Podíamos falar de Otávio, dos passes a rasgar que magneticamente encontraram colegas, da bateria inesgotável a meio-campo, da atitude permanente de dente arreganhado. Ou de Taremi, dos golos que marca e dos golos que ajuda a criar. Da lição estudada de Sérgio Conceição, da importância de se aprender com as derrotas, para mais com uma que foi das mais humilhantes do FC Porto em sua casa na Europa. Ou da reação coletiva de uma equipa que sabia que a vitória era essencial frente a outro conjunto que ainda nem sequer havia sofrido golos nesta edição da Liga dos Campeões.
Tudo isso, diga-se, foi construindo a vitória do FC Porto em casa do Club Brugge por 4-0, uma resposta precisa ao desaire pesado que os belgas impingiram ao campeão português no Dragão, mas talvez pouco se notasse se não fosse aquele segmento de tempo entre os 48 e os 51 minutos, quando a equipa de Sérgio Conceição, a vencer por 1-0, se viu na iminência de sofrer um golo de penálti, ainda para mais após uma falta algo patética de David Carmo, que já com a bola longe achou por bem atingir Mechele.
Mas, não estava escrito. Ou melhor, Diogo Costa não deixou que se escrevesse, porque nestas coisas do futebol, há eventos que podem parecer do campo do esotérico, mas são mesmo terrenos. Vanaken foi o primeiro a tentar aquilo que o Bayer Leverkusen não conseguiu por duas vezes: ultrapassar o guarda-redes do FC Porto a partir da marca dos 11 metros. O remate saiu-lhe ao centro e Diogo Costa defendeu o terceiro penálti nos últimos três últimos jogos na Champions - e parece que é mesmo o primeiro da história a fazê-lo na mesma temporada.
A história, dita assim, já valia encíclicas laudatórias ao guardião, foguetes, bocas abertas de espanto, enfim, é escolher. Mas ainda iria melhorar. O árbitro mandou repetir o pontapé de penálti, como que desmanchando o prazer dos comuns mortais que não nasceram de betão e com asas como Diogo Costa. E ele voltou a não deixar a bola tocar as redes. O Club Brugge até mudou de marcador, colocou Lang para bater o remate, que saiu forte e aparentemente colocado, mas Diogo esticou a mão, impenetrável, intransponível, um soco seco que parecia gritar à senhora Champions, com a voz anasalada de Ronald Reagan que ele aprendeu nos filmes, “tente lá deitar abaixo este muro”, um muro chamado Diogo Costa.
STEPHANIE LECOCQ/EPA
E a partir daqui tudo mudou. Um putativo empate, para mais numa altura em que o Club Brugge parecia espevitar-se um pouco depois de uma primeira parte dominada pelo FC Porto, transformou-se num momento de fervor de futebol do FC Porto. Cinco minutos depois daquela improbabilidade estatística do outro lado do campo, Evanilson fez o 2-0, num lance confuso mas com todo o mérito para os dragões, que não desistiram da segunda, nem da terceira, talvez nem da quarta bola e ainda souberam aproveitar um ressalto na área de Sylla que deixou o brasileiro bem colocado em frente a Mignolet. E logo a seguir, aos 60’, numa jogada perfumada do ataque do FC Porto, Galeno acelerou, deixou na área para Taremi, que recebeu à meia-volta antes de passar para Eustáquio, a aparecer pela esquerda.
Com 3-0, a vitória estava mais que garantida, a derrota no Dragão mais que vingada e as únicas más notícias da noite eram os amarelos a David Carmo e Uribe que os deixam fora da última jornada com o Atlético Madrid. O FC Porto jogava bem, pressionava o Club Brugge, mostrava em voz alta que todos os erros de abordagem ao jogo no Porto haviam sido apreendidos e corrigidos. Ao ponto da goleada, porque ainda havia tempo para mais um momento de brilhantismo coletivo dos dragões, com o 4-0 a surgir de uma recuperação em zona alta (uma de muitas), de uma das inúmeras arrancadas letais de Galeno, que passou para Otávio, com o internacional português em boa posição a preferir passar de calcanhar, atrasado, para a entrada de Taremi, que bisou depois de já ter marcado o primeiro golo da noite, na primeira parte, também de um passe de Otávio, dessa vez mais pragmático e menos malabarista, a rasgar toda as linhas adversárias com aquela visão de ave de rapina.
O FC Porto até pode qualificar-se já esta quarta-feira para a próxima fase. Basta que o Atlético Madrid não vença frente ao Bayer Leverkusen. Se não, fica tudo para resolver na última jornada. E os dragões até parecem melhor, porque nem toda a gente tem a sorte de jogar com a vantagem competitiva de ter um muro na baliza, um muro que no final ainda teve a audácia de fazer mais uma grande defesa, numa das únicas vezes que a defesa azul e branca deu espaço ao espanhol Jutglá - o que também diz muito da exibição do FC Porto na Bélgica.