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Crónica de Jogo

Sporting - FC Porto. As mãos que deixaram escapar a Taça preferida de Amorim são a alegria em que se tornou a maldição de Conceição

À 16.ª edição, o FC Porto estreou-se a vencer a Taça da Liga, derrotando (2-0) o Sporting, que havia conquistado a prova em quatro das últimas cinco épocas. Um erro de Adán, após remate de Eustáquio, abriu o marcador, antes de os leões desperdiçarem várias oportunidades na primeira parte, terem Paulinho expulso na segunda e verem Marcano selar o resultado final aos 86'

Pedro Barata

O momento em que Adán deixa escapar o remate de Eustáquio

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

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Havia uma espécie de elo mágico a conectar todo o Sporting à Taça da Liga. Triunfador da prova que está em constante mudança de formato em quatro das derradeiras cinco épocas, em Alvalade mora Rúben Amorim, com nove vitórias finais na competição, seis como jogador e três como treinador, sem nunca ter conhecido o sabor da derrota nesta prova. Até hoje.

Do lado oposto na relação com a Taça da Liga estavam o FC Porto e Sérgio Conceição, que neste cenário competitivo têm mil e um traumas, dos penáltis contra o Fátima (2007/08) à reviravolta relâmpago de Jovane Cabral (2020/21), do 3-0 contra o Benfica no Algarve (2009/10, com golo de Rúben Amorim) às duas finais perdidas contra o Sporting de Braga (2012/13 e 2019/20, ambas com Amorim do outro lado, a primeira como futebolista e a segunda como treinador). Os opostos encontravam-se em Leiria, mas de lá saíram com os papéis pré-definidos virados de pernas para o ar.

Numa final que teve uma primeira parte marcada pelo desperdício na finalização do Sporting e uma segunda com as quezílias, conflitos e paragens a que, infelizmente, estes clássicos nos habituaram, o FC Porto impôs-se por 2-0 e quebrou a maldição na Taça da Liga, conseguindo assim um feito raro: venceu os últimos quatro troféus nacionais. À Taça de Portugal e I Liga de 2021/22 e Supertaça desta campanha une-se agora a prova que começou a abandonar Alvalade por entre as mãos de Adán.

Entre a instabilidade emocional da temporada do Sporting, o que menos a equipa de Rúben Amorim precisava era de ficar em desvantagem cedo. Mas isso aconteceu logo no primeiro remate do embate. Aos 10', depois de Pepê ganhar a linha a Coates, Eustáquio rematou de fora de área, nem muito colocado, nem com muita força. Adán tentou agarrar a bola, ela escapou-lhe e entrou na baliza. 1-0 e os leões a terem, desde muito cedo, de correr atrás do prejuízo.

O remate de Eustáquio para o 1-0

O remate de Eustáquio para o 1-0

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

A resposta do Sporting foi pronta, com Pote a assistir Edwards para que o inglês contornasse Cláudio Ramos e colocasse a bola no fundo das redes, mas o lance foi anulado por fora de jogo do inglês. O sempre adaptável FC Porto de Conceição apostou numa espécie de 4-3-3, com Pepê e Galeno a pressionarem os centrais exteriores dos verde e brancos (Inácio e Matheus Reis), mas a verdade é que, durante o primeiro tempo, foi muitas vezes muito fácil para o Sporting chegar perto da baliza rival.

Até ao intervalo, os leões remataram 10 vezes, contra duas dos dragões, acertando duas vezes nos postes; tiveram 64% de posse, conquistaram quatro cantos contra um, viram Cláudio Ramos, Marcano e Pepe salvar situações in extremis. Mas a espécie de depressão associada a esta época em Alvalade — por falta de acerto, por infelicidade, por capricho dos deuses — não dá tréguas nem no troféu em que tudo costumava correr bem e não houve empate.

