Jannik Sinner pôs a rivalidade com Carlos Alcaraz a cantar o tirolês
MARK R. CRISTINO
Ao sexto jogo entre os dois tenistas que estavam igualados e de quem o ténis se espera alimentar na próxima década, o italiano da região de Tirol do Sul ganhou (7-6, 6-1) ao espanhol que acabou incaracteristicamente o duelo. Errando e precipitando-se muito, Alcaraz não pôde com a potência de Sinner nas meias-finais do Open da China, em Pequim
A melancolia também está nas cordas das raquetes que batem, cortam ou dão chapadas na felpuda bola amarela. É um sentimento agridoce, pode fazer-nos recordar a beleza que se aprende com o já vivido, mas igualmente é algo que empurra a ficarmos agarrados ao que foi e dificilmente voltará a ser. E o ténis já sabia, faz tempo, que da sua era dos quatro sóis à volta de quem os restantes planetas com cabeça, tronco e membros faziam pela vida, iria ressacar por rivalidades que prendessem a atenção aos courts. Com a aurora espetacular de Carlos Alcaraz, a modalidade rogou arranjar-se um par que lhe permitisse bailar ao som da mesma canção.
Faça o favor de entrar, então, Jannik Sinner, o tirolês italiano que à vista desarmada é o contraste visual do espanhol - tentáculos longos e finos, boné acoplado à cabeça, pele esquálida e reações contidas - mesmo que no campo o tenta igualar no estilo brutal de tentar fazer a bola penetrar no raio de ação de quem está do outro lado da rede. Sem ter os músculos de veias hirtas ou a agilidade combinada com potência bruta de Alcaraz, é capaz de disparar pancadas com semelhante força e velocidade à do espanhol, que já o disse e repetiu e lembrou - a sua maior rivalidade é com ele.
É pelo passado entre ambos (três vitórias para cada lado) que este reencontro em Pequim, no Open da China, um torneio de categoria 500 onde o espanto do público era frequentemente audível, recheou-se da ânsia prévia a um embate de forças que se atraem. Sem cerimónias, o espanhol quebrou o serviço logo a abrir para fixar um 2-0 em sete minutos que o italiano pouco tardou em devolver. Igualados a dois jogos, aí a partida libertou-se do colete de forças para dar razão a quem saliva com as expectativas deste duelo vir a suceder às épicas batalhas entre Roger Federer, Rafael Nadal, Novak Djokovic e Andy Murray que colocaram o ténis a cintilar durante 15 anos.
Com os seus movimentos explosivos a deslocarem-se sobre pézinhos de lã, Carlos Alcaraz obrigou o adversário a esbanjar muitos recursos para lhe ganhar pontos, exigência tarefeira que faz o espanhol suplantar a maioria dos tenistas. Perante tamanho muro humano a alcançar qualquer tipo de bola, acabam por se precipitar no risco e na impaciência. Sinner foi tendo, por vezes, esse mal necessário, mas com um serviço a dar-lhe vantagens quando não as teve em trocas de bola mais longas. Com o avançar do primeiro set, um e outro refugiaram-se no seu saque para saírem de situações de aperto e levarem a igualdade até a um tie-break com pontos rápidos.
MARK R. CRISTINO
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Seria com uma direita cruzada fulminante e caída bem em cima da linha de fundo, a atacar um (segundo) serviço, tipo de resposta a que Sinner se manteve fiel para pressionar Alcaraz, que o ruivo italiano fechou o parcial (7-6 (4)) mesmo tremendo a meio do desempate quando tinha dois mini-breaks. Livrando-se habilmente das investidas do agressivo espanhol contra a rede e dono de reações que apanhavam o vice-líder do ranking em contra pés frequentes, Jannik punha Carlos a gritar “mierda!” com frustração no arranque do segundo set, ao quebrar o serviço do vencedor do último Wimbledon logo à primeira oportunidade.
O jovem vulcão, cuja erupção tem deixado o ténis empoleirado na sua novidade, não exibia os dentes que sempre destaca. Não sorria. Ia ao banco e esbracejava, falava em desaprovação com ele próprio, abanava a cabeça em negação. Atraído para o jogo de fundo do court, quase a ver com Sinner quem batia a bola com mais estrondo, o espanhol perecia. Com 1-2 e três pontos para quebrar o serviço aquando de uma atónita quebra do italiano, Alcaraz nem aí se alentou. Como em Indian Wells e Miami, na perna norte-americano de torneios em piso rápido, custava-lhe roubar o saque ao seu rival geracional.
Sobrevivendo, o italiano que nasceu a magros quilómetros da fronteira com a Áustria errou cada vez menos com o avançar do segundo parcial, inventando respostas brutais ao serviço que foi salvando o espanhol com menor frequência da sua titubeante forma de querer resolver todos os problemas à força, apenas a canalizar a sua fúria na raquete. Estranhamente, viu-se pouco da sua queda para ‘brincar’ com o posicionamento do adversário, sendo raro a recorrer ao amorti e falível nos momentos em que o tentou. Quando do lado oposto há a constância que devolve bolas complicadas, do nosso fica complicado inventar soluções.
Quando o titã se viu a servir com 1-5 para continuar vivo, o rapaz que, com tantas razões justificadas, o fervor de entusiasmo leva meses e meses a inverter a gravidade para o elevar à altura das nuvens, já demonstrava uma incaracterística falência: precipitava-se em erros de direita e esquerda, tinha os apoios colados ao campo, era manso no serviço (só 28% de segundas tentativas ganhas). À 16.ª meia-final em 2023 - tantas quanto as de Stefan Edberg em 1986, marca que perdurava desde então -, o fenómeno de precocidade confirmou a derrota com uma dócil esquerda que não passou no filtro da rede, amorfa e sem vontade.
O particular duelo entre os recém-adultos onde apenas um já limou as assoalhadas mentais necessárias para um tenista capturar Grand Slams deu a quarta vitória a quem jamais os venceu. Uma vez mais, Jannik Sinner elevou-se perante Carlos Alcaraz, aproveitando-se da rendição do espanhol a entrar na troca de golpes do fundo do court e a responder a potência com tentativas de jogar com ainda mais força. Neste binómio de brutalidade, o italiano vindo de Tirol do Sul onde se canta o tirolês e o idioma predominante é o alemão já tem a rivalidade a existir sob a sua canção. ‘Carlitos’ é o melhor tenista dos dois, mas não é ele quem mais sublima o próprio jogo quando se cruza com o rival.