Matt Busby e Alex Ferguson são nomes que se confundem com um clube. O Manchester United nunca teria o mesmo estatuto e os mesmos valores sem a influência desses dois senhores. Não só porque ganharam, mas pela forma como ganharam. No futebol inglês, onde tantos ricos nadam juntos na piscina, a competência na definição de projetos a longo prazo e o acerto na figura do treinador tornou-se indispensável. Guardiola, Klopp e Arteta servem de exemplo. Erik ten Hag entrou em Old Trafford com a missão de anular o fosso para os rivais. Isso não se faz de um dia para o outro. Faz-se através da recuperação de uma cultura que se perdeu em 2013.
Antes de acontecer, já se sabia que a herança de Ferguson seria demasiado pesada. O clube moldou-se à imagem do treinador, dentro e fora de campo. Mourinho ganhou títulos e até destacou a passagem por Manchester como um dos melhores trabalhos da carreira. Mas nunca conseguiu “mandar” na casa e sofreu com um balneário em que os egos perturbavam o sentido coletivo. No fundo, queriam estar acima da equipa. Nunca faltou talento em Old Trafford, olhando para a camisola 7 e não só. O símbolo sempre foi mais importante, com o papel do treinador em evidência na imposição de valores.
Os “Busby Babes” não ganharam o nome por acaso e representam a influência de Matt Busby no recrutamento e desenvolvimento de jogadores. Sob o comando do lendário técnico escocês, e apesar do trágico acidente aéreo de Munique, conseguiram ajudar na afirmação do clube. A United Trinity (Best, Charlton e Law) é amplamente recordada, sobretudo pela conquista de 1968. Nunca o treinador passou para segundo plano. Depois de um jejum de muitos anos, chegou Alex Ferguson e a história repetiu-se. A “Class of 92” é nem mais nem menos do que a base de um processo ganhador. Uns mais talentosos, outros nem tanto. Todos importantes.
Cantona, Andy Cole, Rooney ou Cristiano Ronaldo foram entrando para um clube onde os papéis estavam atribuídos. Esse sempre foi um dos maiores trunfos da liderança de Fergie. Construía plantéis de equilíbrios, onde havia quem sujasse os calções (alguns deles até com escassa qualidade) para que outros brilhassem. Ao mesmo tempo, tornou-os representantes do clube. Sabiam o que era jogar no Man. United. Por vezes, olhávamos para o 11 em campo e existia um desequilíbrio assustador. Só que a equipa funcionava nesse registo e conseguiu andar no topo desde meados da década de 90 até ao início da década de 2010.

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Mais do que qualquer mérito tático, é a definição de papéis e a disciplina que Erik ten Hag vai impondo que ajudam a perceber este impacto inicial. “Criar uma cultura ganhadora” é a expressão mais repetida nas conferências de imprensa. Mas as palavras, por si só, não mudariam nada. Bateu-se com o estatuto de Cristiano Ronaldo, dividindo o mundo até se perceber que a equipa ficou a ganhar. Castigou Rashford, deixando-o sentado no banco no jogo em Wolverhampton. Avisou Lisandro Martínez de que os festejos pós-Mundial não podiam ser eternos. Afastou Maguire da titularidade e fez de Bruno Fernandes capitão. Escolheu Weghorst, que não é o avançado mais talentoso do mundo, mas beneficia outros - até jogando praticamente como médio.
O perfil dos reforços ajudou a criar uma equipa mais competitiva e resiliente. Lisandro Martínez calou todos os analistas de alturas para ser um dos centrais de referência na Premier League. Dá tudo pela equipa e melhora Varane. Casemiro, goste-se mais ou menos, chegou para dominar o meio-campo e para contagiar positivamente os restantes. Nasceu para ganhar títulos. Bruno Fernandes tem de se sentir importante e a saída de Cristiano Ronaldo abriu espaço para que recuperasse o protagonismo no último terço. Aplica-se o mesmo a Rashford, que se prepara para a melhor época da carreira. Chegam-se à frente os líderes naturais, futebolisticamente e pelo peso no balneário.
Erik ten Hag não está a trabalhar para ganhar um título isolado. Está a trabalhar para que o Man. United possa estar na luta por todas as provas. Se calhar o clube não sabia totalmente quando o contratou, mas encontrou a figura certa para marcar a viragem. Há outros emblemas, como o Real Madrid, em que os treinadores deixam as estrelas desfilar. Desde os anos 50 e 60, quando nasceu a dimensão europeia, é essa a cultura. Recentemente, a liderança próxima de Zidane e Ancelotti deu a superioridade na Champions. O passado dos Red Devils mostra outra coisa. Por aí se constrói o futuro.