Com a veterana dupla de centrais dos campeões nacionais feita bombeiro a tentar acudir a diversos fogos de perigo, Morita rematou frouxo aos 24', Porro e Pote remataram à barra e ao poste em lances seguidos aos 36', Paulinho perdeu muito tempo e rematou contra Ramos aos 42', Pepe tirou o golo a Paulinho aos 45+1'.

O festival do desperdício do Sporting foi, em parte, um resumo da época. O futebol tem momentos de qualidade, com saída de bola pausada, mudanças de flanco a encontrarem Porro em vantagem, Edwards a ligar bem o jogo e a desequilibrar entre-linhas. Mas os golos são falhados numa baliza, são concedidos com facilidade na outra e entra-se, depois, num terreno de desespero, de ansiedade, de luta contra o destino. Onde em tempos houve estrelinha, agora há bloqueio. Sem conseguir o 1-1 no primeiro tempo, entrou-se noutra final na segunda parte.

Paulinho lamenta-se após nova oportunidade desperdiçada

Paulinho lamenta-se após nova oportunidade desperdiçada

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

Paulo Futre, com o seu carisma apto para todas as situações, sejam momentos com solenidade protocolar, anúncios a estimulantes sexuais masculinos ou duetos com Toy, surpreendeu ao levar a bola para a final feito homem de entrega de pizzas. Mas, se a presença do ziguezagueante canhoto inspirou um primeiro tempo agitado, a segunda parte esteve longe desse ritmo.

Com o Sporting a ter mais dificuldades para desequilibrar e o FC Porto rapidamente a jogar com o relógio, houve bem menos ação na etapa complementar. Cada equipa só rematou uma vez à baliza rival, com os leões a só criarem verdadeiro perigo em tempo de descontos, já depois do 2-0.

Tentando agitar a final, Amorim lançou Fatawu, que não jogava pela equipa principal desde 13 de dezembro, para o lugar de Nuno Santos, mas isso não contrariou a versão controlo dos dragões. Com as faltas e paragens a sucederem-se — só a partir dos 63' houve sete cartões amarelos —, o decorrer dos minutos era bem mais do agrado de quem seguia em vantagem.

Com o embate de Leiria a entrar em território conflituoso, seria um desses episódios que proporcionaria nova machadada a um Sporting já sem o vigor do primeiro tempo para se aproximar de Cláudio Ramos. Aos 63', Paulinho viu um primeiro amarelo, reincidindo aos 72' e sendo expulso. O que já estava difícil tornou-se uma montanha para escalar para os bicampeões da competição.

Marcano remata para o 2-0 final

Marcano remata para o 2-0 final

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

Os minutos finais levaram Rúben Amorim a uma novidade que, no contexto da era do ex-internacional português em Alvalade, é digna de registo. O técnico abdicou da linha de três centrais, abordando a parte final numa espécie de 4-4-1. Dias depois de uma vaga referência ao 4-4-2 como estrutura a ter em atenção para o futuro, veremos se os próximos tempos trarão ao Sporting vida além dos três homens na retaguarda.

Com o Sporting debilitado, Marcano selou o resultado final aos 86', após assistência de Pepê. O central espanhol, de 35 anos, foi um dos melhores na final, impecável no tempo de entrada aos lances, mesmo nos momentos de maior domínio do adversário.

O FC Porto, finalmente, inscreveu seu nome na lista de vencedores da Taça da Liga. Os instantes finais tiveram cenas pouco dignificantes para o futebol português, com mais alguns conflitos, empurrões e discussões que parecem não levar a lado nenhum.

Para o Sporting, a final perdida junta-se à forte hipótese de ficar sem Pedro Porro, mais um golpe emocional numa campanha em que os leões parecem andar sempre a lutar contra a falta de felicidade. A Taça que costumava alegrar Alvalade, a competição que tantas vezes trouxe êxito a Amorim, foi novo golpe na temporada leonina. Para felicidade de quem aproveitou esse escorregar por entre as mãos, o FC Porto de um Sérgio Conceição que vai cimentando um estatuto muito especial na história do clube: são já nove títulos erguidos ao comando dos azuis e brancos.