Benfica

Para Otamendi, a época foi “muito má”, mas para Schmidt foi “boa”. O que fica da temporada do Benfica e que pistas há sobre o futuro?

Para Otamendi, a época foi “muito má”, mas para Schmidt foi “boa”. O que fica da temporada do Benfica e que pistas há sobre o futuro?
MIGUEL RIOPA/Getty

Após a derrota contra o Famalicão, capitão e treinador discordaram na avaliação à campanha das águias. Em setembro, Rui Costa dizia que “não alimentar o sonho” da Champions “seria uma estupidez”, mas a equipa sai da temporada só com a Supertaça debaixo do braço. Na última década, só por duas vezes um treinador não campeão continuou no Benfica — e, em ambas, foi despedido no Natal

Para Otamendi, a época foi “muito má”, mas para Schmidt foi “boa”. O que fica da temporada do Benfica e que pistas há sobre o futuro?

Pedro Barata

Jornalista

Vamos ao factos sobre o Benfica 2023/24: segundo na I Liga, deixando de ter opções de título a duas jornadas do fim; eliminado nas meias-finais da Taça de Portugal e da Taça da Liga; fora da Liga dos Campeões na fase de grupos, sendo repescado para a Liga Europa, onde caiu nos quartos de final; vencedor da Supertaça.

Um título, logo em agosto. Uma campanha europeia bem pior que a anterior, a continuidade da malapata com as taças internas, que escapam desde 2017. Um campeonato muito abaixo do passado, já que o máximo de pontos possível são 82, face aos 87 de 2022/23.

Perante estes resultados, Nicolás Otamendi fez uma avaliação dura. Na sequência da derrota contra o Famalicão, o capitão de equipa disse que “a época foi muito má”, pelo que havia que “pedir desculpa”.

Do alto do seu estatuto de campeão do mundo, de vencedor da I Liga em quatro ocasiões, de triunfador na Liga Europa ou na Copa América, o defesa opinou que o Benfica não jogou “com a intensidade” necessária, devendo agora “pensar” no “mal” que se fez durante a campanha. Explicando que não falou mais vezes por indicação do departamento de comunicação das águias, Ota olhou para o futuro: “O Benfica não te dá tempo, é um clube em que se tem de estar preparado para ganhar títulos. Eu vim para cá para competir e conquistar títulos, lamentavelmente não aconteceu esta época, vamos tratar de preparar a próxima da melhor maneira e não repetirmos os erros.”

A dura radiografia do capitão parece em linha com a dos adeptos, que têm criticado as exibições da equipa. Só que estas visões chocam com as do treinador da equipa.

Ao longo das últimas semanas, Roger Schmidt parece sempre o homem mais tranquilo no meio de um incêndio. Enquanto o Benfica ia dizendo adeus a objetivos, da Taça para a Liga Europa e da Liga Europa para o campeonato, o alemão ia mantendo a sua “satisfação” com “o esforço e as exibições” coletivas, fiel ao seu clássico “top level”.

Este contraste entre as opiniões de Schmidt e a perceção alheia atingiu o seu ponto máximo em Famalicão. Minutos depois de Otamendi falar da época “muito má”, o treinador foi em sentido inverso. “Foi uma boa época, mas não fantástica”, definiu.

Gualter Fatia/Getty

Em 2023/24, o Benfica já disputou 54 partidas, com um saldo de 34 vitórias, nove empates e 10 derrotas. Para Roger Schmidt, o Sporting fez uma “época muito estável” e, “provavelmente", chegará “aos 90 pontos”. “Se quiséssemos ser campeões, tínhamos de quebrar o recorde do Benfica. Para que isso acontecesse, tínhamos de fazer uma época fantástica”. Portanto, o alemão deve a ausência do título mais ao brilhantismo alheio do que ao demérito próprio.

E agora, Rui Costa?

