O nevoeiro e a chuva juntaram-se à chegada da montanha para desenhar uma primeira jornada de máxima dificuldade na Vuelta 2022 com contornos épicos, como que desafiando os aspirantes a vestir a camisola vermelha em Madrid, no final das 21 tiradas, a exercícios heroicos. Nos 181,2 quilómetros da sexta etapa, no sempre acidentado território basco entre Bilbau e o Pico Jano, Remco Evenepoel e Juán Ayuso, dois jovens da brilhante geração audaz que está a tomar conta do mundo das bicicletas, estiveram à altura dos desafios que a estrada, a meteorologia e o entusiasmo do público propunham.
Remco Evenepoel, belga de 22 anos da Quick-Step, é o fenómeno precoce de uma nação louca por corridas a pedais, capaz de já ter 33 vitórias no palmarés, incluindo em provas como a Liège-Bastogne-Liège, a Clássica San Sebastián ou as voltas à Polónia, Algarve, Noruega ou Burgos; Juán Ayuso, espanhol de 19 voltas ao sol e companheiro de João Almeida na UAE-Emirates, transporta em si as esperanças de suceder às glórias que Contador ou Valverde trouxeram ao seu país, com a chancela de um contrato até 2028 com uma das formações mais endinheiradas do pelotão.
Jay Vine, da Alpecin, foi o único resistente da fuga do dia e ergueu os braços ao ar ao cortar a meta — ou isso pensamos nós, pois o nevoeiro nada permitia ver. Mas, no que à geral se refere, o mais importante aconteceu a 15 segundos do australiano, tempo a que chegou Remco Evenepoel, novo dono da camisola vermelha.
O belga voltou a mostrar possuir um motor anormal nas pernas, arrancando no começo da ascensão e só parando no topo, deixando para trás todos menos Enric Mas, único que acompanhou a cadência do prodígio da Quick-Step. Com Ayuso a ter terminado a 55 segundos de Vine e Roglic, Sivakov, Hindley, Almeida e os outros favoritos a perderem 1 minuto e 37 segundos, Evenepoel lidera a geral.
Evenepoel é especialista no contra-relógio e, fiel ao gosto de andar bem sozinho, cerrou os dentes, mãos despidas de proteção no guiador e subiu sem olhar para trás, com a ambição de quem pedala e bate os melhores praticamente desde que trocou o futebol pelas bicicletas. Roglic, grande favorito da Vuelta, ficou para trás, tal como João Almeida, que num primeiro momento nem conseguiu seguir no grupo do esloveno.
Pouco a pouco, ao seu estilo, o português conseguiu recolar e chegar a junto de vários dos grandes candidatos ao pódio final de Madrid. Almeida é agora 10.º, a 1 minuto e 54 segundos de Evenepoel.
Enric Mas, muito criticado pelos espanhóis no Tour, conseguiu subir ao 3.º posto, 28 segundos atrás de Remco — entre os dois está o francês Rudy Molar, antigo dono da camisola vermelha que não conta para a geral. Mas quem deixou o país que acolhe a Vuelta a sonhar foi mesmo Juán Ayuso.
O companheiro de João Almeida na UAE-Emirates até descolouu do grupo de Roglic no começo da subida, mas juntou-se ao esloveno para logo em seguida arrancar, fazendo boa parte da ascensão em solitário. Saltou para o 5.º lugar da geral em nova demonstração de talento, a qual levou a que, após cortar a meta, lhe fosse feita a natural pergunta sobre a liderança na formação que partilha com Almeida
"Bem, ele [João Almeida] tem mais estatuto e mais experiência que eu, eu não sei se num dia irei rebentar. É bom termos duas opções, tentarei manter-me regular”, disse o espanhol sem abrir o jogo. Ayuso está 42 segundos à frente do seu colega de A-dos-Francos.
As chegadas em alto voltarão nas etapas oito e nove, antes do contra-relógio de 30,9 quilómetros da etapa 10. No esforço individual, Remco Evenepoel promete mais espetáculo solidário. Da sua capacidade de continuar a brilhar na alta montanha dependerá muito do futuro desta Vuelta que começa a ser forjado pelo talento das pernas da juventude.