“Um dia vais ser campeão do mundo”: António Morgado, o ciclista com bigode que “mais vitórias vai dar a Portugal”

Jornalista
A tarefa para aquele dia era simples. Nos 80 quilómetros da Volta a Cantanhede, António Morgado tinha como missão endurecer o ritmo da corrida enquanto os seus colegas de equipa se protegiam. Ser a cara de um pelotão é um fartote de energia gasta. O corredor que lidera o grupo principal absorve o impacto do vento e os beneficiados são aqueles que seguem na sua roda, pois não encontram a resistência do ar e poupam-se ao cansaço. António Morgado seguiu o plano. Depois de uma vitória em França, era o momento para ajudar outros a triunfar. O problema foi que, mesmo em sacrifício, a velocidade que impôs foi tão alta que deu por si a ganhar a corrida sem que a equipa ou os restantes adversários o conseguissem acompanhar.
Lição? Não tentar travar quem nasceu para vencer.
Naquela altura, António Morgado era cadete e representava o Alenquer. Tinha os seus 16 anos. Ainda sem o pelo no buço que mais tarde ia ajudar a criar a alcunha de ‘Bigode Voador’, a carinha de menino não enganava ninguém. “Foi feito para correr de bicicleta”, recorda Nuno Alves, o treinador que ousou pedir-lhe que não entrasse para ser primeiro porque, “numa equipa de formação, nem sempre interessa a vitória”.
O corredor que ganhava mesmo quando não era suposto está em estreia no World Tour ao serviço da UAE Emirates, uma das equipas mais fortes do pelotão mundial. O sucesso não lhe deu descanso no início do ano 2024. Ganhou a camisola da juventude na Volta ao Algarve e intrometeu-se no sprint final da clássica de Le Samyn, na Bélgica, em que o photo finish determinou um segundo lugar. O maior sucesso chegaria na Volta à Flandres, na semana passada.
O ciclista natural das Caldas da Rainha precisou de morder a língua em muitas ocasiões. A camisola branca da UAE Emirates ia sendo tingida pelo tom da lama misturada com chuva. A bicicleta XPTO parecia um cangalho quando o pavé comprometia a aderência das rodas, motivo pelo qual António Morgado teve que percorrer alguns setores com os pés no chão. Não foram dificuldades exclusivas do português e, no final, só quatro corredores conseguiram terminar os 270 quilómetros da Volta à Flandres antes dele. Mathieu van der Poel foi o mais rápido a percorrer os caminhos empedrados e venceu de forma destacada. Nos corredores que se seguiram, à boleia da história, estava o ‘Bigode Voador’.
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