O final de uma carreira, seja no desporto ou em qualquer atividade profissional, é sempre um momento de mixed feelings. Depende de quando e como acontece. Depende se é planeado, desejado ou apenas imposto.
No futebol e tal como também acontece com os jogadores, os árbitros são confrontados com essa inevitabilidade.
O surgimento de lesões crónicas, a falta de motivação, a exaustão emocional, uma desilusão inesperada (despromoção, por exemplo) ou o limite de idade são quase sempre as razões que os levam a pendurar o apito.
No último jogo - para aqueles que têm a felicidade de saber que o é - a homenagem que lhes é tributada não é (nem podia ser) a mesma que recebe quem joga à bola, mas é sentida e quase sempre um momento de extraordinário fair-play e reconhecimento assumido pelas duas equipas e colegas de sempre.
É marcante, intenso, emotivo e jamais será apagado da memória de quem fecha um dos ciclos mais importantes das suas vidas.
No passado fim de semana, o árbitro assistente André Campos - que faz o favor de ser meu amigo há quase trinta anos - optou por encerrar a sua longa carreira nessas funções. Saiu nas suas condições, porque entendeu que essa era a decisão que melhor defendia o seu interesse e os interesses da sua arbitragem.
Fez bem.
Irá seguramente assumir agora outras funções, mas a bandeira na mão e a análise de foras de jogo milimétricos passou agora a ser apenas uma memória bonita para recordar mais tarde. No dia após ao último SC Braga-Sporting, publicou esta mensagem, que com sua autorização, agora partilho:
"Chegou ontem ao fim a inacreditável história de um puto gordo e ‘caixa de óculos’, que contra todas as probabilidades enfrentou o destino e um dia ousou ser árbitro assistente.
Acabou quando eu quis…
Acabou como eu quis…
Acabou com quem eu quis… num estádio cheio. Com duas grandes equipas. Naquela que é a grande festa do Futebol. Rodeado de amor por todos os lados.
Arbitrar jogos de futebol foi a minha principal ‘razão de viver’ nos últimos vinte anos. Foi o meu foco e a minha determinação em procurar os meus limites. Foi superar-me dia após dia, para ser uma versão cada vez melhor de mim. Foi dar o meu máximo, sabendo de antemão que nesta atividade nem sempre o máximo é suficiente.
A arbitragem é a minha casa há quase trinta anos e o Futebol Profissional foi a Família que eu fui ‘construindo’ nos últimos dezassete.
Ontem, muito sinceramente, eu não esperava tanto! De jogadores, de treinadores, de dirigentes, de delegados, da imprensa, de tanta, tanta, tanta gente (alguma bem anónima…) que fazem com que o Futebol Profissional em Portugal possa andar para a frente, e com quem tive o privilégio de me cruzar ao longo de todo este tempo. O vosso reconhecimento, é a minha principal vitória!
Tal como tive a oportunidade de dizer ao Nuno Luz da SIC, eu teria de nascer mais três vezes para conseguir devolver ao futebol tudo o que o futebol me deu. Arbitrei em quase quarenta países espalhados pelo Mundo. Vivi experiências incríveis. Conheci estádios e jogadores, que eu julgava que só ia ver nas cadernetas de cromos. O futebol e a arbitragem deram-me alguns dos meus melhores amigos que levo para a vida e como canta o Sérgio Godinho: “Coisa mais preciosa no Mundo não há!”
A todos aqueles que durante o dia de ontem me fizeram chegar mensagens o meu muito obrigado. Apear de tudo, tenho más notícias para vocês: não se vão livrar de mim com essa facilidade! Vemo-nos por aí…
Até já!"
Nota pessoal - Em cada árbitro, árbitro assistente, vídeo árbitro, observador ou dirigente de arbitragem, há uma pessoa exatamente igual àquela que agora lê esta crónica.
Era tão bom que víssemos para lá da espuma...