Na decisiva fase de uma das Grandes Voltas na Europa, com as pernas dos ciclistas a arderam perante tantas gargantuescas montanhas do Giro d’Itália, a British Cycling optou por ser mais uma entidade desportiva a assumir uma posição oficial quanto à participação de atletas transgénero em provas femininas. A decisão, anunciada esta sexta-feira, é de banir dessas provas todas as ciclistas que tenham feito a transição de homem para mulher “por uma questão de justiça desportiva”, após um processo de consulta que se arrastou durante cerca de nove meses (e pelo qual a organização pediu desculpa).
A British Cycling adotou uma postura ainda mais restrita do que a estipulada pela World Athletics, em março, quando fixou nos 2,5 nanomoles por litro de sangue o nível máximo de testosterona permitido em atletas trans para competirem nas provas femininas de atletismo. A federação britânica, aliás, antecipou-se à União de Ciclismo Internacional (UCI), ainda a matutar, até agosto, que alterações fará aos seus regulamentos depois Austin Killips vencer, já este mês, o Tour de Gila, pequena tirada de estrada nos EUA - a primeira vez que uma ciclista trans conquistou uma prova do calendário oficial do organismo.
As novas regras farão com que no ciclismo britânico mulheres trans compitam contra homens igualmente transgénero, além de atletas não binários, numa nova categoria. Quem governa o desporto com duas rodas e pedais no Reino Unido seguiu ou foi mais além das linhas decisórias da World Athletic e, também, da Federação Internacional de Natação (FINA) ou da World Rugby, entidades que foram das primeiras a reformular os seus regulamentos desde que o Comité Olímpico deixou o tema ao critério de cada federação, em novembro de 2021, quando emitiu uma diretiva intitulada “Justiça, Inclusão e Não-Discriminação com Base na Identidade de Género e Variações de Sexo”.
Que a Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC) saiba, não há “até ao momento”, no país, atletas transgénero a competirem na modalidade. Em resposta à Tribuna Expresso, a entidade considerou que a decisão da British Cycling “tenta manter a justiça desportiva, discriminando positivamente a participação feminina” devido ao “impacto da testosterona na fase da puberdade”, que “altera de forma definitiva a morfologia corporal” e “pode comprometer a equidade quando se colocam, lado a lado, a competir mulheres com mulheres trans”. Emily Bridges, a ciclista trans com melhores resultados, que aspirava a competir oficialmente pelo Reino Unido e deu “o corpo à ciência nos últimos dois anos”, criticou a medida, classificando-a como “um ato violento” e “um genocídio” contra atletas transgénero.
A FPC defende o ciclismo como “modalidade inclusiva” e explica como “a justiça desportiva pressupõe a existência de consensos regulamentares” que sirvam de “base para as competições”. O que não pode acontecer, acentua a entidade, é “desincentivar a participação de raparigas e mulheres” que, em Portugal, “constituem apenas 7% do total de atletas e praticantes federados”. Isto num país onde “representam cerca de metade da população”. Nas competições de ciclismo portuguesa vigoram “as normas vigentes relativamente aos níveis de testosterona” definidas pela UCI, de quem é “expectável uma revisão mais abrangente desta temática”.
Ou seja, a federação portuguesa sugere que a tutela internacional não será tão restritiva quanto a British Cycling foi esta sexta-feira, ao excluir por inteiro as atletas trans das provas femininas. Em agosto se verá, quando a União de Ciclismo Internacional divulgar a sua nova regulamentação acerca do tema.