No momento “fantástico” do ciclismo português, que já é “visto de outra forma”, os 38 anos de Rui Costa vão pedalar em mais um Giro d’Itália
Dario Belingheri
Aos 38 anos, Rui Costa ainda está aí para as curvas. O ciclista vai pedalar na sua 11.ª Volta ao Algarve e lá mais para a frente no Giro. Em entrevista, o histórico do ciclismo nacional elogio o atual momento da modalidade, diz que novos praticantes vão aparecer e gaba como hoje, para um Mundial, Portugal já consegue reunir “uma equipaça”
Rui Costa vai regressar à Volta a Itália com o objetivo de ganhar uma etapa, uma opção da EF Education-EasyPost que o ciclista português aceitou com entusiasmo, até por considerar que a prova italiana é “mais aberta”.
“[O Giro] posso dizer que foi uma opção tirada mais da parte da equipa e eu aceitei logo de bom agrado”, começou por explicar, em entrevista à agência Lusa.
Rui Costa adora o Tour e, por isso, se lhe tivessem dado a escolher, era na Volta a França que estaria. “Mas há coisas que nós, no destino, não podemos mudar e a equipa, neste caso, preferiu que eu fizesse o Giro e eu optei por dizer sim, porque eu acho que é uma corrida algo interessante para mim. É uma corrida mais aberta para aquilo que […] um corredor mais ou menos do meu perfil tenta encontrar”, avaliou.
Aos 38 anos, o poveiro vai alinhar pela terceira vez na ‘corsa rosa’, após ter participado nas edições de 2017 e 2022, considerando que esta tem “mais para oferecer” do que a ‘Grande Boucle’, uma corrida cada vez mais controlada, onde principalmente Tadej Pogacar “ganha muito” – no ano passado, foram seis as etapas que o esloveno da UAE Emirates conquistou, além da geral, à semelhança do que fez no Giro.
“Os outros, às vezes, também veem um pouco fragilidade - que é muito difícil que aconteça -no Pogacar e então talvez até que tomam a rédea da corrida para poder ganhar uma etapinha. A corrida está toda muito condicionada e é muito difícil para corredores do meu perfil quererem ganhar etapas”, notou.
Dada a ausência do campeão em título, o corredor da EF Education-EasyPost antecipa que a 108.ª edição da Volta a Itália possa ser “mais calma”, proporcionando-lhe aquele que “sem dúvida” é o seu principal objetivo: vencer uma etapa e completar a trilogia em grandes Voltas (tem três no Tour e uma na Vuelta).
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“Estaria a mentir se não dissesse que o Giro talvez fosse o objetivo principal [da época] não só a nível pessoal, mas a nível coletivo, porque levamos o Richard Carapaz. A equipa tem muita confiança nele, nós também, como companheiros, e eu acho que pode ser uma prova muito interessante para o Richard, porque ele fará o Giro, fará o Tour. Então, é uma boa prova para ganhar confiança”, perspetivou.
Apesar de Costa e a equipa terem objetivos partilhados, e do equatoriano ter pretensões a ‘bisar’ na ‘corsa rosa’, que conquistou em 2019, o português espera que as suas opções de lutar por uma etapa “realmente estejam bem vincadas”.
“Espero que não tenha que me massacrar de trabalho e no dia que entrar na fuga não estou a 100% para a disputar. Isso são coisas que, às vezes, as pessoas não têm noção, as pessoas não veem, mas basta que um dia antes ou dois dias antes tenhas tido muito trabalho em função do teu líder e, depois, nesse dia em que te dão a oportunidade, tu dizes ‘ok tenho que a aproveitar, mas nos últimos dois dias estive na frente do pelotão, desgastei-me bastante’”, realçou.
O corredor da EF Education-EasyPost “normalmente” gosta de entrar bem na temporada, mas este ano foi “um bocado mais cauteloso”, porque todo o percurso que tem traçado até ao Giro, que inclui presenças na Strade Bianche, Tirreno-Adriático, Volta à Catalunha, Flèche Wallone, Liège-Bastogne-Liège, com um estágio em altitude pelo meio, é “muito seguido” e não dá para descansar.
“Junto com a equipa, optámos por entrar um bocadinho com mais calma, ir progredindo agora com todas estas competições, de modo a chegar numa boa condição ao Giro”, completou.
Quinto classificado na Clássica da Figueira no domingo, o poveiro sente que a condição física “tem vindo a crescer”, depois de ter estado a ponto “de quase ficar doente” durante o Challenge de Maiorca.
