Há cerca de um ano, a National Women’s Soccer League (NWSL), a principal liga do futebol jogado por mulheres nos EUA, cedeu à pressão de centenas de jogadoras reunidas por esforços do sindicato que as representa e cancelou cinco partidas do campeonato. Horas depois, a líder da entidade foi despedida. Eram as primeiras consequências de várias denúncias de assédio, abuso e coação sexuais vindas a público nas semanas anteriores, que visavam sobretudo três treinadores. E deu-se início a uma investigação em larga escala para averiguar as queixas e aferir a extensão do problema.
Esta segunda-feira, foi publicado o relatório resultante desse trabalho, cujas conclusões são dramáticas: a NWSL é “uma liga onde os abusos e más condutas sexuais, verbais e emocionais são sistémicos”, afetando “múltiplas equipas, treinadores e vítimas” e estando “enraizado” numa “profunda cultura” que “normaliza os abusos” e “distorce as fronteiras entre jogadoras e treinadores”.
Responsáveis da National Women’s Soccer League (NWSL) e da US Soccer terão sido informados repetidamente acerca das queixas, mas “nada fizeram” para lidar com as denúncias “nem para prevenir que acontecessem noutros lugares”, lê-se na descrição feita pelo “New York Times”, que teve acesso ao relatório Yates - assim denominado por ser o apelido de Sally Yates, a principal responsável pela investigação.
Entre as dezenas de casos que constam no relatório, descrevem-se casos em que um treinador convidou uma jogadora para analisarem um jogo da equipa em sua casa, mas, lá chegados, mostrou-lhe pornografia enquanto se masturbava; outro terá ganhado fama de frequentemente questionar as futebolistas acerca das suas vidas sexuais; e um clube, sendo informado das denúncias de assédio sexual contra o seu técnico, despediu-o, mas, “poucos meses depois”, nada faz quando o mesmo treinador foi contratado por outra equipa do campeonato. Em vez disso, “desejou-lhe boa sorte” para as novas funções, nas redes sociais.
O “New York Times” enaltece a “meticulosa descrição” redigida na investigação dos vários casos, além da inação assumida por antigos dirigentes da NWSL, de clubes que nela competem e da US Soccer. A maior parte dos casos e das denúncias incidem em três treinadores (Paul Riley, Rory Dames e Christy Holly), embora haja outros visados.
Cindy Parlow Cone, eleita presidente da US Soccer em fevereiro de 2019, catalogou as conclusões de “profundamente problemáticas”. Em comunicado, a dirigente garantiu que a entidade está “totalmente comprometida em fazer tudo no seu poder para assegurar que todas as jogadoras, de todos os escalões, têm um ambiente seguro e respeitador para aprenderem, crescerem e jogarem”. Pela mesma via, o sindicato das jogadoras norte-americanas elogiou “a coragem” das futebolistas denunciantes de “práticas que se tornaram demasiado normalizadas na NWSL e no futebol em geral” nos EUA.
A publicação do relatório que desenha um retrato negro do futebol feminino no país que ganhou as duas últimas edições do Campeonato do Mundo, em 2015 e 2019 - tendo quatro conquistados, no total (também venceu em 1999 e 2003) surge quatro dias após serem noticiadas as denúncias de assédio sexual contra Miguel Afonso, treinador do Famalicão, feitas por jogadoras do Rio Ave, clube que treinou em 2020/21.