A pressa de Gyökeres, a arte de Edwards e a tranquilidade do Sporting
PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty
O sueco assistiu duas vezes o inglês para abrir caminho para a goleada (5-1) dos líderes da I Liga contra o Estoril. A equipa de Vasco Seabra chegou em grande forma a Alvalade, mas os ataques rápidos dos leões sentenciaram a partida
Eles são uma dupla de aparente contraste, uma cara e uma coroa, personalidades opostas que se expressam antagonicamente em campo. Gyökeres, o sueco possuído pelo feitiço da procura incessante da baliza adversária, o ponta-de-lança viciado em receber e partir em velocidade, a agressividade feita dianteiro, e Edwards, o inglês de poucas palavras e muitas fintas, o canhoto do futebol cheio de nuances, tricotado, que roda uma e outra vez sobre os adversários, o criativo que faz do relvado uma série de pequenos obstáculos que se vão contornando.
Um parece adorar viver da criação de linhas retas para o golo, num jogar sobre auto-estradas, outro dá a ideia de querer criar círculos perfeitos rumo à área, um conjunto de trajetórias complexas que, por magia, levam à baliza adversária. Tão diferentes na forma, tão unidos no propósito que os une.
O Sporting 2023/24 é, obviamente, o Sporting de Gyökeres. Mas, como personagem secundária de luxo, lá está Edwards, normalmente como arco que dispara a flecha sueca. No abrir do novo ano na I Liga, os papéis dos craques contrastantes inverteram-se.
Viktor vestiu a pele de assistente, Marcus a de rematador. Da associação entre ambos surgiram os dois primeiros golos do contundente 5-1 que os verde e brancos aplicaram ao Estoril.
A equipa visitante chegava a Alvalade como espécie de conjunto da moda do futebol nacional, embalado pela direção técnica de Vasco Seabra e pelo muito talento do seu plantel. Com 14 golos marcados nas últimas cinco rondas, o perigo que o Estoril representava para o Sporting era evidente, mas os líderes do campeonato aproveitaram essa confiança para arrasarem os canarinhos à base de ataques velozes.
Os primeiros minutos trouxeram logo perigo para Marcelo Carné, com Inácio e Pote a estarem perto do 1-0, mas a fórmula verde e branca foi outra: recuperação, ataque rápido, velocidade de um sueco aparentemente impossível de parar e golo.
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Deixar que os companheiros de Gyökeres tenham espaço para lançar as correrias do sueco é uma espécie de suicídio tático. Partiu daí a goleada: aos 21', Hjulmand lançou o ex-Coventry, que encostou em Rodrigo Gomes com uma brutal superioridade física e serviu Edwards para o 1-0.
Embalado pela vantagem, o Sporting deu continuidade ao bom arranque, procurando acelerar rumo à nona vitória em nove partidas em casa na I Liga. Geny Catamo ameaçou o 2-0, mas o mago do fim de tarde era mesmo o inglês tímido dos mil e um dribles.
Marcus Edwards teve um encontro em que juntou a fome ao talento, a agressividade à leveza dos pés, a contundência nos duelos ao ziguezague na condução de bola. No seu futebol de artista, entre a agilidade que o faz receber e virar-se desafiando as leis da física, ficou a centímetros de bisar depois da meia-hora, antes de Nuno Santos, servido por Quaresma, ousar um chapéu, que foi bem defendido por Carné.
A abundância de talento no plantel do Estoril permite que Mateus Fernandes, indisponível por estar cedido pelo Sporting, seja substitúido por Koba Koindredi, médio elástico que leva a equipa para a frente enquanto serpenteia com conforto na zona do campo mais povoada. No entanto, os visitantes tiveram problemas para chegar perto de Adán, com Guitane e Rodrigo Gomes longe do destaque recente. Só com 3-0 é que o perfume de Rafik apareceu, mas Quaresma negou o golo ao jovem cedido pelo SC Brage e Tiago Araújo teve má pontaria. Entretanto, os problemas para defender Gyökeres mantinham-se.
O futebol do sueco é como a vida em loop, em repetição. Parece que o contexto ou a circunstância não importam, já que a ordem é sempre acelerar e acelerar, atacar com fúria e fogo, uma cavalgada eterna só com um propósito.
Em cima do descanso, o pesadelo abateu-se novamente sobre o talentoso Estoril. Viktor com espaço, contra-ataque, assistência para Edwards, 2-0.
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O recomeço reforçou as sensações da etapa inicial. A vontade que o Estoril manifestava em ter bola era traída pela desinspiração dos visitantes, o poderio do Sporting no aproveitamento dos espaços e a pressa de Gyökeres, o goleador que não sabe o que é parar.
Aos 51', a bola saiu para lançamento de linha lateral. Os leões venciam 2-0, o sueco poderia aguardar que a equipa subisse, gerir o tempo. Nada disso. Sempre a correr contra o tempo, lançou rapidamente para Nuno Santos, que rematou contra Pedro Álvaro para o 3-0.
Com a atribuição dos três pontos decidida, Rúben Amorim lançou Trincão, dando um contexto favorável ao talento do canhoto que em tempos levou o Barcelona a contratá-lo. Com o Sporting sereno e tranquilo, com Alvalade em comunhão com a equipa e 2024 a chegar de sorriso rasgado, o final do desafio foi de banquete leonino.
O 4-0 chegou aos 69', através de outro artista de verde e branco. Pote fez o golo mais Pote possível, partindo como médio na recuperação de bola e terminando como atacante na entrada da área, finalizando subtilmente, numa carícia que pediu à bola que fosse beijar as redes.
Assente no conforto do marcador, Trincão aproveitou as águas tranquilas para dar um cheirinho do perfume que vem das suas botas. Atirou uma vez ao poste, apontou o 5-0 num belo lance individual, esteve na génese de um tiro de Pote ao poste, mesmo a terminar. No meio da diversão dos talentosos, Cassiano fez o 5-1 para o Estoril.
A partida não terminaria sem nova demonstração da obsessão de Gyökeres, que até ao apito final viveu no seu ciclo repetitivo pessoal, correndo, rematando, pressionando, indo em busca de um golo que, desta feita, não chegou. Mas há algo de contagioso nesta forma de vida do sueco que quer catapultar o Sporting para a felicidade.