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Crónica de Jogo

Inter - FC Porto. A expulsão de Otávio abriu caminho ao derrube da muralha europeia de Diogo Costa

Só o cartão vermelho visto pelo internacional português aos 78' desequilibrou o competitivo jogo de Milão, decidido (1-0) por um golo de Lukaku aos 86'. Antes disso, ambos os guardiões brilharam, lamentando os campeões nacionais algum desperdício na finalização numa eliminatória que ficou em aberto

Pedro Barata

Anadolu Agency

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Não é novidade que Otávio é a extensão futebolística do pensamento de técnico de Sérgio Conceição, quase personificação em campo das ideias do homem do banco, que até já apelidou o médio de “jogador-treinador”. Conceição quer agressividade e Otávio é agressivo; Conceição quer gente identificada com a sua equipa e Otávio vai na sétima época a trabalhar com o antigo ala, numa relação que dura desde Guimarães.

Conceição quer qualidade que não tema sujar os calções e Otávio é o homem com formação de médio-ofensivo e ADN de operário; Conceição quer uma equipa moldável, que se adapte a várias estruturas e desenhos, e Otávio é o canivete-suíço do plantel, atuando mais por dentro ou mais por fora, mais perto dos médios ou mais próximo dos atacantes.

Assim, é natural que a saída do homem que transporta parte da memória tática da equipa a faça abalar. Aos 78', Çalhanoğlu, outro outrora médio de ataque que se reinventou — tornou-se regista, primeiro elemento de criação —, ludibriou Otávio e este derrubou o turco. Falta, segundo amarelo, primeira expulsão do internacional português em 266 desafios pelo FC Porto. A partir daquele momento, os dragões, tantas vezes felizes em Itália nas épocas recentes, passaram a viver perto de Diogo Costa, desejando que o árbitro Jovanovic apitasse o mais cedo possível.

O guardião português foi um dos destaques da fase de grupos da Liga dos Campeões, defendendo penáltis atrás de penáltis. Em Milão, na casa do mítico goleador Giuseppe Meazza, Diogo Costa ameaçava nova exibição que fazia lembrar um muro, uma muralha romana erguida por todo o continente, até com direito a uma defesa de andebol.

Mas a estrutura de proteção conferida pelo último defensor das redes dos azuis e brancos foi impotente perante o desconforto tático gerado pela ausência da extensão de Sérgio Conceição. O Inter apertou e apertou, até que aos 86' chegou ao 1-0. Lukaku, procurando reencontrar-se com a versão que mostrou na primeira passagem por Milão, quando se tornou dos mais temíveis avançados do mundo, deu a vitória aos italianos. Vai tudo em aberto para o Dragão, onde uma das piores notícias para Sérgio Conceição será não contar com Otávio.

Mattia Ozbot - Inter/Getty

Sérgio Conceição entrou num estádio que bem conhece fazendo uso do seu extenso manual de soluções táticas, com Otávio atrás de Taremi e Galeno e Pepê partindo das alas. Na tentativa de condicionar a saída de bola dos italianos, os dois últimos pressionavam Skriniar e Bastoni, centrais exteriores do Inter, ficando, quase sempre, João Mário e Zaidu emparelhados com Dimarco e Darmian, os alas dos locais.

Se Conceição começou a tentar bloquear a construção do Inter, essa missão dificultava sempre que Çalhanoğlu recebia e, fazendo uso da sua técnica de passe, tirava a bola da zona de pressão. Foi assim que, aos 13’, oxigenou o jogo para a esquerda, onde Dimarco cruzou para Lautaro cabecear por cima, ou que aos 28’ tentou servir Dzeko com um passe a sobrevoar a defesa dos visitantes. O próprio turco testou a atenção de Diogo Costa aos 18’, na sequência de um canto da esquerda. Foi a primeira defesa do guardião português.

Depois de um arranque de embate com algumas dificuldades para chegar perto de Onana, um bom lance de ataque aos 27’, culminando em remate por cima de Grujic, abriu caminho ao crescimento do FC Porto. Conseguindo roubar em zonas mais subidas, os campeões nacionais tiveram a melhor oportunidade da etapa inicial aos 37’: Otávio viu a desmarcação de Taremi, o iraniano que tem um radar do campo na cabeça deu de calcanhar para Grujic e o sérvio disparou para defesa de Onana. Na recarga, Galeno cabeceou ao lado em grande posição.

O primeiro tempo terminou com novo grande momento de Diogo Costa na Liga dos Campeões. Após livre da direita e desvio surpreendente de Uribe, o português evitou o golo com um gesto com o braço esquerdo, qual guardião de andebol.


A grande defesa de Diogo Costa em cima do intervalo

A grande defesa de Diogo Costa em cima do intervalo

Jonathan Moscrop/Getty

Em 10 jogos em casa contra equipas portuguesa, o Inter nunca perdeu e arrancou a segunda parte tentando um golo que aproximasse os nerazzurri desse objetivo. Barella, o médio de amplo raio de ação a quem os colegas chamam radiolina, por estar sempre a falar e se assemelhar a um rádio dentro de campo, roçou o 1-0 num remate cruzado aos 52'.

O passar dos minutos criou algum nervosismo nos adeptos do Inter, o qual terá contagiado a equipa, mais ansiosa e menos criteriosa. O FC Porto aproveitou para, em dois momentos, chegar com grande perigo perto de Onana.

Taremi chegou a Milão tendo marcado nas quatro partidas anteriores da Liga dos Campeões, mas num dos templos do futebol mundial não foi eficaz. Aos 55', após contra-ataque conduzido por Pepê, o iraniano rematou enrolado para defesa de Onana. Dois minutos depois, o guardião camaronês fez duas grandes defesas, a primeira a remate de Zaidu e a segunda novamente a tiro de Taremi.

Aos 74', num remate em arco, Taremi voltou a ameaçar, logo a seguir a Lautaro chegar atrasado a um cruzamento de Lukaku. Com os azuis e brancos a conseguirem chegar com perigo à baliza adversária, sair de Itália sem golos poderia ter um sabor amargo, sobretudo pelo desperdício de uma das maiores figuras da equipa. Mas logo essa sensação mudou e o 0-0 passou, subitamente, a ser um tesouro a conservar.

MARCO BERTORELLO/Getty

A expulsão de Otávio, aos 78', mudou por completo o jogo. O FC Porto, confiante na sua defesa por só ter sofrido um golo nos derradeiros oito encontros, foi para junto de Diogo Costa, o seu seguro de vida na competição. Lautaro e Barella desperdiçaram, mas Lukaku, à segunda, não. Oito minutos depois do vermelho, o golo encaixado.

Depois do 1-0, Diogo Costa ainda voltou a construir uma barreira entre a bola e as redes, parando com a cara um remate de Lukaku, ainda que o belga estivesse em fora-de-jogo. Se, depois das oportunidades falhadas por Taremi, poderia haver alguma frustração azul e branca com o 0-0, os últimos minutos foram mais a tentar levar a eliminatória em aberto para o Dragão do que propriamente tentando chegar perto de Onana.

Apesar do golo encaixado, os danos foram minimizados. A 14 de março há receção ao Inter no Porto, onde Sérgio Conceição tentará voltar a eliminar uma equipa do campeonato que o projetou como jogador de dimensão internacional. Terá de o fazer sem a extensão do seu pensamento no relvado.