“Entretanto melhorei, não cheguei a ficar doente, e então isso é muito bom. Tenho vindo a treinar nas últimas duas semanas após Maiorca, tenho vindo gradualmente a sentir-me melhor. Não estou como provavelmente estive há dois anos, mas estou contente, porque também a minha trajetória faz com que eu também não quisesse estar muito forte já no início da temporada”, explicou, quando questionado sobre as perspetivas para a Volta ao Algarve.
Assinalando “umas pinceladas novas no percurso” que tornam a 51.ª edição “mais interessante”, Costa voltou a enaltecer o prazer que é correr no seu país.
“É sempre muito agradável para mim poder correr em Portugal. É sempre uma opção que eu tenho sempre presente e, quando existe a oportunidade, eu marco logo o meu lugar da presença nestas corridas iniciais do ano aqui em Portugal”, lembrou à Lusa.
Hoje, o mais consistente português na prova na última década - foi terceiro em 2014, quarto em 2020 e quinto em 2013 e 2012 – vai partir para a sua 11.ª Volta ao Algarve, que arranca em Portimão e termina no domingo, com uma cronoescalada que leva o pelotão até ao alto do Malhão.
Rui Costa considera que o ciclismo português está a viver um momento fantástico, perspetivando um futuro auspicioso para as cores nacionais, alicerçado no sucesso da pista, mas também no potencial na estrada.
“Fantástico”, disparou ao ser questionado sobre como via os feitos recentes do ciclismo português, nomeadamente dos vigentes campeões olímpicos de madison Iúri Leitão e Rui Oliveira, que ‘lideraram’ uma comitiva que somou seis medalhas nos Europeus de pista que acabaram no domingo.
Campeão mundial de fundo em 2013, Rui Costa foi o único luso a vestir a camisola arco-íris na estrada e, hoje, mais de uma década depois do seu feito, defende que o ciclismo nacional está a passar “por uma altura muito boa”.
“É óbvio que as medalhas olímpicas foram a cereja no topo do bolo, porque realmente sabemos o quanto os Jogos Olímpicos mexem com as pessoas a nível emocional, e o ciclismo realmente ter conseguido as medalhas foi fantástico”, reforçou.
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Para Rui Costa, o ouro conquistado no madison e a prata alcançada por Leitão no omnium em Paris2024 alteraram o paradigma, nomeadamente a nível mediático, notando que as medalhas dos Europeus que terminaram no domingo foram muito mais divulgadas do que eram anteriormente, quando os feitos eram assinalados quase exclusivamente em páginas nas redes sociais dedicadas à modalidade.
“Hoje em dia, vejo uma partilha, em termos geral, muito maior. Isso é, sem dúvida, muito gratificante, ver que isso está a mudar em Portugal. O ciclismo está a ser visto de outra forma. Realmente, o ciclismo tem mudado muito e é bom. Fico super orgulhoso pela minha modalidade, neste caso não só de estrada, mas também a vertente de pista, que tem evoluído muito”, destacou.
O corredor da EF Education-EasyPost, de 38 anos, acredita que a modalidade em Portugal está “num bom caminho”, com muitos talentos a aparecer, referindo especificamente António Morgado, o ciclista de 21 anos da UAE Emirates que ganhou no domingo a terceira edição da Clássica da Figueira.
“É um motivo de orgulho para o futuro que vamos ter, e não só ele. Acho que muitos aparecerão. É óbvio que nós, em Portugal, não temos o mesmo sistema que têm outras nacionalidades, de podermos lançar cada vez mais atletas, mas eu acredito que isso está a mudar também. Sabemos o quanto este desporto é um desporto duro. Nem todos os pais querem meter os filhos no ciclismo”, evidenciou.
No entanto, apesar da dureza e perigosidade, sobretudo na estrada, Rui Costa confia que os êxitos recentes vão atrair novos talentos para uma modalidade a viver um período de ouro.
“O bom é que - coisa que nunca tinha acontecido no passado -, hoje em dia, se tens que estruturar uma equipa para um Mundial, já podemos dizer que é uma equipaça. Antigamente, íamos um bocadinho limitados, mas, agora, se tens que criar um lote de sete ou oito corredores, levas corredores de excelência”, avaliou.
O mais veterano dos ‘emigrantes’ nacionais – tem 38 anos - sublinhou ainda a diversidade dos ciclistas nacionais: “Estamos muito bem equilibrados nos atletas que temos. Nem somos muito pesados, nem somos muito leves. Acho que somos um tipo de atletas que respondemos a todo tipo de percurso. Isso é muito bom”.
“Acho que daqui para a frente o ciclismo, realmente, tem muito futuro e eu acho que é um motivo de orgulho para nós todos portugueses”, concluiu.