman’s Journal’.

Mark Thompson

Seguiu-se uma parceria entre pai e filho que ainda hoje é visível nos fins de semana de Fórmula 1, mas que nem sempre agradou a todos. Os métodos que Jos escolheu para trabalhar com Max foram diversas vezes questionados, mas é o filho que garante que foi tudo para o seu bem.

“Não creio que muitas pessoas tenham tido orientação desde muito jovens, como eu tive. Eles recuperam o atraso, aprendem muito. Mas desde muito jovem aprendi muito de imediato”, refletiu Max.

Que aprendeu, segundo entrevista de pai e filho ao ‘The Race’, desta forma:

Se Max estava a ganhar uma corrida com demasiada facilidade, Jos dizia-lhe que ele não poderia ultrapassar em determinadas zonas da pista. Por um lado dificultava-lhe o trabalho, por outro ensinava-o a encontrar novas soluções.

Para Jos, o feeling é o mais importante para um piloto: “Muitas equipas, nessa altura [do karting] estavam a olhar para os dados durante 45 minutos. Eu disse-lhes: 'Não quero isso. Cinco minutos está bem, mas dêem-lhe tempo na pista’”.

Durante os meses de inverno o feeling era outro. Quando se deslocavam aos treinos, Jos deixava sempre a carrinha ligada para que Max se pudesse aquecer. 10 voltas à pista e o piloto já queria parar, três minutos a aquecer e o pai já o queria de volta à pista, mesmo com os dedos congelados.

“E ele não conseguia mexer os dedos, mas eu não me importava. Queria testar coisas, porque estava a construir motores, a mudar chassis, e queria ter um resultado porque queria seguir em frente”, disse Jos.

Para o mais velho dos Verstappen, estes métodos não passavam de uma forma de impactar o filho: “Como pai, queres sempre ajudar o teu filho o melhor possível. Tentei empurrá-lo na direção certa”.

Tão rápido como um Fórmula 1

Ainda que muitos considerem os métodos de Jos pouco convencionais, é inegável que , por talento, educação, ou os dois, Max conseguiu tornar-se um dos grandes nomes da categoria-rainha. E também aqui não perdeu tempo. Talvez pela mesma impaciência que sentiu enquanto criança.

Hoch Zwei

Foram diversos anos no karting, mas foi em 2013 que chegou ao topo da modalidade, ao vencer o campeonato mundial. No ano seguinte estreou-se na Fórmula 3, pela Van Amersfoort Racing, onde terminou na terceira posição, atrás de Esteban Ocon e Tom Blomqvist.

Na ordem natural das coisas, seguia-se mais algum tempo na F3 ou a passagem para a Fórmula 2. Mas Max deu o salto diretamente para a Fórmula 1.

Em agosto de 2014 foi anunciado que o piloto iria integrar o programa de jovens pilotos da Red Bull. Apenas seis dias depois, Max foi anunciado como piloto da equipa Toro Rosso para a temporada 2015 do Mundial de Fórmula 1.

Ainda em 2014, o piloto começou a bater recordes. Com a preparação da temporada seguinte em mente, Verstappen participou no primeiro treino livre do Grande Prémio do Japão, tornando-se o piloto mais jovem da história da modalidade a participar num fim de semana de corrida. Tinham passado apenas três dias desde o dia em que completou 17 anos.

Com Carlos Sainz como colega de equipa, conseguiu pontuar em 11 das 14 corridas que terminou, sendo que dois quarto lugares (Hungria e Estados Unidos) foram as suas melhores posições. No final do ano de rookie, tinha 49 pontos.

No ano seguinte, quatro corridas depois do início da temporada, Verstappen foi chamado à equipa principal da Red Bull para substituir Daniil Kvyat, antes do Grande Prémio de Espanha. Para surpresa de muitos, o piloto neerlandês venceu logo a primeira corrida ao serviço da nova equipa. E novo recorde: o vencedor de uma corrida mais jovem da história da F1.

Na primeira temporada ao serviço da Red Bull conquistou 204 pontos e a quinta posição no campeonato de pilotos.

Clive Mason

Ao longo dos anos seguintes Max e a Red Bull foram sempre ganhando terreno em relação aos agora principais rivais: Lewis Hamilton e a Mercedes. Em 2020, o piloto era já visto como um dos principais entre os 20 que constituem a grelha, mas foi em 2021 que os adeptos começaram realmente a acreditar que poderia ser Max Verstappen a terminar com a série de vitórias seguidas de Hamilton.

E quem o disse foi alguém que já anda nisto há muito tempo: “O Max está a conduzir, na minha opinião, um passo à frente de todos nós”, afirmou Fernando Alonso, duas vezes campeão mundial.

E assim foi. Este domingo, Max Verstappen conquistou pela primeira vez o Mundial de Fórmula 1.

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