Em 2022, Schmidt assinou contrato por duas temporadas, até ao final desta campanha. Os primeiros meses foram de intenso romance com as bancadas da Luz: tudo começou no “quem ama o futebol, ama o Benfica”, dito na chegada ao aeroporto, uma tirada de carisma comunicacional que parece vinda de outro Roger, de um homem agora ausente. Depois do piropo inicial, veio o rolo compressor dos primeiros meses nas águas, com 13 vitórias nos 13 primeiros jogos e 21 triunfos e quatro empates nos 25 desafios disputados até à paragem para o Mundial.

Com o Benfica líder no campeonato e nos quartos de final da Liga Europa, Rui Costa decidiu, em março de 2023, prolongar o vínculo do alemão até 30 de junho de 2026, isto é, por mais duas épocas além da que terminará em breve. E é esse compromisso contratual que agora parece em dúvida.

No arranque da temporada, em setembro, o presidente foi claro a definir o objetivo. “No dia em que disser que o Benfica não parte como candidato ao título em Portugal, tirem-me desta cadeira, algo não estaria bem. Procuramos o bicampeonato, num ano extraordinariamente difícil, mas tudo faremos”, sublinhou Rui Costa.

Na verdade, o antigo jogador foi mais longe. Nessa mesma declaração, numa cimeira sobre futebol, foi questionado sobre as ambições do Benfica na Liga dos Campeões, considerando que, no Benfica, “nada pode ser considerado utopia”. “Não alimentar o sonho [da Champions] num clube com esta grandeza seria uma estupidez”, assegurou, ainda que ciente das “dificuldades” e das particularidades do “modelo atual da prova”, mas reiterando que “não é impossível”.

Nos últimos meses, Rui Costa tem mantido o silêncio. Uma rara exceção foi depois da vitória contra o Farense, quando os adeptos contestaram fortemente a equipa e até atiraram uma garrafa de água a Roger Schmidt. O presidente disse, então, partilhar da tristeza, mas condenou que se ultrapassassem certos limites.

Gualter Fatia

Rui Costa foi eleito presidente do Benfica a 10 de outubro de 2021, depois do terramoto judicial que tirou Luís Filipe Vieira da liderança do clube. Dois meses e meio após chegar ao cargo, os maus resultados levaram à saída de Jorge Jesus do comando técnico, entrando Nélson Veríssimo. O ex-central fez meia época e, no verão de 2022, Roger Schmidt assumiu a equipa.

Vencedor de um campeonato na primeira época e de uma Supertaça no começo da segunda, Roger Schmidt tem afastado qualquer cenário de saída do Benfica. Para o alemão, é “muito claro” que ficará na Luz, até porque, fiel à sua versão da realidade, diz que “o momento não é negativo”. “Não esperava que ganhássemos quatro campeonatos”, disse, na antevisão ao encontro contra o Famalicão.

Caso o alemão cumpra o contrato e fique, dar-se-á algo que, na última década, só sucedeu em duas ocasiões: a continuidade de um treinador do Benfica que não foi campeão. Tal só sucedeu em 2018, quando Rui Vitória não conseguiu o penta, e em 2021, quando Jorge Jesus ficou atrás de FC Porto e Sporting.

Ora, ambos os precedentes não são demasiados encorajadores. Com efeito, os dois treinadores acabaram por não durar além do período do natal. Em 2018/19, Rui Vitória saiu a 3 de janeiro, ao passo que, em 2021/22, Jorge Jesus abandonou a 28 de dezembro.

Mais lá para trás, a paciência de Vieira com Jorge Jesus, na primeira fase do técnico na Luz, seria recompensada com os dois primeiros títulos do penta, mas esses anos parecem distantes. Recentemente, manter treinadores fragilizados não tem sido boa política no Benfica. Entre a avaliação negativa do capitão e a positiva do treinador, entre a contestação dos adeptos e “o momento que não é negativo do técnico”, entre os precedentes de Rui Vitória e Jorge Jesus e um contrato até 2026 assinado há 14 meses: a bola está do lado de Rui Costa.

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